A Eletrobrás ainda é nossa: luta contra privatização continua

Judicialização e pendências em agências reguladoras podem atrasar ou inviabilizar a privatização. “O Brasil precisa voltar a pensar no povo,” diz Jean Paul Prates

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Governo lesa-pátria ameaça soberania e bolso do povo

O foguetório do desgoverno Bolsonaro com a aprovação do processo de privatização da Eletrobras pelo Tribunal de Contas da União (TCU), nesta quarta-feira (18), não condiz com o longo caminho que ainda resta para concretizar esse ataque à soberania nacional. A maratona inclui prestação de contas à Comissão de Valores Imobiliários (CVM) e à equivalente estadunidense Security Exchange Commission (SEC), nova assembleia geral dos acionistas e a judicialização movida por parlamentares e entidades sindicais.

Quatro ações foram ajuizadas nesta quarta nas justiças federais de Alagoas, Bahia e Paraíba e no Supremo Tribunal Federal (STF). Impetradas por parlamentares do PT e dirigentes sindicais, as ações questionam e contestam questões relativas a impactos tarifários, transparência de informações e contratos de concessão relacionados à privatização do Sistema Eletrobras.

Na próxima semana, Associação dos Empregados da Eletrobras (Aeel), Associação dos Empregados de Furnas (Asef) e Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE) também apresentarão nova denúncia à SEC, após acusar a gestão bolsonarista da empresa de omitir riscos com a crise da usina de Santo Antônio, no Rio Madeira (RO). Agora, as entidades questionarão os valores estipulados para as usinas de Belo Monte e Itaipu e para a Eletronuclear, que opera a central nuclear de Angra dos Reis.

“Para cumprir uma agenda absolutamente ideológica, há a suspeita de que dados e valores importantes sobre as reais perdas da empresa foram omitidos dos acionistas”, alegam as entidades em nota. “AEEL, Asef e CNE informam que estão tomando todas as medidas cabíveis para que os responsáveis pelas eventuais omissões contábeis sejam responsabilizados tanto pelas autoridades brasileiras quanto dos Estados Unidos.”

Representantes do desgoverno Bolsonaro também foram convidados a prestar esclarecimentos sobre o processo de privatização em duas audiências públicas na Comissão de Infraestrutura do Senado. Autor dos pedidos, o líder da minoria na Casa, Jean Paul Prates (PT-RN), considerou “previsível” o resultado no TCU. E mesmo assim, “com imensa pressão do governo, que usou de todos os recursos a seu dispor para assegurar que alguma privatização fosse feita no mandato”.

“Foram quatro anos para concluir uma única privatização, comprovadamente subvalorada, desmontando a espinha dorsal da infraestrutura energética brasileira, à custa de um sem fim de jabutis”, prosseguiu Prates. “Isso tudo foi fartamente denunciado, ainda que uma parte da imprensa tenha escolhido não dar ao absurdo seu devido valor, já que para privatizar vale tudo.”

O líder da Minoria no Senado considera que a luta passou agora para uma etapa de mitigação do dano, “inclusive o custo que será repassado ao consumidor”. “O Brasil precisa voltar a pensar no povo, e não nos mais ricos, amigos do governo, a turma que faz passeata com lancha. Certamente será tema da campanha eleitoral próxima, mobilizar o país para desfazer esse absurdo”, finalizou Prates.

Mercado vê com ceticismo promessa de Sachsida

Tema da primeira denúncia das entidades sindicais à SEC, as questões financeiras envolvendo a Usina Hidrelétrica Santo Antônio acenderam a luz amarela na corretora J.P.Morgan, uma das maiores instituições financeiras do mundo. Relatório de analistas da matriz brasileira apontou que a usina, em que Furnas tem participação de 43%, perdeu recentemente uma arbitragem de R$ 1,5 bilhão contra o consórcio que a construiu e aprovou um aumento de capital no mesmo valor para cobrir o montante.

Os analistas acreditam que a Eletrobras não vai lançar sua oferta de ações antes de a situação com Santo Antônio ser resolvida. Por isso, veem com ceticismo o prazo marcado pelo novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, de que pretende lançar a oferta de R$ 25 bilhões em ações da Eletrobras em 25 de maio.

Na CNN Brasil, a analista Priscila Yazbek lembrou que as alegações apresentadas pelo ministro do TCU Vital do Rêgo, único voto contrário à privatização, são fonte de argumentos para contestações ao processo. Os protocolos da Justiça podem atrasar ou até mesmo inviabilizar a privatização. Em último caso, ações no Supremo Tribunal Federal (STF) podem se prolongar até o período eleitoral ou mesmo além.

Os argumentos de Vital do Rego são no mínimo contundentes. Em seu voto-revisor, o ministro afirmou que havia identificado “ao menos seis ilegalidades” na privatização da Eletrobras nos moldes propostos pelo desgoverno Bolsonaro. “São afrontas diretas a leis. Sem se falar em inobservância a normativos infralegais e à própria Constituição Federal, além de descumprimento de acórdão e de jurisprudência do TCU”, afirmou.

“As irregularidades representam erros que totalizam o montante de R$ 40 bilhões, referentes a tributação, endividamento líquido ajustado da Eletrobras”, prosseguiu Vital do Rego. “Sem falar do possível prejuízo bilionário de Angra 3 e na ausência de valores bilionários de indenização de transmissão.”

“Estamos diante de desfazimento de patrimônio público por valor menor do que de fato representa”, alertou Vital do Rego. “Diante dos motivos expostos, não é possível prosseguir com a desestatização antes de as ilegalidades identificadas serem corrigidas.”

As seis ilegalidades apontadas no voto de Vital do Rego

1 – Ausência do pagamento de dividendos da Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras, desde 2010, no valor de R$ 2,7 bilhões. A dívida não foi lançada nos dois últimos balanços trimestrais. Há a possibilidade de uso de recursos públicos para remunerar acionistas privados da Eletrobras e a integralização das ações da Eletronuclear a partir dos dividendos devidos;

2 – Valoração de Itaipu – Transferência da participação da Eletrobras em Itaipu para ENBPar. É questionada a forma como foi calculado o valor de Itaipu, estimada em R$ 1,2 bilhão, considerado subvalorizado. O valor real seria de mais de R$ 10 bilhões;

3 – Serviço de avaliação – Preço de venda de energia a longo prazo. Estudos estimaram os preços no longo prazo com base no preço de venda de energia de geração Eólica. A expertise da Eletrobras é de energia de base hídrica;

4 – Ausência de consulta à Comissão de Valores Mobiliárias (CVM) sobre a criação de ação preferencial, de propriedade exclusiva da União, que dará o poder de veto nas deliberações sociais especificadas, ficando condicionada a decisão à aprovação da Assembleia Geral de Acionistas (AGE), as chamadas Golden Shares. Penalizar acionistas que ultrapassarem determinado percentual de capital votante a não retornarem a patamar inferior em dado prazo – a chamada Poison Pill. Dispositivo gera conflito com a União, na medida em que a União poderá ter até 45% do capital votante após o processo de privatização. A medida não foi avaliada pelo CADE;

5 – Abandono da política nuclear – Órgãos afetos, como a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e a Autoridade Nacional de Segurança Nuclear, sequer foram ouvidos acerca das modificações acionárias na Eletronuclear;

6 – Endividamento líquido ajustado – Essa situação gerou diferença de R$ 30,64 bilhões, contrariando o decreto 2.594/1998, que determina critérios de avaliação para projeção de fluxo de caixa operacional.

As entidades que compõem o Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE) prepararam ainda um dossiê com 60 motivos para a Eletrobras não ser privatizada: (https://www.fnucut.org.br/wp-content/uploads/2022/05/Informe_121_22_60_motivos.pdf)

Da Redação, com informações de Portal FNU/CUT

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