Bolsonaro vai ao Amazonas ‘reinaugurar’ ponte de 18 metros

Presidente viaja 2,8 mil km para entregar ponte de madeira inaugurada em março pelo Exército. Medida beneficia “escoamento” e incentiva prática ilegal de garimpeiros na floresta Amazônica

Divulgação

Bolsonaro inaugura outra obra já em uso

Em meio à escalada da violência de garimpeiros contra comunidades indígenas, Jair Bolsonaro (sem partido) saiu de Brasília, viajou cerca de 2.800 km para reinaugurar a ponte Rodrigo e Cibele entre o município de São Gabriel da Cachoeira e a comunidade indígena Balaio, no Estado do Amazonas, na fronteira com a Venezuela e a Colômbia.

A pequena ponte de madeira de 18 metros de cumprimento, sobre o igarapé Yá-Mirim, foi entregue pelo Exército em 2 de março deste ano. Difícil afirmar que esse ato do presidente seja pautado pelas boas práticas de gestão do dinheiro público e interesse social. A ponte fica a 2 km do Morro de Seis Lagos, a maior reserva de nióbio do planeta, estimada em 2,9 bilhões de toneladas. O minério, motivo de fixação em sua campanha eleitoral, foi esquecido durante o governo de Bolsonaro.

A informação oficial é que a ponte foi reformada para ajudar comunidades indígenas, mas na prática vai facilitar e até incentivar atividades ilegais de mineradoras e garimpeiros para “escoar a produção”. Por se tratar de região com altos índices pluviométricos, em plena floresta amazônica, somente veículos com tração 4×4 conseguiam circular pela rodovia BR-307 (de terra e com inúmeros atoleiros). O percurso de 20 km levava até três horas. O Exército também reformou alguns quilômetros desta pista que liga São Gabriel da Cachoeira a comunidades da Terra Indígena Balaio.

Grupos de garimpeiros, que sempre foram armados, sob o governo Bolsonaro estão se tornando verdadeiras milícias e fazendo inúmeras vítimas, quase sempre de povos indígenas. Nesta quarta-feira, 26, equipes da Polícia Federal e demais órgãos de segurança acionados para combater garimpos clandestinos nas terras indígenas Munduruku e Sai Cinza, no município de Jacareacanga, no Pará, foram surpreendidas por protesto violento de garimpeiros.

O conflito deixou ao menos dez feridos e foi preciso o uso de força para dispersar o grupo que tentou invadir a base e destruir equipamentos. Em represália, os garimpeiros disparam tiros e atearam fogo em casas, como a da líder munduruku Maria Leusa, na aldeia Fazenda Tapajós.

Incentivo a garimpeiros ilegais

Esta não é a primeira vez que, direta ou indiretamente, medida do governo Bolsonaro beneficia exploração ilegal de minérios em comunidades indígenas. Em 5 de fevereiro de 2020, Bolsonaro assinou decreto autorizando atividades de garimpo em terras indígenas. Na ocasião, o presidente afirmou que, se pudesse, confinaria ambientalistas na região amazônica para que parassem de atrapalhar. A liberdade para exploração de minérios por garimpeiros era promessa de campanha de Bolsonaro.

A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 176 e 231, determina que a exploração de minérios em áreas indígenas só pode ocorrer mediante autorização do Congresso Nacional e com comunicado às comunidades. Em 6 de fevereiro de 2020, Bolsonaro enviou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 191/2020 alterando os artigos acima e, com isso, liberando esses locais para exploração mineral e energética. O PL encontra-se em tramitação por comissões.

Segundo entidades e ambientalistas, além de claramente inconstitucional, o projeto de Bolsonaro na prática vai “vender” a Amazônia para interesses internacionais. O Greenpeace afirma que sobraria aos povos indígenas o pesadelo real de aumento da violência, conflitos e destruição. Exatamente o que Bolsonaro está fazendo, já que a ponte de madeira permitirá acesso às terras indígenas Balaio, Parque Nacional Serra da Neblina e a Reserva Biológica Morro dos Seis Lagos.

Os garimpos ilegais, além da inerente violência e conflitos armados, levam às comunidades indígenas problemas das grandes cidades como alcoolismo, drogas e prostituição e compromete o modo de vida e as tradições das tribos. Outro grave problema é o aumento do índice de suicídio, três vezes maior que a média brasileira.

Dinheiro público

O desperdício de recursos públicos com estrutura de transporte e mobilização de servidores fica ainda mais evidente porque a reinauguração da ponte de 18 metros no meio da floresta amazônica foi o único evento no dia de hoje na agenda oficial do presidente da República no estado.

Nos últimos dias, ele tem percorrido estados do Nordeste para entregar obras já em funcionamento, inaugurar projetos dos governos Lula e Dilma como se fossem de sua autoria e participar de cerimônia para entrega de títulos de propriedade de terra a assentados, a quem classifica como “vagabundos” e “terroristas”.

O PT acionou o Tribunal de Contas da União (TCU) para apurar os gastos da viagem de Bolsonaro ao Rio de Janeiro, no último domingo (23), onde participou de aglomeração e promoveu ataques à democracia em ato com dinheiro público.

“Passar a boiada”

Ignorando cada vez mais as leis de proteção às terras indígenas, o próprio ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o da famosa frase na reunião ministerial  – “Vamos aproveitar a pandemia para passar a boiada” – , foi pego em investigação da Polícia Federal por extração e contrabando de madeira para os Estados Unidos e Europa. O curioso é que a investigação, de acordo com a PF, surgiu a partir de denúncia de autoridades estrangeiras sobre suposto “desvio de conduta de servidores públicos brasileiros no processo de exportação de madeira”.

A Operação Akuanduba (divindade dos indígenas Araras, do Pará), como foi batizada pela PF, investiga além do próprio ministro servidores públicos e empresários madeireiros por crimes de corrupção. Ao todo, foram afastados dez funcionários, incluindo o presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Ricardo Salles permanece no cargo de ministro. A operação de busca e apreensão, que teve entre os alvos o prédio do Meio Ambiente, foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Demarcação de terras indígenas

O presidente Bolsonaro considera “abusivo” o tamanho de terras indígenas demarcadas no Brasil. Em cerimônia no Conselho da Amazônia, em 11 de fevereiro de 2020, presidente afirmou que 14% do território nacional é composto por terras demarcadas.

Em seu governo, o Ministério da Justiça e a Funai (Fundação Nacional do Índio) não homologaram nenhum território e 70% dos processos encontram-se parados. Os dois órgãos são, na prática, os responsáveis por identificação, estudos e declarações das terras antes de seguir para que o presidente homologue a demarcação por meio de decreto. O Brasil possui 487 áreas indígenas demarcadas.

Da Redação

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