Abrir o comércio: fórmula para mais mortes e desastre econômico

Economistas alertam que uma reabertura de lojas feita de modo desordenado irá acelerar o ritmo de contágio do coronavírus, provocar mais mortes e agravar o quadro de recessão

Foto: Jorge Farias

Feira do Salgado em Caruaru, Pernambuco

A insistência do presidente Jair Bolsonaro em atropelar as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) de manutenção do isolamento social como forma de diminuir a velocidade de propagação da pandemia do coronavírus pode resultar em um completo desastre econômico. Economistas alertam que uma reabertura do comércio feita de modo desordenado irá acelerar o ritmo de contágio da doença, provocar mais mortes e agravar o quadro de recessão.

“Não há distinção entre salvar vidas e salvar a economia”, afirma o professor de Economia Internacional do Instituto de Pós-Graduação em Estudos Internacionais e Desenvolvimento em Genebra, Richard Baldwin, em entrevista concedida à BBC. Baldwin defende um “desligamento” da economia para diminuir o contágio, associado a medidas de proteção de trabalhadores e de pequenas e médias empresas. “As principais medidas são proteger as famílias mais vulneráveis, proteger as empresas para que empregos estejam disponíveis quando esse período passar”, observa.

O economista também cita como exemplo as lições deixadas pela gripe espanhola que arrasou o mundo em 1918. “Nos Estados Unidos, as cidades com as quarentenas mais severas foram as que menos tiveram recessão”, lembra. “A ideia é que, se você baixar uma quarentena rapidamente, a economia sofrerá um grande choque, mas você poderá voltar ao normal de maneira mais rápida”, aponta Baldwin. “E se você não entrar em quarentena por causa da pandemia, ela causa mais problemas e mais danos econômicos”.

Aos fatos. Uma explosão de casos de coronavírus entre funcionários obrigou a a maior produtora de suínos do mundo, a americana Smithfield Foods, a fechar as portas por tempo indeterminado. A suspensão das atividades da companhia, que responde por cerca de 5% de toda a  produção de suínos nos Estados Unidos, pode gerar uma onda de desabastecimento nos supermercados do país. Segundo a governadora de Dakota do Sul, sede da produtora, Kristi Noem, o coronavírus infectou pelo menos 238 funcionários, representando 55% do total de casos no estado.

Bérgamo, a tragédia anunciada

Talvez o exemplo mais contundente do perigo fatal representado pela não interrupção das atividades venha da Itália. Segundo relato da jornalista italo-catalã Alba Sidera para a revista Contexto, na província de Bérgamo, a pressão de industriais  para manter fábricas em funcionamento após a chegada da pandemia resultou na morte de mais de 2 mil pessoas.

Segundo Sidera, o prefeito de Bérgamo, Giorgio Gori, do Partido Democrático, foi contra o fechamento da cidade, chegando a convidar as pessoas para encherem as lojas do centro com o slogan “Bérgamo não para”.

“Pouco depois, diante da evidência da catástrofe, se arrependeu e reconheceu que tinha tomado medidas muito fracas com a intenção de não afetar a atividade econômica das grandes empresas da região”, relatou a jornalista.

“Agora, diante de milhares de cadáveres e uma população que começa a converter sua dor em raiva, todos querem fugir de suas responsabilidades”. 

De acordo com Sidera, os prefeitos dos dois municípios mais afetados do Vale do Serio, Nembro e Alzano Lombardo, aguardavam diariamente a ordem de fechar a cidade como haviam combinado. “A ordem nunca chegou”, escreveu. Em 23 de fevereiro existiam apenas dois casos positivos de coronavírus na província. Em uma semana, o número subiu para 220, quase todos no vale do rio Serio.

“Sem nenhum remorso” ela contou, no dia 28 de fevereiro, em plena emergência por causa da pandemia, a Confindustria, associação de empresários industriais italianos, deu início a uma campanha nas redes com a hashtag #YesWeWork (“Sim, nós trabalhamos”). “O presidente da Confindustria da Lombardia, Marco Bonometti, declarou à mídia: “Precisamos abaixar o tom, fazer a opinião pública entender que a situação está sendo normalizada, que as pessoas podem voltar a viver como antes”.

OIT defende medidas urgentes de proteção a trabalhadores

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), que atualizou recentemente o último relatório com dados sobre os impactos da crise do coronavírus sobre o mercado de trabalho, calcula que mais de 1,25 bilhão de pessoas correm risco de perderem seus empregos. Segundo o levantamento, a  pandemia pode eliminar 6,7% das horas de trabalho no mundo apenas no segundo trimestre deste ano. Isso equivale a 195 milhões de postos em período integral.

O quadro é ainda mais preocupante nos países em desenvolvimento com populações mais vulneráveis. O diretor-geral da OIT, Guy Ryder, defende a adoção de medidas urgentes para proteger os trabalhadores. Segundo Rydeer, é necessários “ajuda imediata aos trabalhadores e às empresas, a fim de proteger suas atividades e seus meios de subsistência, especialmente nos setores mais afetados e nos países em desenvolvimento”, disse ele, em comunicado ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial.  O diretor ressaltou que é preciso dar atenção “prioritária” ao impacto sobre pequenas empresas, trabalhadores “desprotegidos” e trabalhadores na economia informal.

A OIT também chamou a atenção para o impacto sobre trabalhadores jovens de nações emergentes. A agência estima que 20% das pessoas com menos de 25 anos não estudam, não trabalham nem participam de treinamento profissional. A pandemia pode elevar essas cifras, avalia a OITA. “O impacto sobre a juventude terá consequências de longo prazo sobre sociedades inteiras”, observa comunicado da organização. “Entrar no mercado de trabalho durante uma recessão pode levar a perdas salariais que afetarão toda a carreira dos trabalhadores jovens”.

“Nosso objetivo deve ser reconstruir tudo melhor, para que os nossos sistemas sejam mais seguros, mais justos e sustentáveis do que aqueles que permitiram que essa crise acontecesse, e mais eficazes para amortecer as consequências de futuras crises sobre as populações de todo o mundo”, afirmou Ryder.

Da Redação

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