Dona Marisa: “Costurei a primeira bandeira do PT. Ficou linda”
Em uma de suas raras entrevistas, ex-primeira dama contou sobre como perdeu o primeiro marido, conheceu Lula e resistiu às prisões na ditadura militar
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Em 2002, a ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, então com 52 anos, deu uma rara entrevista para o Portal Carta Maior. Na conversa, falou sobre a origem familiar, a infância, o trabalho a partir dos 9 anos, o primeiro casamento e a viuvez e o encontro com Luiz Inácio da Lula Silva, com quem se casou e participou do movimento sindical do ABC entre as décadas de 1970 e 1980.
Dona Marisa morreu na sexta-feira (3), aos 66 anos. Deixou o marido, Lula, e quatro filhos – Marcos, Fábio, Sandro e Luís Cláudio.
A seguir, publicamos os principais trechos da entrevista:
Carta Maior: Qual a origem da sua família?
Dona Marisa Letícia: Meus pais são descendentes de italianos. O sobrenome do meu pai é Casa; o da minha mãe, Rocco. Meus avós, tanto do lado paterno como os do lado materno, conheceram-se no navio vindo da Itália. Conheceram-se no mar, casaram-se em São Bernardo e tiveram vários filhos. Foram posseiros e, para não dividir as terras, faziam casamentos entre eles, algo que naquele tempo era normal. Tenho várias primas-irmãs: os irmãos de meu pai casavam-se com as irmãs de minha mãe e vice-versa.
Em que bairro eles moravam?
Atualmente chama-se bairro dos Casa, em São Bernardo do Campo, antigo sítio dos Casa, onde meu avô fez a capela de Santo Antônio, que está lá até hoje. A maioria dos irmãos do meu pai chama-se Antônio; os de minha mãe também; o meu avô, idem.
Eles plantavam o quê?
De tudo um pouco. Batata doce, batatinha, milho. Tinha gado, tinha galinha, pato. Saí do sítio com cinco anos de idade.
Vocês são em quantos irmãos?
Minha mãe teve 15 filhos. Três morreram ao nascer. (…) Mamãe trabalhava na lavoura, os maiores ajudavam e os menores ficavam num chiqueirinho cavado na terra. Minha mãe deixava a gente ali dentro, para não fugir. Eu tinha uns dois ou três anos. Sou a penúltima dos irmãos. Tenho irmã que poderia ser minha mãe, pela diferença de idade.
Qual é o nome dos seus pais?
Regina Rocco Casa e Antonio João Casa.
Foi uma infância difícil?
Não, em casa tinha fartura. Como minha mãe plantava e colhia e também tinha criação, nunca ninguém passou fome. Ela fazia aquela galinhada, galinha com polenta para o jantar ou a minnestra, um caldo de feijão com muito legume, arroz, carne…
Vocês frequentavam a cidade?
A gente só saía para ir a capela. A cidade era longe. Só por volta de 1955, quando minhas irmãs mais velhas começaram a trabalhar nas tecelagens, a gente saiu do sítio, aí em definitivo. Meus irmãos também estavam buscando emprego nas fábricas de móveis. Mudamos para o bairro Assunção. Meu pai comprou uma casa muito grande, com quintal onde ele continuou criando seu porquinho, galinha, horta. Ficou sempre nessa vida. Mas ainda não tínhamos luz, a água era de poço. Minha mãe cozinhava no fogão à lenha. Foi nessa época que comecei a estudar, numa escolinha de madeira. Só na terceira série é que fui para um colégio no centro, o Grupo Escolar Maria Iracema Munhoz.
Qual era teu sonho de vida?
Eu queria dar aula, gostava muito de criança. Meu pai achava que mulher tinha que aprender a lavar, cozinhar e costurar. Educação rígida, à antiga. Aos nove anos, as meninas começavam a ajudar dentro de casa. Eu não gostava muito dessas coisas, mas fiz cursinhos de corte e costura, culinária…
Você começou a trabalhar com que idade?
Aos nove anos. Fui ser pajem dos filhos do sobrinho do Cândido Portinari, um dentista muito famoso em São Bernardo, o Jaime Portinari. Ele tinha três filhas. Eu tomava conta dessas meninas porque a mãe dava aula. Ela trabalhava à tarde e eu estudava de manhã, as duas no mesmo colégio. Depois nasceu mais uma menina, e eu com nove anos tomava conta de uma recém-nascida. Morava nesse emprego, dormia lá.
Aos nove anos, fui ser pajem dos filhos de um dentista muito famoso em São Bernardo. Ele tinha três filhas. Depois nasceu mais uma menina, e eu com nove anos tomava conta de uma recém-nascida”
Ficou muito tempo?
Saí mocinha para trabalhar em fábrica, na Fábrica de Doces Dulcora. Tinha 13 anos. Foi necessário tirar uma carteira especial de menor, com autorização do pai. Tenho essa carteira até hoje. Depois, com 14 anos, você já tirava a carteira normalmente. Eu comecei como embaladora de bombom alpino.
Como era para você trabalhar assim tão criança?
Sempre gostei de ser útil, adorava isso. Era um sonho trabalhar fora, ter o próprio dinheirinho. Fazia com prazer, mas hoje tenho consciência de que lugar de criança é mesmo na escola, com tempo para brincar e aprender. Trabalhei na Dulcora oito anos. Saí para casar.
Seus pais eram bravos?
Meu pai era muito enérgico, minha mãe contornava as coisas. Mas namorar não podia, imagine! Minha mãe inventava historinhas para a gente poder sair, mas era difícil. Das irmãs eu era a mais rebelde. Gostava de participar de tudo, reuniões, centro cívico, festinhas de igreja, meu pai não deixava…
E para namorar?
Namorar naquela época era bate-papo, dava a mão, ele levava você até a esquina de casa e ponto.
Você tem alguma lembrança política dessa época?
Não, nenhuma. A gente não tinha televisão e meu pai proibia falar de política dentro de casa. Ele não gostava. Nunca comentou o porquê. A gente sabia é que os avós tinham passado momentos difíceis na Itália, vieram fugidos por causa de política e proibiam de falar no assunto. Meu pai seguiu a regra. Televisão em casa só entrou quando eu já era bem mocinha. Mas nós ainda rezávamos toda tarde, às 6 horas. Paquera então, só longe de casa, na Marechal Deodoro (rua central de São Bernardo), logo após o cinema, à tarde. Comprava-se pipoca e depois era sobe e desce a Deodoro…
Com que idade você teve o seu primeiro casamento?
Casei com o primeiro namorado, o Marcos, aos 19 anos. Casei e continuei trabalhando. Só saí da Dulcora quando engravidei. Marcos era motorista de caminhão, transportava areia. Como a gente queria comprar casa própria, ele pegava o táxi do pai, que só trabalhava à noite, para fazer bicos à tarde e nos fim de semana. Ficamos casados apenas seis meses. Marcos foi assassinado quando eu estava grávida de quatro meses. Trabalhava com o táxi num domingo à tarde quando foi assaltado e morto. Meus sogros queriam demais essa criança, aí praticamente me adotaram. Fiquei morando com eles até o Marcos completar um aninho. Então fui trabalhar num colégio de Estado, como inspetora e substituta, mas contratada pela prefeitura. Aí voltei para a casa de minha mãe, porque ela tinha mais tempo para tomar conta do nenê, enquanto eu estivesse no serviço.
Marcos [o primeiro marido] foi assassinado quando eu estava grávida de quatro meses. Trabalhava com o táxi num domingo à tarde quando foi assaltado e morto. Meus sogros queriam demais essa criança, aí praticamente me adotaram”
Como você conheceu o Lula?
Eu recebia uma pensão de viúva. Naquela época você tinha que passar em qualquer sindicato para recolher um carimbo e depois receber no INPS. Costumava ir ao sindicato dos marceneiros. Mas houve umas mudanças de local e a sede dos metalúrgicos passou a ficar mais perto para mim. Foi assim que conheci o Lula, que trabalhava no Serviço de Assistência Social do sindicato.
O Lula já conhecia seu sogro?
É o que ele conta. Diz que eles se conheciam porque tomava o táxi do seu Cândido às vezes. Os dois conversavam sobre a nora viúva etc, mas ele não me conhecia, nem houve nenhum arranjo para esse encontro entre nós. Foi pura coincidência a ida ao sindicato.
Ele atendeu você?
Não, foi um menino, um mocinho chamado Luisinho. Expliquei que precisava do carimbo para receber a pensão. Diz o Lula que já havia avisado a esse rapaz: assim que chegasse uma viuvinha nova, era para chamá-lo porque ele também era viúvo (a primeira esposa de Lula, Maria de Lurdes, operária tecelã, faleceu grávida e o filho também morreu).
O tal Luisinho chamou mesmo o Lula?
Exato. Inventou que o carimbo estava com um probleminha, foi lá dentro e quem voltou foi o Lula. Chegou e já senti que havia algo diferente. Percebi logo, porque nunca precisou tanta cerimônia para receber uma pensão que eu já tinha há três anos. O Lula disse que havia mudado a lei, eu teria que deixar o carnê para renovar etc… E pediu meu telefone. Caí que nem uma bobinha. Trabalhava na secretaria de uma escola na época. Desse dia em diante o telefone não parou mais de tocar.
E você não atendia?
Um dia atendi. Ele disse que já podia passar para assinar a papelada. Cheguei, começou tudo de novo. Senta um pouquinho; vou te explicar; aquele papo… Vamos tomar um cafezinho? Foi nessa hora que deixou cair a carteirinha do sindicato e falou: tá vendo, eu também sou viúvo. Respondi: ah é?
Nenhuma simpatia nesse primeiro contato?
Não, naquele tempo, o que uma mulher mais queria na vida era casar e ter um filho. Eu já tinha passado por essa experiência. Mas ele não desisitiu. Telefonava, insistia, por fim, marcamos um almoço no São Judas, no bairro Demarchi (tradicional restaurante do ABC).
O Lula sabia que você era nora do tal chofer de táxi?
Ele diz que ficou desconfiado, porque as histórias batiam. Mas foi tudo coincidência. Jamais foi montado um encontro.
E o namoro como começou?
Eu já tinha um namorado, vizinho da família que eu conhecia desde criança. Uma coisa assim descompromissada. Mas o Lula não queria saber. Um dia descobriu a minha rua. Chegou com um (automóvel) TL azul turquesa. Viu uma senhora, pediu informações. Era justamente minha mãe. Eu estava tomando banho para encontrar o namorado. Quando saio, quem está lá com a minha mãe? O Lula. Pedi que fosse embora porque tinha um compromisso, mas ele só deu uma voltinha com o TL e retornou. Chegou e foi logo dizendo para o meu namorado dar licença, que tinha assunto muito sério a tratar comigo. Mandou o cara embora. Pode? Aí já havia conquistado a simpatia de minha mãe porque era um sujeito mais alegre, mais dado que o outro. Ela ofereceu um aperitivo, o Lula entrou e, bom, tive que acabar o namoro porque ele já não saía mais de casa…
Casaram-se rápido?
Depois de sete meses. Mas não casei grávida não (risos). O Fábio, meu primeiro filho com o Lula, nasceu com nove meses e nove dias depois do casamento. Depois, com um ano de casado, em 1975, ele ganhou a eleição para a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos.
Como foi essa coisa de ele virar uma figura pública?
Eu não estranhei muito porque, como disse, comecei a acompanhá-lo. Levava as esposas dos trabalhadores, organizava festas, projetos sociais. Passamos a reivindicar a presença de mulheres nas chapas. Então foi uma evolução junto.
Levava as esposas dos trabalhadores, organizava festas, projetos sociais. Passamos a reivindicar a presença de mulheres nas chapas. Então foi uma evolução junto.
E quando começam as greves, veio o medo?
Medo a gente sempre tem um pouquinho. Mas o dia a dia vai mostrando tanta força que muitas vezes você se pergunta: será que eu fiz isso mesmo? Por exemplo, nós fizemos aquela passeata das mulheres em 1980, quando os dirigentes sindicais estavam todos presos. Hoje, você pensa, parece uma loucura. Encheu de polícia. Os homens queriam dar apoio, mas nós dissemos, não, e saímos. Fizemos só com as mulheres. Botei as crianças na rua, meus filhos no meio daquela multidão, polícia para tudo quanto é lado.
Como era para eles ver o pai na televisão?
Tive que fazer um trabalho com isso mas acho que ficaram com uma cabeça boa. As coisas foram acontecendo aos poucos, fomos nos adaptando. Quando ele aparecia na TV eu brincava com os meninos: querem ver seu pai, olha ele aí, porque eles já quase não viam mais o pai.
Você virou mãe e pai?
É, mas foi tranqüilo. Tinha reunião de pais na escola, lá ia eu. Tinha joguinho dos pais, lá ia a mãe. Não tinha problema, eu sabia que era importante.
A sua casa também virou uma sucursal do sindicato?
Virou mesmo. Em 1980, tomaram o sindicato da gente com a intervenção. Não tínhamos para onde ir. Desocupei a sala da frente e disse: pronto, aqui é o sindicato. E a secretária era eu. Vinham políticos, almoçavam, alguns dormiam lá em casa. Depois, montamos um fundo de greve na Igreja, para arrecadação de alimentos. Aí desconcentrou um pouco. Quem ajudou muito nessa época foi dom Cláudio Hummes, que era bispo de Santo André.
Vocês acabaram conhecendo muita gente nesse processo. O Fernando Henrique Cardoso também?
Sim, sim, em 1978 quando ele foi candidato ao Senado, o Lula apoiou, demos o maior apoio a ele. Foi nessa época também que conhecemos os deputados do MDB, Suplicy, Geraldinho Siqueira, Sérgio dos Santos… Mas a gente ficava com um pezinho atrás, porque nós éramos sindicalistas e eles, políticos.
Em 1980, tomaram o sindicato da gente com a intervenção. Não tínhamos para onde ir. Desocupei a sala da frente e disse: pronto, aqui é o sindicato. E a secretária era eu.
E a prisão do Lula, em 1980?
Nossa casa estava cercada há muito tempo. Policiais na esquina, gente rondando à noite. Eu tinha um pouco de medo pelas crianças. Mas tinha consciência de que estávamos mudando alguma coisa importante. Depois, o irmão do Lula, o Frei Chico, já havia sido preso. Preso político. Fomos visitá-lo, conversamos muito. Aquilo tudo foi deixando um sentimento de revolta em mim. Eu sabia que era preciso mudar. E para mudar alguém tinha que enfrentar aquela situação porque se ficasse pensando como meu pai, que não queria nada com política, as coisas não sairiam do lugar nunca.
Quando o Lula decolou como liderança, o que você sentiu?
Achei que era isso mesmo, um momento importante, algo que alguém precisava assumir. Tinha orgulho. Mas também sentia falta dele, claro, sentia falta de ter alguém com quem conversar, discutir…
E a prisão?
Então, a casa estava cercada havia várias semanas. Frei Betto, Geraldinho Siqueira, o Jacó Bittar, o Olívio Dutra e vários outros dormiam lá para nos dar alguma cobertura.
Como é que vocês conheceram o Frei Betto?
Olha, foi até gozado. Um dia o Lula avisou: vem um frei almoçar aqui. Para mim, tudo bem, almoçava tanta gente lá que não fazia diferença. Come o que tem. O Lula precisou sair e lá pelas tantas me aparece na porta um jovem. Eu estava esperando um frei, com aquela bata, chinelo, um velhinho, enfim, com roupa toda marrom. Então me aparece um rapazinho e diz: “Sou o frei Betto, trouxe uma pasta para o almoço”. Respondi brincando: você pensa que nesta casa não tem comida? Somos grandes amigos até hoje.
E quando a polícia chegou?
Bom, primeiro ligaram dizendo que o motorista do deputado Geraldinho Siqueira havia sumido. Saiu para buscar jornais e sumiu. Fomos dormir. Cedinho bateram no portão. Era umas cinco e meia. Tudo escuro. Frei Betto atendeu: “Cadê o Lula, nós vamos levar o Lula, nós vamos levar o Lula…” Um bando de homens armados de metralhadora com uma Veraneio que fechou a saída da garagem, onde ficava o nosso Fiat. Meu quarto dava para a rua. Acordei assustada, chamei: “Lula, Lula, estão aí atrás de você”.
E ele, apavorou?
Nada. Falou exatamente assim: “Calma, calma, vou tomar meu café, trocar de roupa, manda esperar”. Eu queria que o Frei Betto e o Geraldinho acompanhassem a viatura, mas eles já tinham prendido o motorista do deputado justamente por isso. E barraram a saída do nosso Fiat. Foi uma cena horrorosa, metralhadoras para tudo quanto é lado, mas as crianças não acordaram, graças a Deus. Pegaram o Lula, enfiaram dentro do carro e sumiram. Não falaram nada, na-da. A gente não sabia para onde o levariam. Até o Fiatizinho esquentar, já tinham desaparecido. Então começamos a ligar para Deus e o mundo, e descobrimos que estava no Dops. Ele e vários outros. Foram pegando todo mundo da diretoria do sindicato.
Lula tomou o tal café?
Tomou, trocou de roupa…
E as crianças?
Não falei sobre a prisão num primeiro momento. Dei um tempo em banho-maria, depois expliquei devagarzinho, direitinho para não assustar. Mas eu tive problemas com o mais velho na escola. O Marcos se recusava a ir à aula. Quando fui saber, eram colegas que acusavam: seu pai é bandido. Está preso, é bandido. O Marcos sentava lá na frente, eles jogavam aviãozinho dizendo essas coisas. Acabei permitindo que ele se afastasse por um tempo, o que o levou a perder o ano letivo. No semestre seguinte, fui à escola e falei com a diretora. Expliquei o que havia acontecido e disse que elas deveriam esclarecer as crianças. Esse tipo de preconceito não podia continuar. Só então o Marcos voltou aos estudos.
O Marcos era filho do seu primeiro casamento?
É. Eu o ensinei a chamar o Lula de tio, mas ele preferia pai mesmo. Aos nove anos, disse ao Lula que queria ter o mesmo sobrenome dele. E o Lula assumiu isso legalmente com alegria, com a maior satisfação. Hoje ele é Marcos Cláudio Lula da Silva.
Nesse período da prisão morreu a mãe do Lula?
Ela já estava muito mal, com câncer, queria ver o filho. Nós conseguimos que o Lula saísse uma vez da prisão, antes da morte, coisa que pouca gente sabe. Convencemos o Romeu Tuma (diretor do Dops na ápoca) a permitir essa visita. Depois, ele voltou para o velório. Saí do Dops com o Lula. Mas quando chegamos ao enterro os trabalhadores cercaram o carro da polícia. Estavam revoltados. Lula pedia calma. Mas os operários haviam parado as fábricas, eram ônibus e ônibus que chegavam, uma situação tensa, de nervos à flor-da-pele, que exigiu muita habilidade e liderança do Lula.
As crianças foram visitar o pai no Dops?
Foram. Preparei os meninos. Expliquei como era para eles não terem medo. Disse que tinha polícia, mas que o papai estava bem, contei sobre o lugar, enfim, tentei evitar surpresas que assustassem uma criança. Quando chegamos, o Tuma disse: “Olha, dona Marisa, é melhor a senhora ir para a minha sala com as crianças que eu vou buscar o Lula”. Quando ele apareceu na porta, o Fábio pensou que a cela era ali e falou: “Papai você não tá preso, você tá num hotel”. Tinha quatro aninhos.
Quando você ouviu falar em PT pela primeira vez?
Nesse tempo a discussão já havia começado, em pequenos grupos, lá em casa. No início, muitos políticos diziam: Lula, para que criar outro partido, basta entrar num dos que já existem. Mas ele respondia: quero criar um partido diferente de todos, um partido dos trabalhadores. A primeira bandeira do PT eu é que fiz.
Como é essa história?
Eu tinha um tecido vermelho, italiano, um recorte guardado há muito tempo. Costurei a estrela branca no fundo vermelho. Ficou lindo. A gente não tinha núcleo, não tinha nada. Minha casa era o centro. Começamos então a estampar camisetas para arrecadar fundos. Vendíamos uma para comprar duas. Estampava a estrelinha, vendia, comprava mais. Foi assim que começou o PT.
Eu tinha um tecido vermelho, italiano, um recorte guardado há muito tempo. Costurei a estrela branca no fundo vermelho. Ficou lindo.
Você se lembra da primeira vez em que se falou de Lula na Presidência?
Em 1980, Lula foi julgado no Superior Tribunal Militar, em Brasília. Foi a primeira vez que visitei a capital. Fizemos um passeio e o guia foi mostrando as mansões, aquela ostentação toda. Quando acabou, eu disse: “Lula, vamos parar com tudo isso: esses caras não vão deixar você chegar ao poder nunca. Eles não vão largar isso aqui jamais. Fazem qualquer coisa, mas não abandonam essa vida…”
Você mantém essa opinião?
Não, hoje não mais. O PT cresceu muito e na verdade já começou a mudar o país. Tem prefeituras, tem governos de Estado. A mudança começou. Mas ainda vão resistir muito. Vão lutar muito para deixar a gente chegar ao poder. Mas hoje temos chance. O povo está descontente demais. Além do que, existe uma característica do Lula que pesa muito. É algo que vem de berço: o Lula quando quer uma coisa consegue. E ele vai conseguir melhorar esse país.Ele mudou na época da ditadura militar, não mudou?
O que te dá mais medo no Brasil hoje?
A violência. Os nossos jovens são a principal vítima. Quando leio os jornais já não olho nem nome, nada. Me fixo na idade: uns moleques, viu? Só moleques. É o que me dá mais medo, me dá dó, dá pena. Mas eu sei que se essa juventude tiver a chance de uma escola, uma boa educação e trabalho, o país muda. Muda. Tenho certeza que muda.