Volks reconhece parceria com ditadura militar na repressão

Empresa foi condenada por fornecer aos órgãos de repressão informações sobre funcionários. E também por permitir prisões sem ordem judicial e tortura policial, dentro da fábrica. O líder sindical Lúcio Bellentani foi uma das vítimas da parceria mantida por décadas em segredo

Lucas Lacaz Ruiz

Metalúrgico e militante do PCB "entregue" pela Volks à ditadura militar

Os porões da ditadura vieram à tona mais uma vez para desmentir o governo Bolsonaro, que insiste em negar a sua existência e os crimes cometidos por 21 anos. Depois de mais de 50 anos, a multinacional alemã Wolkswagen assumiu ter colaborado com os militares. A empresa foi condenada por fornecer informações sobre os seus funcionários às forças de repressão. E também por permitir prisões sem ordem judicial e tortura policial, dentro da fábrica. O líder sindical Lúcio Bellentani foi uma das vítimas da parceria mantida por décadas em segredo.

O fato histórico é resultado de acordo extrajudicial firmado pela Volkswagen para encerrar três inquéritos civis que cobravam a empresa por sua aliança com os militares. Denunciada no relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) de 2014, a empresa assumiu o compromisso de destinar 36,3 milhões de reais tanto a ex-empregados presos, perseguidos ou torturados como a iniciativas de promoção de direitos humanos.

É a primeira vez que uma empresa admite reparar crimes durante a ditadura, o que abre um precedente jurídico para que outras empresas envolvidas com a repressão sejam investigadas, segundo o jornal ‘El País’. Em 2014, o relatório final da CNV enumerou 53 empresas que também apoiaram de alguma forma concreta o golpe de 1964. Entre elas, a Johnson & Johnson, Esso, Pirelli, Texaco, Pfizer e Souza Cruz.

Citado pelo jornal, o metalúrgico e militante do Partido Comunista Brasileiro, Lúcio Bellentani, foi uma das vítimas desta parceria que foi mantida em segredo por décadas. Em entrevista concedida ao El País em 2017, Bellentani foi preso sem qualquer mandado judicial enquanto trabalhava. “Ali mesmo começaram as torturas. Comecei a ser espancado dentro da empresa, dentro do departamento pessoal da Volkswagen, por policiais do DOPS e na frente do chefe da segurança e de outros seguranças da fábrica”, contou ele.

Do total dos recursos, R$ 16,8 milhões serão doados à Associação Henrich Plagge, que congrega os trabalhadores da Volkswagen, para ser repartido entre os atingidos. Outros R$10,5 milhões serão destinados ao reforço de políticas de Justiça de Transição, com projetos de preservação da memória das vítimas das violações de direitos humanos na época. A Volkswagen também pagará 9 milhões de reais aos Fundos Federal e Estadual de Defesa e Reparação de Direitos Difusos.

Ainda segundo o acordo, a Volks também deverá publicar em jornais de grande circulação uma declaração pública sobre sua cumplicidade com os órgãos de repressão. Em documento divulgado em 2017, a própria empresa reconheceu a colaboração entre a segurança industrial da fábrica brasileira e a polícia política do governo militar, iniciada em 1969 e que se estendeu pela década seguinte.

Da Redação com ‘El País’

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