Bolsonaro cede território para provocação de Trump à Venezuela
“É obviamente uma provocação”, adverte o chanceler Celso Amorim. “Essa é a única explicação para uma visita do Secretário de Estado norte-americano a Boa Vista, a capital que é porta de entrada para o país vizinho”, diz. Em nota, o PT adverte que o governo “demonstra mais uma vez sua submissão aos ditames do governo de Donald Trump”
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A diplomacia bolsonarista vai propiciar mais cenas de subserviência ao grande irmão do Norte a partir desta quinta (17), quando começa um tour do Secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, pelo quintal sul americano. Uma das escalas do roteiro, que vai até domingo (20) e inclui o Suriname, a Guiana e a Colômbia, é Boa Vista, a capital roraimense que é a porta de passagem para a Venezuela, alvo preferencial das tentativas ianques de desestabilização política na América Latina.
“Em Boa Vista, o secretário Pompeo destacará a importância do apoio dos Estados Unidos e do Brasil ao povo venezuelano”, disse em comunicado Morgan Ortagus, a porta-voz do Departamento de Estado norte-americano. Ela anunciou que o chefe da diplomacia de Donald Trump se reunirá com migrantes venezuelanos que fogem do “desastre” causado pelo governo de Nicolás Maduro.
Pompeo também discutirá a situação na Venezuela com o presidente colombiano Iván Duque, com quem se reunirá em Bogotá para discutir a “parceria sólida” entre os dois países. Ortagus disse que ambos irão analisar “administrar a resposta à Covid-19, promovendo a prosperidade mútua e abordando as ameaças à segurança regional representadas por traficantes de drogas, grupos terroristas e o regime ilegítimo de Maduro”.
A porta-voz do Departamento de Estado garante que a viagem “destacará o compromisso dos Estados Unidos em defender a democracia e combater a Covid-19, ao mesmo tempo em que revitaliza nossas economias após a pandemia e fortalece a segurança diante das ameaças regionais”.
PT repudia provocação
Em nota, o PT denunciou a ação do governo brasileiro que “demonstra mais uma vez sua submissão aos ditames do governo de Donald Trump, colocando-se sempre aberto a seguir suas ordens ou receber seus representantes em nosso território, num processo contínuo de afronta a nossa soberania”. Assinam a nota a presidenta Gleisi Hoffmann e o secretário de Relações Internacionais Romênio Pereira.
O Partido dos Trabalhadores também adverte que não se calará ante mais este ataque a nosso país e seguirá o caminho de sempre em sua defesa, sua total independência nas relações internacionais e a implementação de uma política soberana para toda a América do Sul”.
Veja a nota do Partido dos Trabalhadores
Sinal para os EUA
Para Celso Amorim, chanceler brasileiro nos anos 1990 e depois, durante todo o governo Lula, a visita a Boa Vista, em meio à tensão com o país governado por Nicolás Maduro, “é obviamente uma provocação”. “O que você vai fazer lá? Vai ter um encontro empresarial, vai ter o quê?”, questionou.
“É para dar um sinal de que os Estados Unidos continuam contando com o Brasil em uma eventual ação contra a Venezuela”, afirmou o diplomata em entrevista à ‘TV 247’. Amorim, que também foi ministro da Defesa entre 2011 e 2015, no governo Dilma, afirma que Trump já demonstrou que não exclui a opção de uma ação militar na Venezuela.
Em abril, em entrevista ao site ‘Sputnik’, Amorim afirmou que há uma ameaça direta de invasão da Venezuela. “Eles provavelmente farão com o presidente venezuelano Nicolás Maduro o que fizeram com Manuel Noriega no Panamá em 1989”, avaliou. “Seria a primeira vez que haveria uma invasão americana na América do Sul e isso nos marcaria por 100 anos.”
Em seu raciocínio, o diplomata comentou que “os Estados Unidos prepararam o terreno para as drogas porque não podem dizer que Maduro tem armas de destruição em massa”, conforme falsificaram com Saddam Hussein para justificar o bombardeio do Iraque.
Trump: “ Algo vai acontecer na Venezuela”
De fato, em julho, Trump afirmou que “algo vai acontecer na Venezuela” e que os Estados Unidos estarão envolvidos, durante uma entrevista exibida na emissora norte-americana Telemundo. Trump havia sido perguntado sobre sua agenda para a Venezuela e uma possível intervenção dos Estados Unidos no país.
“É liberdade para sua gente, é a liberdade. Venezuela era um país rico há 15 anos e tem sido destruído por duas pessoas, mas um sistema, um sistema horrível, chame-o como quiser, mas é um sistema horrível. E algo vai acontecer com a Venezuela, isso é tudo o que posso dizer, algo vai acontecer com a Venezuela”, disse o presidente. Em seguida, foi perguntado se haverá participação dos Estados Unidos. “Estaremos muito envolvidos”, completou.
O presidente americano também foi questionado se continuará apoiando Juan Guaidó, deputado opositor ao chavismo que se autoproclamou presidente interino da Venezuela em 2019. Trump disse que não deixou de apoiá-lo, mas Guaidó parece estar perdendo poder.
“Eu apoio quem for eleito, e neste momento ele parece a pessoa escolhida. Mas o sistema é muito ruim. Ele parece estar perdendo certo poder. Queremos alguém que tenha o apoio das pessoas. Eu apoio a pessoa que tem o apoio do povo. Venezuela tem sido tratada muito, muito mal. Eu tenho sido muito forte com a Venezuela. É uma área que conheço bem, você entende por quê. Conheço essa área muito bem, a pequena Venezuela, como chamam na Flórida. É a melhor gente que tem, pessoas fantásticas. Vamos cuidar do povo da Venezuela”, prometeu.
Agressão imperial
Nicolás Maduro rebateu a declaração de Trump no dia seguinte, em discurso à nação exibido pela emissora Venezolana de Televisión. Segundo ele, a fala do norte-americano faz parte de uma sequência de “mentiras e asquerosidades” que compõem a sua campanha eleitoral. “O mundo observa e está silencioso diante dessas atitudes imperiais”, afirmou o chefe do Palácio Miraflores, criticando outros países que não protestam contra a política externa intervencionista dos Estados Unidos.
As Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB) também rechaçaram a fala de Trump, em nota oficial divulgada no mesmo dia. O Exército chavista afirmou que “a falácia imperial do governo intervencionista dos Estados Unidos reeditou seu roteiro obsoleto e imprudente” e “expõe uma lista de acusações infundadas contra o estado venezuelano e suas instituições”. Os militares bolivarianos escreveram que Trump coordena uma “gestão imoral” que “desacredita de uma nação soberana e de suas autoridades legítimas, só porque se nega a se subordinar aos seus mesquinhos interesses”.
Ações desestabilizadoras se intensificam
Em campanha para a reeleição neste ano, na qual se encontra muitos pontos abaixo do democrata Joe Biden nas pesquisas de intenção de voto, Trump busca arrebanhar votos entre a imensa população de origem latino-americana nos Estados Unidos. Pompeo mesmo encerrará sua viagem com uma escala em Plano, Texas, “para discutir as prioridades do Departamento de Estado na Igreja Batista Prestonwood”, lar de uma crescente congregação de fiéis hispânicos.
Ao mesmo tempo, uma intervenção militar rápida e “cirúrgica” na Venezuela consolidaria a posição de Trump entre o próprio eleitorado, onde pontificam adeptos do armamentismo e de soluções de força na política exterior. O uso da máquina de guerra norte-americana, então, surgiria mais uma vez como salva-vidas político em momentos em que a derrota eleitoral se torna iminente. E os sinais são cada vez mais evidentes.
A declaração de Trump, por exemplo, ocorreu pouco tempo depois que a Venezuela sofreu tentativa de invasão por mercenários coordenados pela empresa Silvercorp USA, em maio. Entre eles, estavam ex-militares dos Estados Unidos, envolvidos em um plano que previa sequestrar Maduro. O contrato assinado por Guaidó com a Silvercorp para tentar tomar o poder na Venezuela também tinha a previsão de cooperação de autoridades do Brasil.
Segundo o documento, os militares dos Estados Unidos envolvidos na Operação Gedeón teriam livre acesso ao território brasileiro em caso de confronto com forças hostis ao novo regime, que seria presidido por Guaidó. O texto detalha que o espaço aéreo, terrestre e marítimo da Colômbia e do Brasil poderiam ser invadidos até mesmo sem consentimento prévio das autoridades de ambos países.
Trump negou envolvimento com a invasão. E enquanto a ação militar foi repudiada por vários líderes latinos, Bolsonaro e seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, mantiveram obsequioso silêncio.
Antes, em 20 de janeiro deste ano, foi celebrada na Colômbia a III Conferência Ministerial Hemisférica de Luta contra o Terrorismo, com a participação de Mike Pompeo e de Guaidó, que havia iniciado uma nova viagem internacional em busca de apoio para seus planos desestabilizadores.
Uma semana depois, a 120 quilômetros de Bogotá, na base militar norte-americana de Tolemaida, os exércitos ianque e colombiano realizaram exercícios militares conjuntos. As forças armadas brasileiras também estiveram presentes como observadores.
As práticas simulavam uma operação de reforço aéreo entre paraquedistas norte-americanos e militares colombianos. Não por acaso, uma das primeiras medidas do governo Bolsonaro foi buscar ceder a Base Aeroespacial de Alcântara, no Maranhão, para o Pentágono.
Já em 26 de março, o procurador geral dos Estados Unidos, William Barr, acusou Maduro e outros 13 cidadãos venezuelanos por supostos crimes de narcotráfico, lavagem de dinheiro e tráfico de armas. A denúncia foi apresentada ao Departamento de Justiça norte-americano e incluiu a oferta de uma recompensa de US$ 10 milhões (R$ 52,9 milhões) pela captura de vários ex-membros do governo e de Tarek El Aisami, vice-presidente de Economia da Venezuela.
A Venezuela se prepara para novas eleições parlamentares para a Assembleia Nacional, que ocorrerão em 6 de dezembro deste ano, segundo anúncio da Comissão Nacional Eleitoral (CNE). As campanhas eleitorais ocorrerão entre 21 de novembro e 5 de dezembro. Momento estratégico para ações preparatórias de desestabilização política.
Da Redação