Linguagem é o principal marco da primeira infância afetado pela pandemia
Coordenação motora fina e socialização também são impactados. Entenda como as crianças de zero a três anos têm sofrido ao estarem fora de um ambiente educador
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Unha roída, irritação, ansiedade, nervosismo, medo excessivo essas são algumas das principais características que crianças e bebês desenvolveram por conta das restrições impostas pela pandemia. A falta de socialização não traz apenas o estresse emocional aos pequenos, as perdas para crianças e bebês ao estarem fora do ambiente escolar são muitas e atingem marcos de desenvolvimentos importantes como a linguagem, a coordenação motora fina e a socialização, principalmente na faixa etária de zero a três anos.
Luana Bezerra é educadora infantil e professora de primeira infância da rede pública de Osasco e explica como esse fenômeno acontece. Ela explica que os impactos da pandemia vão nessa ordem: da ordem afetiva — do medo, do susto — do não socializar, do não desenvolvimento da fala, da escrita, das garatujas (desenhos de treinamento que vão desembocar nas letras e na escrita).
“Quando a criança está na creche ou na escola, ela dialoga com seus pares e professores, então ela tem acesso a um número de palavras e construções muito maior [do que apenas no ambiente doméstico]. Há uma perda evidente do ponto de vista da linguagem: elas falam menos, desenvolvem menos e criam menos”, relata Luana.
Segundo a educadora, os impactos maiores são na linguagem, principalmente nas crianças de zero a três anos. Isso acontece porque os bebês de creche estão em fase de desenvolvimento oral, uma fase estratégica para educar por meio da oralidade. No entanto, durante a pandemia, os bebês escutam muito menos história, do que quando estão num ambiente educador, escola ou creche. “Tem família que não contou uma história para essa crianças, que não sentou para conversar com elas, para olhar mais profundamente para ela”, reforça.
Desenho de Maria Clara Ribeiro Penha, 9 anos
Educadores também têm observado que, durante esse retorno gradual, o relativo atraso na linguagem manifesta-se em problemas de desenvolvimento da fala, tanto do ponto de vista da complexidade das construções até das crianças não verbalizarem. Outro marco afetado pela pandemia é a coordenação motora fina, aquela mais voltada para movimentos sutis como pegar um lápis.
Théo Novais, 7 anos
“Na creche, por exemplo, a gente faz uma atividade com carvão. Crianças e bebês pegam o carvão e riscam. É uma atividade que pode ajudá-lo lá na frente. Quando ele iniciar o processo da escrita, o que vai fazer diferença é o que ele fez na creche”, reforça a professora.
O medo excessivo
A falta de socialização e do convívio em ambiente educador afetam a saúde mental que desemboca em comportamentos de irritabilidade, unhas roídas, ansiedade, nervosismo que são processos semelhantes, em certa medida, aos dos adultos.
No entanto, no caso dos bebês, a situação ainda requer mais atenção. Como eles tiveram poucas interações e muitos já nasceram em meio à pandemia, há casos de crianças que desenvolvem medo excessivo de pessoas que não fazem parte diretamente do seu grupo de cuidadores. “Os bebês talvez sejam os que mais se assustem, porque tiveram pouco acesso às pessoas e poucas interações nesse mundo”. Nas crianças maiores, explica Luana, a dificuldade está no fato dos adultos não conseguirem lidar com a imaturidade emocional das crianças, ou seja, delas não terem capacidade de expressar os próprios sentimentos.
“Tem o caso de um de sete anos que começou a ter insônia. Ele acordava às quatro da manhã e não dormia mais. Às sete, ele estava exausto para entrar no ensino remoto. A mãe não entendia o esgotamento. Então ele explicou: Ele estava tendo pesadelos porque queria muito voltar para a escola. Então ele acordava às quatro da manhã, para ficar acordado e assim o tempo passaria mais devagar, então ele demoraria mais para sentar na frente do computador e acessar a escola remotamente. Ele queria ir para a escola presencialmente”.
Se as crianças são afetadas, consequentemente, as mães também estão sobrecarregadas. A desigualdade de gênero segue responsabilizando as mulheres pela maior parte do cuidado com crianças e bebês e, portanto, as que sentem o peso desses impactos nas crias. Luana aponta que o acolhimento, a orientação, informação e rede de apoio ainda são os principais caminhos para amenizar esses efeitos nas famílias.
Ana Clara, Elas Por Elas
