Bolsonaro e Guedes insistem na destruição da saúde pública

Após o recuo com a revogação do Decreto 10.530, que autorizava a realização de estudos para “parcerias” com a iniciativa privada – leia-se privatização – para a administração de Unidades Básicas de Saúde, presidente anuncia que pretende publicar nova versão do texto na próxima semana. “O decreto apresentado não trata de um modelo de governança, mas é uma imposição de um modelo de negócio”, denuncia o Conselho Nacional de Secretários de Saúde

Gilmar

Após o recuo com a revogação do Decreto 10.530, que autorizava a realização de estudos para a privatização de Unidades Básicas de Saúde (UBSs), o presidente Jair Bolsonaro voltou a deixar claro que a saúde do povo é o que menos interessa a ele e ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Na quinta-feira (29), durante transmissão de uma live em suas redes sociais, o líder da extrema-direita brasileira disse que pretende publicar uma nova versão do decreto na semana que vem.

Ontem, tivemos um probleminha em relação a um decreto sobre o SUS, que não tinha nada a ver com privatização, mas lamentavelmente, grande parte da mídia fez um Carnaval em cima disso”, afirmou Bolsonaro. [A mídia disse] ‘vai privatizar o SUS’, ‘o pobre não vai poder ser atendido pelo SUS’. Revoguei o decreto, mas fiz uma nota dizendo que nos próximos dias poderemos reeditá-lo, o que deve acontecer na semana que vem”, disse.

O decreto, publicado na terça-feira no Diário Oficial da União, estabelecia a possibilidade de parceria da iniciativa privada para administrar as unidades básicas de saúde, que funcionam como a porta de entrada do SUS e são responsáveis por 80% do atendimento à população. O texto abre a brecha do envolvimento de empresas no serviço de saúde pública – o que é vetado pela Constituição Federal. O decreto dizia: fica qualificada, no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), a política de fomento ao setor de atenção primária à saúde, para fins de elaboração de estudos de alternativas de parcerias com a iniciativa privada para a construção, a modernização e a operação de Unidades Básicas de Saúde dos Estados, Distrito Federal e municípios”.

Não se sabe ainda as mudanças que virão em relação ao texto original mas, dada a falta de compromisso do governo com a saúde pública, é de se imaginar que Bolsonaro irá manter o ritmo de abrir a porteira e “passar a boiada”. Assim, estaria novamente aberto o caminho para empresas ganharem dinheiro com a atenção básica, em detrimento dos interesses da população. Para isso, Guedes e Bolsonaro querem entregar as UBS e a Saúde da Família para a iniciativa privada. Estranhamente, o Ministério da Saúde não participou da elaboração e da assinatura do decreto.

Segundo a assessoria de Guedes, a inclusão de UBS no programa do governo foi uma resposta a um pedido feito pelo Ministério da Saúde. De acordo com o Ministério da Saúde, a participação privada no setor é importante diante das restrições fiscais e das dificuldades de aperfeiçoar o modelo de governança por meio de contratações tradicionais”, justiçou a pasta da Economia, por meio de nota.

Governo Bolsonaro sonega recursos para a Saúde

Guedes faz parte da escola neoliberal dos Chicago Boys, responsáveis pelas privatizações no Chile que agravaram as desigualdades sociais no país. O modelo que tornou saúde e educação inacessíveis e praticamente dizimou a aposentadoria da população está por trás dos protestos que incendiaram o Chile há um ano, e que provocaram a convocação de um plebiscito no último domingo para enterrar o último resquício do legado do ditador Augusto Pinochet, para quem Guedes trabalhou como assessor econômico nos anos 90.

Ataque à Saúde da Família

Em artigo publicado no Outra Saúde, as editoras Maíra Mathias e Raquel Torres apontam que Bolsonaro e Guedes pretendem abrir a fórceps o caminho para as empresas lucrarem com a atenção primária em um país onde cerca de 60% da população é coberta por uma equipe de Saúde da Família – serviço avaliado como bom ou muito bom por 80% daqueles que usam, segundo o Ipea”. 

O recuo de Bolsonaro demonstra que a sociedade brasileira não pretende assistir de braços cruzados a destruição de um sistema de saúde que é exemplo no mundo para atendimento amplo, gratuito e universal à população. Organizações de saúde, entidades, artistas, personalidades e parlamentares reagiram à tentativa de destruição do Sistema Único de Saúde (SUS), um bem do povo brasileiro.

“Nesta pandemia que, infelizmente, o governo mostrou descaso no combate à Covid-19, ficou, mais uma vez, provada a importância do SUS”, escreveu o senador Paulo Paim (PT-RS), no artigo “Privatizar o SUS, não! Salvar Vidas, sim!” – leia nas indicações de texto, acima. “Milhares de vidas foram salvas. Há de se dizer também que cerca de 3 milhões de clientes de planos privados migraram para o SUS, devido aos abusivos aumentos”, lembrou Paim.

O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) levantou dúvidas quanto ao propósito real do governo ao editar o decreto. “Preparado sem debate, o texto [do decreto] mistura aspectos distintos, como construção, modernização e operação das UBS”, declarou o conselho, em nota publicada pela rede BBC.

“Por força de lei, decisões relativas à gestão do SUS não são tomadas unilateralmente”, observou o CONASS, para quem os modelos de gestão do SUS devem ser ser debatidos entre governo federal, estado e municípios. “O decreto apresentado não trata de um modelo de governança, mas é uma imposição de um modelo de negócio”, concluiu.

Já o médico Reinaldo Gaspar da Mota, integrante da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares – e professor na UFMT –, considera que a população está atenta às investidas do governo contra a saúde. “Isso que ele [Bolsonaro] está fazendo vai ficar para a história como um dos piores absurdos do pior governo que o país já teve. E é claro que o povo está prestando atenção”, afirmou, durante uma transmissão ao vivo pelas redes do site Brasil de Fato.

“O povo brasileiro está em um momento de vulnerabilidade, mais de 158 mil mortos, dentro de uma pandemia que está nos arrasando e que nos deixa bastante inseguros. Vem um presidente, que deveria estar cuidando da saúde, desmontar a saúde? Isso é um absurdo!”, exclamou.

 

Da Redação, com informações de ‘Brasil de Fato’

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