Artigo: Qual o impacto da quarentena no desenvolvimento das crianças que frequentavam creches públicas?

Luana Bezerra, professora de creche, responde essas questões, fala sobre a importância de soluções coletivas e  como as famílias que usam as escolas públicas podem minimizar esses efeitos.

Luana Bezerra e sua turma em uma creche pública municipal, na cidade de Osasco

Artigo

Sou Luana Bezerra, professora de primeira infância da rede pública de Osasco, e venho acompanhando de perto o drama das famílias trabalhadoras que deixavam seus filhos na creche e agora não podem mais. Com ligações de escuta atenciosa, pude observar as principais reclamações das famílias e fenômenos em grande parte previsíveis para quem é da área.

O maior impacto, com certeza, é a perda do espaço de socialização mais amplo e do contato com ambiente educador. Com a falta de políticas públicas para amparar a população, os bebês e crianças têm menos atenção das famílias, porque as mães e pais seguem trabalhando — em casa ou não. Isso resulta em stress de todos os lados. Diferente do ambiente educador da creche, onde tudo é voltado para o desenvolvimento infantil, as crianças deixam de ter contato com a leitura, a contação de histórias, as brincadeiras e a ludicidade envolvida em todo processo.

A criança que come sozinha na creche só com auxílio das educadoras, por exemplo, acaba sendo alimentada totalmente pela família. E não se trata de responsabilizar familiares que fazem isso para ter menos tempo gasto com a sujeira provocada porque precisa trabalhar. Mas o fato é que elas acabam regredindo em termos de tempo de desenvolvimento, porque elas vão se desenvolver de qualquer forma.

Na creche, quando as crianças comem, as educadoras observam a coordenação motora fina, registram com fotos e avaliações, e adaptam as atividades de modo a estimular  o desenvolvimento.  Já com a família, existe o hábito de “facilitar” as coisas para os bebês e crianças que podem ser mais um obstáculo do que um auxílio.

 

Creche municipal de Osasco sem aula

 

Os próximos anos serão de grande desafios para a educação infantil como um todo. Portanto, as cidades brasileiras precisam estar preparadas para receber e acolher as crianças com qualidade, atenção e foco no desenvolvimento — ainda mais quando se trata de um setor da Educação em grande parte municipalizado e, infelizmente, invisibilizado enquanto política pública mais complexa. Reduzir o número de crianças por professoras nas creches, criar mais vagas em EMEI’s e EMEF’s e garantir mais investimento público do orçamento destinado à Educação são algumas medidas concretas — e mais eficazes em termos coletivos — para cuidar do futuro das crianças em um país que busca se recuperar da crise da Covid-19.

 

O que as famílias podem fazer para minimizar os efeitos da quarentena nas crianças sem creche?

 

Nas ligações para as famílias, o stress de bebês e crianças tem sido o principal tema dos relatos. Isso acontece porque não é só a criança dentro de casa. É dentro de casa sem atenção, com adultos usando celular, tablet, televisão, trabalhando ou saindo para trabalhar e as mulheres adultas acumulando jornadas exaustivas de todo tipo de tarefa.

Em tempo, é bom salientar “famílias”, e não apenas pais e mães, porque na creche pública existem vários tipos de arranjos familiares, todos válidos, que circundam crianças e bebês de cuidados afetivos.

Para elas, tirem um horário para fazer leitura para as crianças, façam contação de histórias, brinquem com elas. Façam cabanas na sala. Em dias de muito calor, brinquem com água. Se não tiver condições na casa, dêem tinta guache e pincel para pintar no banheiro de modo que a brincadeira termine no banho. Em caso de bebês, destinem atenção. Não é uma fórmula mágica, cada família precisa encontrar sua dinâmica.

Com foco no desenvolvimento, deixe as crianças interagirem com a comida e segurarem talher, apenas auxilie. Espalhe jornal em volta se for preciso para ficar mais fácil de limpar depois.

Para uma criança aprender a falar e ter um vocabulário rico, ela precisa ouvir histórias, fazer leituras, ter um ambiente leitor na casa dela. Ofereça o que estiver disponível dentro das possibilidades, mas principalmente: leitura, história, brincadeira e interação.

Essas são algumas formas de minimizar os impactos da quarentena e ainda garantir um bom desenvolvimento infantil para os filhos.

 

Luana Bezerra, professora de primeira infância da rede pública de Osasco

Tudo isso é válido, porém bem sabemos que a solução mesmo não é individual de cada família, certo? 

 

O Estado tem responsabilidade sobre tudo isso que está acontecendo e a falta de políticas públicas em todas as áreas, fruto da incompetência do governo Bolsonaro, atinge a população de maneira brutal, principalmente as famílias que usam a creche pública.

Por isso, lutar por programas que devolvam o futuro às nossas crianças, por uma grade curricular e uma estrutura de educação infantil que contemple e acolha essa realidade que a população brasileira vem enfrentando.

Com mais investimento em educação, mais condições de trabalho para as professoras de primeira infância, a valorização dessa categoria, estrutura de aprendizado, mais vagas em EMEI’s e EMEF’s, as cidades do Brasil podem começar a dar seus passos para se recuperar da crise financeira, econômica, sanitária e social instaurada nos últimos anos.

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