A agenda socioambiental sob ameaça no governo Bolsonaro

As primeiras medidas anunciadas sobre o controle das terras públicas da União e o desprezo manifesto pelos acordos internacionais atendem os ruralistas e provocam danos em políticas de proteção socioambientais

Ibama/Fotos Públicas

A agenda ambiental passou a integrar o núcleo das políticas públicas das nações desenvolvidas, e mesmo de algumas emergentes. O fato reflete menos a generalização de uma consciência política virtuosa e mais um processo reativo à imposição das ameaças vitais ao planeta e aos efeitos colaterais de uma matriz de produção e consumo, muitas vezes, destrutiva.

Sob o abrigo das Nações Unidas, lideranças políticas de vários países vêm lutando para viabilizar o Acordo de Paris e assim tentar salvar o planeta de uma catástrofe sistêmica num futuro próximo. Da mesma forma, em todo o mundo é crescente a demanda, em especial, por um padrão de produção e consumo de alimentos que poupe a saúde humana e o meio ambiente do “lixo tóxico” do modelo agrícola dominante.

Neste século, ou a proteção ao ambiente ascende a um patamar superior nas estratégias das nações e do comportamento social, ou a humanidade enfrentará cenários perigosamente sombrios.

Após um período inicial do século 21, no qual finalmente o Brasil parecia avançar nas políticas ambientais, inclusive com protagonismo reconhecido nos fóruns multilaterais sobre o tema, desde o golpe de 2016 o país retrocede também nessa área para os padrões de condutas mais deletérias do século passado. E os sinais e primeiras medidas do governo Jair Bolsonaro são mais que desanimadores, são assustadores.

Com efeito, não bastassem dois anos e meio de um governo ilegítimo que violou a soberania nacional, subtraiu direitos das populações mais vulneráveis e impôs a maior recessão da economia brasileira, além dos enormes retrocessos na temática socioambiental, desde 1º de janeiro assumiu a condução do país o “governo legítimo” de Jair Bolsonaro.

Personagem cujo perfil político tem merecido destaque negativo na imprensa internacional, Bolsonaro promete para a sociedade brasileira uma versão maximalista da agenda do governo Temer.

A primeira Medida Provisória do governo (MPV 870), publicada no seu primeiro dia de governo, estabeleceu passos efetivos para essa estratégia. A transferência, para o Ministério da Agricultura, da gestão de todas as terras rurais da União, inclusive daquelas afetadas para a reforma agrária e daquelas protegidas por destinações étnicas, afora a nova atribuição do ministério pela gestão das florestas públicas, representou passos efetivos pela transferência, para o mercado, do maior estoque possível das terras da União. Trata-se de compromisso com a bancada ruralista, honrado por Bolsonaro, a despeito dos danos potenciais da medida para os assentados, indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.

Em especial, as novas atribuições do Ministério da Agricultura (MAPA), subtraídas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), na gestão das florestas públicas, do Cadastro Ambiental Rural e do Programa de Regularização Ambiental, concretizaram a promessa do novo ministro do Meio Ambiente de transformar a gestão ambiental em linha auxiliar do agronegócio.

Sobre a temática ambiental, ainda na campanha eleitoral, a primeira manifestação do novo presidente foi pelo alinhamento do Brasil ao governo Trump no tocante ao abandono do Acordo de Paris. Na sequência, a partir de uma interpretação sui generis do meio ambiente que  o interpreta como parte do “custo Brasil”, Bolsonaro anunciou a intenção de incorporar o ministério setorial justamente ao Ministério da Agricultura. Por pressões de setores exportadores do agronegócio, voltou atrás, mas delegou à ministra da Agricultura Tereza Cristina Dias, uma das principais lideranças da bancada ruralista, a anuência prévia ao nome do titular da área ambiental.

Com esse filtro político, assumiu a pasta do Meio Ambiente o senhor Ricardo Salles, ex-secretário do Meio Ambiente do governo tucano em São Paulo. Desde que foi anunciado, o ministro pouco falou sobre as diretrizes para a política ambiental do novo governo. Restringiu os discursos a promessas de atendimento das demandas do agronegócio, não poupando de críticas as multas aplicadas pelo Ibama aos fazendeiros autuados por crimes ambientais.

No dia 19 de dezembro de 2018, a Justiça de São Paulo condenou Ricardo Salles à suspensão dos direitos políticos por três anos em decorrência de crimes do então secretário por falsificação de resultados de audiências públicas e mapas técnicos de área de preservação ambiental para beneficiar mineradoras no estado de São Paulo.

Para não deixar dúvidas quanto ao desprezo do seu governo com relação aos temas ambientais, e dando uma sinalização clara de que irá ignorar o Acordo do Clima, Bolsonaro demandou do governo Temer a comunicação oficial às Nações Unidas de que o Brasil não sediará a próxima Conferência do Clima, a COP 25, agendada para novembro deste ano. Ao abrir mão de sediar a COP 25, Bolsonaro abdica do protagonismo em uma das áreas onde o Brasil se tornou referência mundial.

As medidas já adotadas pelo governo nos temas socioambientais podem e devem ser condenadas, mas não se pode acusar Bolsonaro de ter mentido na campanha. Desde aquele momento o então candidato ridicularizou as comunidades quilombolas e, de forma explícita, ameaçou as populações indígenas com o fim da demarcação de terras e até mesmo com a revisão daquelas já concluídas. Em vídeo, por ele mesmo divulgado durante a campanha, mandou mensagem aos ruralistas do estado de Roraima “prometendo-lhes de volta” aquelas terras em 2019.

Para justificar a declaração, cujas motivações reais são os interesses do agro e do minero negócios, Bolsonaro escancarou a profundidade da sua erudição ao comparar indígenas nas reservas a animais no zoológico.

Pouco tempo antes, Bolsonaro havia anunciado como chanceler do seu governo um personagem, na melhor das hipóteses, folclórico, que difunde a ideia de Trump como o “salvador do Ocidente” e que acredita que as mudanças climáticas constituem um dogma científico influenciado por uma cultura marxista que quer atrapalhar o Ocidente e favorecer a China.

Em entrevista, Bolsonaro afirmou que deve acabar também com o chamado ato tendente. A Lei dos Crimes Ambientais, nº 9.605, de 1998, restringe e veda a pesca predatória e também aqueles atos “tendentes a” retirar, extrair, apreender, capturar espécimes dos grupos de peixes, crustáceos, moluscos, entre outros. O que significa, na prática, excluir a possibilidade de aplicação de determinada sanção penal derivada de conduta lesiva ao meio ambiente.

Não é à toa a euforia por parte das lideranças da bancada ruralista e do conjunto das oligarquias rurais que vislumbram no governo Bolsonaro a possibilidade de concretização das suas demandas históricas mais condenáveis.

Entre tais demandas os ruralistas pretendem remover os supostos obstáculos socioambientais para a atividade agropecuária brasileira. Em particular, entre outras medidas, pretendem:

(i) desobrigar a atividade agropecuária do licenciamento ambiental;
(ii) reduzir o tamanho e alterar as categorias das Unidades de Conservação, flexibilizando as normas de proteção, legitimando ocupações irregulares, e liberando áreas protegidas para usos da agropecuária e outras explorações;
(iii) reduzir as áreas indígenas por meio da fixação do marco temporal de 1988, e da extensão para todas as demarcações das terras indígenas das 19 condicionalidades definidas pelo Supremo para a “Raposa Terra do Sol”;
(iv) transferir para o mercado as terras obtidas pelo programa de reforma agrária, de novo, com vistas a disponibilizar mais terras para a exploração capitalista;
(v) liberalizar ainda mais o uso dos venenos agrícolas;
(vi) legitimar as ocupações de terras da União, o que, além de chancelar a grilagem, fará avançar ainda mais a atividade agropecuária sobre as comunidades tradicionais e biomas sensíveis e estratégicos como Amazônia e cerrados.

A repulsa do presidente Bolsonaro pelos temas ambientais poderá até não se traduzir na “saída” do Brasil do Acordo de Paris. Mas, seguramente, os compromissos assumidos pelo país nessa esfera estarão indiscutivelmente subordinados a outros interesses.

Nos preocupa, em particular, o mais fundamental deles: a redução das emissões de gases de efeito estufa para 2025, em 37.5% abaixo dos níveis de 2005. Para tanto, entre outros compromissos, o país assumiu a meta de zerar o desmatamento ilegal na Amazônia e recuperar 12 milhões de hectares de floresta até 2030.

Lamentavelmente, está em curso a destruição da liderança exercida pelo país nas negociações da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima no âmbito da qual foi aprovado o Acordo de Paris em dezembro de 2015.

Desde 1992, quando sediou a primeira conferência climática no âmbito da ONU, a Eco-92, o país passou a se destacar na liderança do bloco das nações em desenvolvimento e particularmente, nos últimos anos, nos governos de Lula e Dilma, tornou-se, na arena global, uma das vozes mais respeitadas quando se trata do desenvolvimento sustentável.

A hostilidade do governo Bolsonaro aos temas ambientais e indígenas já mobiliza o mundo, ao ponto de, por essa razão, o prestigioso e conservador jornal norte-americano Washington Post ter conclamado a população americana para uma campanha global contra os produtos brasileiros.

Em suma, achamos que havíamos chegado ao “fundo do poço” nos temas socioambientais com o governo Temer. Mas Bolsonaro já demonstrou que o poço é mais profundo, e no seu governo, o Brasil e o mundo deverão testemunhar e viver as consequências dos retrocessos nessa área.

Por NiltoTatto, deputado federal (PT/SP) e coordenador da Secretaria Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT

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