Artigo: Pelo fim do teto de gastos
Governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra endossa o movimento em defesa da revogação da Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos sociais até 2038. “É necessária uma nova economia que enfrente as abissais desigualdades, que garanta a renda mínima ante o desemprego e a revolução 4.0, que regulamente de forma precisa o mercado financeiro e a atuação dos grupos transnacionais”
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A defesa do fim da emenda do teto de gastos mobiliza cada vez mais um variado leque de atores políticos que compreendem que é urgente aumentar o gasto social e ambiental para proteger e salvar vidas durante e no pós-pandemia e garantir o direito ao isolamento social à população; reagir ao crescimento alarmante das desigualdades no país com respostas redistributivas; transferir recursos do governo federal para estados e municípios sem chantagens federativas; e retomar uma economia em profunda recessão.
Cresce o entendimento em vários setores da sociedade de que o teto dos gastos é insustentável, reforçado por análise da IFI (Instituição Fiscal Independente), do Senado, publicada em junho, de que a manutenção da EC95 gerará em 2021 a paralisação do já precário funcionamento da máquina pública, levando ao chamado shutdown.
Por isso, é fundamental que o Congresso suspenda os efeitos do teto dos gastos na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2021, a ser apreciada nas próximas semanas.
Entre esses atores políticos que partilham da posição da insustentabilidade da EC95, constam: Conselhos, Frentes e Campanhas Nacionais de Direitos (Saúde, Assistência Social, Direitos Humanos, Segurança Alimentar, Educação, dos Direitos da Criança e do Adolescente etc.).
Instituições acadêmicas e da área de ciência e tecnologia; redes, fóruns, entidades e movimentos da sociedade civil; entidades empresariais que compreendem a importância do gasto social para a dinamização de uma economia em recessão; associações de gestores públicos, como o Consórcio de governadores do Nordeste, União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, Colegiado Nacional de Gestores Municipais da Assistência Social, entre outros.
Juristas e economistas das mais variadas trajetórias públicas e perspectivas políticas, entre eles os reunidos na Sociedade de Economia Política e na Associação Brasileira de Economistas pela Democracia.
Grande parte desses atores políticos vem se articulando por meio da Coalizão Direitos Valem Mais – pelo fim da EC95 e por uma Nova Economia, sinalizando uma construção política que visa impedir a disputa orçamentária entre áreas sociais e entre entes federados, estimulada perversamente pelo governo federal.
Com relação ao plano internacional, a defesa do fim da emenda constitucional 95 foi objeto de manifestações explícitas da OEA e da ONU. Esta a considerou a medida econômica mais drástica contra direitos sociais no planeta ao constitucionalizar a política de austeridade por vinte anos.
O crescente apoio público ao fim da EC95, nacional e internacionalmente, também se associa ao movimento global de questionamento do papel da economia em um momento de crescimento da fome, do desemprego, da falência de milhares de empresas e do acirramento das desigualdades e violências, em especial, contra pessoas negras
O crescente apoio público ao fim da EC95, nacional e internacionalmente, também se associa ao movimento global de questionamento do papel da economia em um momento de crescimento da fome, do desemprego, da falência de milhares de empresas e do acirramento das desigualdades e violências, em especial, contra pessoas negras, enraizadas no racismo estrutural que organiza a política econômica de austeridade. Um quadro de grandes incertezas, com risco de novas pandemias em um contexto de aceleração das mudanças climáticas.
É necessária uma nova economia que enfrente as abissais desigualdades, que garanta a renda mínima ante o desemprego e a revolução 4.0, que regulamente de forma precisa o mercado financeiro e a atuação dos grupos transnacionais, que tribute mais os ricos e que, sobretudo, dê um fim às políticas econômicas de austeridade, criticadas inclusive pelo FMI como ineficientes em tempo de crise. Como destacado até mesmo pelo jornal britânico Financial Times em editorial de abril, é impreterível mudar o rumo da economia global para sustentação da vida no planeta.
No Brasil, esse questionamento da política econômica é tímido nos meios de comunicação, submetido à lógica da blindagem da austeridade.
No centro da roda, a pergunta: qual é a responsabilidade social do jornalismo brasileiro com a cobertura econômica crítica e propositiva? É urgente enfrentar com coragem o fundamentalismo econômico e explicitar que há sim alternativas responsáveis que retomam o projeto Constituinte e superam um Estado que opera para concentrar a renda nas mãos de poucos.
Artigo publicado originalmente na Folha, em 7 de Julho de 2020.