Beluzzo: “O Lula está longe de ser radical. Lula é um mediador”

Em entrevista ao “Valor”, economista acredita que a concentração de votos para o ex-presidente representa repúdio ao retrocesso social a partir de 2015

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Luiz Gonzaga Belluzzo

“O maior risco para o clima das eleições é não deixar Lula concorrer. Vai aumentar a virulência do debate nas redes sociais e nas ruas”. A afirmação é de Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e consultor pessoal durante o governo do ex-presidente petista. 

Em entrevista ao “Valor”, Beluzzo vê com pessimismo o processo eleitoral de 2018 e acredita que o debate público não irá sair da obsessão pelo curto prazo. “Vai aumentar a virulência do debate nas redes sociais e nas ruas”, diz.

Doutor em economia pela Unicamp e fundador da Faculdades de Campinas (Facamp) vê na intolerância o reflexo do histórico abismo da desigualdade social, que se reflete também na escalada da violência urbana.

“Alguém acha que resolve a criminalidade só com a polícia? É preciso dar segurança econômica às pessoas”. O economista não descarta, mantida a tendência, o risco de que a sociedade opte no futuro por soluções autoritárias.” 

Sobre a polarização que domina o país nos últimos anos Belluzzo acha ilusório imaginar que a eleição possa acomodar as tensões. “Essas tensões são a expressão política de um conflito social, sempre latente nas sociedades modernas urbano-industriais.

“O conflito tornou-se universalmente mais agudo na era da globalização. No Brasil, foi revigorado pelo avanço do atraso das classes dominantes e de seus seguidores. É isso mesmo, o avanço do atraso.”

A contrário do que dizem os adversários, o economista não enxerga Lula como radical. Pelo contrário. “O Lula está longe de ser um radical. O Lula é um mediador, mas a concentração de votos nele representa um repúdio ao retrocesso social deflagrado pela política econômica adotada a partir de 2015. Eu estive um mês no Nordeste no Norte de Minas, e nessas regiões a votação do Lula vai ser maciça”.

A polarização, segundo ele, acontece entre os ricos, bem-nascidos, e os pobres que avançavam. “Vou repetir o que disse o bilionário americano Warren Buffett, ainda nos anos 90. “Nós [os ricos] promovemos a luta de classes e estamos ganhando”.

“No mundo desenvolvido do pós-guerra, foi possível mediar esse conflito com o avanço da democracia e a ampliação dos direitos sociais e econômicos. Mas, nas últimas décadas, o discurso do mérito aparece cada vez mais como justificativa para a desigualdade. Sempre reaparece, mas desta vez está reaparecendo de maneira muito aguda.”

Belluzzo também refuta a falácia da meritocracia, termo tão caro às elites.  “Em uma corrida de mil metros, saí com uma enorme vantagem. Mérito? Essa diferenciação social não se dá apenas pela renda e riqueza, é muito baixo o peso conferido pelos meritocráticos aos valores da igualdade e liberdade.

“Esses valores do Iluminismo, da Revolução Francesa, do liberalismo político não comovem os que ocupam o poder real no Brasil. Por outro lado, é preciso avaliar como estão se conformando as aspirações das pessoas mais frágeis economicamente. O Valor publicou na semana passada uma pesquisa qualitativa com pessoas das classes C e D.”

Sobre economia, Belluzzo afirma que “os menos favorecidos pagam serviços públicos para eles mesmos, enquanto detentores da riqueza financeira – líquida e segura – não só abocanham o fluxo de pagamento de juros pelo Estado como se beneficiam do aumento de seu estoque de riqueza com a “rolagem” da dívida”. 

“Os menos favorecidos dependem muito de serviços públicos. A estrutura demográfica está envelhecendo. O progresso tecnológico e a racionalização redutora de custos afetam o mercado de trabalho.Nessas condições, seria possível manter o financiamento da Previdência simplesmente no sistema de repartição simples criado no final do século XIX pelo [Otto Von] Bismarck?”

“A reforma brasileira deveria contemplar a disparidade entre o setor privado e o setor público, considerar a peculiaridade da aposentadoria dos trabalhadores do campo, mas também rediscutir formas de financiamento. A reforma trabalhista não vai ajudar”.

Quando perguntado se Lula tende a fazer, se eleito, um governo ainda mais à esquerda, Belluzzo é enfático.  “Lula já disse que se eleito, vai procurar os adversários. Esse é o Lula. O grande obstáculo é que as opiniões rasas do mercado se tornaram hegemônicas e o transformaram em um inimigo público.”

“Eu sei como eles pensam: só naquilo que interessa a eles, em como vai ficar a curva de juros, se o Banco Central vai continuar operando “swaps” ou não vai. Não tem nenhuma profundidade, é uma coisa rasa e ao mesmo tempo sem nenhuma visão de longo prazo. Quanto à discussão a respeito do desenvolvimento, esquece.

“Não é maldade, é da natureza deles, se é que o homem tem natureza. O Lula, se ganhar a eleição, vai tentar mediar, é o estilo dele.”

Belluzzo também comentou durante a entrevista o que pensa sobre o atual cenário econômico mundial. “O que me preocupa é que estamos vivendo uma transformação global. A articulação entre as economias é muito intensa, só que o padrão de articulação é outro.”

“Por exemplo, na década de 50 havia um movimento das empresas europeias e depois das americanas em direção aos países da periferia, que tinham um mercado interno com chance de se expandir mais rapidamente. Hoje, a situação é outra, tem um grau de concentração e centralização das empresas muito maior. O market share das dez maiores empresas em quase todos os setores oscila entre 50% e 100%.”

“A monopolização é brutal. As cadeias de valor procuram países com maiores oportunidades de avançar tecnologicamente e aí a China, que estava atrás, agora está 30 anos na nossa frente. Precisaríamos ter uma política nacional que levasse em conta o grau de desindustrialização e as nossas vantagens.” 

O economista prossegue dizendo que a macroeconomia ensina o seguinte: “Você não vai ter solução para a questão fiscal se a economia não voltar a crescer. Sem que a economia comece a gerar renda e emprego e que comecem a pagar impostos, agora só se faz um Refis atrás do outro.”

“Não adianta ficar discutindo se a economia vai crescer 0,5% ou 1%; precisa resolver o problema das pessoas de carne e osso, o desemprego, ou vai para uma solução radical. Em uma sociedade fortemente urbanizada, a miséria é muito dolorosa.

“Veja o aumento da criminalidade. Alguém acha que resolve a criminalidade só com a polícia? É preciso dar segurança econômica para as pessoas, senão elas resvalam para outro tipo de atividade. Mas uma fração graúda da opinião dominante não tem essa consciência e isso é perigoso. Vai na direção de uma solução autoritária que “resolva o problema”.”

Belluzzo também vê com cautela o fato de ideias autoritárias estejam em voga no país. “Essas coisas não acontecem de repente, elas vão sendo construídas. Eu não descarto a possibilidade de surgir uma solução centralizadora autoritária. O fato de as pessoas não terem consciência clara é só um agravante”.

Da Redação da Agência PT de Notícias com informações do Valor

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