Bolsonaro quer sucatear Censo, cujo trabalho ajudou o país a sair da miséria

Anúncio de corte de 25% no orçamento colocará em risco o levantamento de 2020; Para especialista, desmonte trará consequências graves à gestão das políticas públicas

Ricardo Stuckert

Lula e dona Marisa durante entrevista para o recenseador do IBGE

O Censo Demográfico de 2010, o último dos 12 já realizados em 147 anos de levantamento, foi um ponto de virada na história do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além da inovação nos métodos de coleta e ampliação das perguntas feitas à população, o maior banco de dados público do país se consolidou como referência em mapeamento para o mundo todo e, de quebra, permitiu que os bem sucedidos programas sociais implantados durante o governo Lula entrassem num novo patamar.

Agora, menos de um ano antes de apresentar os dados atualizados sobre o país, o respeitado Censo do Brasil entra para a lista de desmontes do desgoverno Jair Bolsonaro (PSL) e corre sérios riscos de perder a credibilidade conquistada durante um século e meio. A notícia do corte de 25% no orçamento do estudo estatístico foi recebida com surpresa até mesmo para os que já temiam o completo enfraquecimento do estado prometido pela cúpula neoliberal que tomou de assalto o país.

“Para um estado que não pretende fiscalizar trabalho infantil, que identifique bolsões de pobreza ou que esteja preocupado com desigualdade, ter informações sobre a população é irrelevante. Mas as informações são importantes também para tornar o estado mais eficiente. Portanto, até neste discurso de Estado Mínimo defendido por Bolsonaro os dados do Censo são fundamentais”,  explica Paulo Jannuzzi, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE.

A avaliação de Jannuzzi tem contornos ainda mais trágicos quando o próprio governo desmente a tese de que “é preciso cortar gastos nas empresas públicas federais” e deixa escapar que a redução no orçamento do Censo seja “esconder a verdade” da população.

Notem o que disse o ministro da Economia, Paulo Guedes. “O Censo dos países ricos tem dez perguntas, o Censo brasileiro tem 150, e o censo do Burundi tem 360. Se perguntar demais você vai acabar descobrindo coisas que nem queria saber”, profetizou em fevereiro o guru, responsável direto também pela escandalosa censura aos dados sobre a reforma da Previdência.

O que Guedes não sabe – ou finge não saber – é que “descobrir coisas que nem queria saber” foi um dos pilares para que as políticas públicas dos governos petistas atingissem níveis até hoje reconhecidos mundo afora. “Se não fosse o Censo Demográfico em 2010 nós não teríamos, por exemplo, como fazer com que o Brasil Sem Miséria chegasse onde chegou. Foi através do levantamento que foi possível descobrir onde estavam as pessoas que precisavam receber auxílios como o Bolsa Família, o programa de cisternas, o Luz para Todos…”, ilustra Jannuzzi.

Dione de Oliveira, diretora do Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE (ASSIBGE), complementa ao apontar que a redução na verba do Censo irá “privar o país de informações sobre como vive o seu povo”. Para ela, outra medida apontada pelo governo que terá consequências graves é a redução na remuneração dos recenseadores. “Isso pode prejudicar de forma irreversível o C,enso pois não há garantia que os pesquisadores vão concluir seus trabalhos com pagamentos tão irrisórios por questionário” critica.

Censo realizado na década de 1950

Rumo à mais uma vergonha internacional

As estatísticas públicas se desenvolveram ao longo da história sempre associadas à estruturação do estado de bem estar, que cria e implementa políticas públicas que precisam de informação, de diagnósticos, de público alvo. Ao longo do século 20,  os países desenvolvidos tiveram um alargamento na atuação do estado e a necessidade de apresentar estatísticas confiáveis.

Aliás, a própria etimologia da palavra “estatística” tem origem na própria concepção de “fornecer informação para o estado:  deriva do neolatim statisticum collegium (“conselho de Estado”) e do italiano statista (“estadista” ou “político”).  No Brasil, depois de décadas à base do “improviso”, o levantamento passou por uma estruturação condizente com a sua relevância até que, em 2010, chegou ao topo de sua credibilidade com base territorial digitalizada, questionário mais amplo e investimento pesado na formação da equipe, além de estrutura tecnológica adequada às necessidades da época.

“O censo é mais do que uma radiografia. Esta aliás é uma definição empobrecedora. É uma tomografia porque permite conhecer  com grande precisão as principais necessidades de um povo e suas principais características (…) O Brasil ainda é referência estatísticas demográficas e agora vai passar a ser visto com descrédito lá fora. Esta é mais uma operação entre tantas outras que temos visto desde janeiro de desmonte de políticas públicas”, lamenta Jannuzzi.

Por Henrique Nunes da Agência PT de Notícias

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