Carta aberta desde la mitad del mundo a Pedro Casaldáliga

Carta aberta de Pedro Tierra, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, ao “bispo do povo” Pedro Casaldáliga por seus 90 anos

Querido Pedro,

te escrevo, talvez, para recuperar uma trajetória que nos une há quase quarenta anos, desde uma manhã de domingo, no Pavilhão Cinco do Carandiru, Zona Norte de S. Paulo, onde eu já cumpria o segundo ano de prisão e você veio trazer o abraço solidário a um grupo de homens que não conhecia e a maior parte deles sequer partilhava suas convicções de fé.

Vivia a Igreja, naquele momento o período mais fecundo, em quinhentos anos de história, de identidade e compromisso com os pobres do continente e, especialmente no Brasil, participava do esforço quotidiano que tecia, pacientemente, os laços da resistência à ditadura militar.

Sempre nos moveu, a você e a mim, a convicção de que a construção do destino do Brasil um país, livre, justo, generoso, capaz de acolher todos os seus filhos com dignidade, passa pela construção dos laços sociais, culturais, políticos e econômicos entre nós e os povos irmãos do continente.

Regresso a esse espaço que os equatorianos designam como “La mitad del mundo” agora já não para conhecer o monumento assentado sobre a linha do Equador, mas para conhecer a arrojada obra arquitetônica projetada por Diego Guyasamin, neto do mestre Osvaldo Guayasamin, tradutor incomparável da iconografia do mundo indígena para a precária percepção do nosso olhar
ocidental, distorcido pela miopia…

Mais do que o espaço físico construído com trabalho, talento, imaginação e beleza que mobiliza essa gente de cobre que acorre à “La mitad del mundo” é a materialização de um sonho secular. O sonho secular da Pátria Grande. Garcia Márquez, o mais prodigioso narrador dos delírios que nos assaltam nesse continente, disse numa página, que esse talvez fosse o único sonho pelo qual valeria à pena morrer. Penso diante do que presencio nessa tarde: esse é um sonho pelo qual vale à
pena viver.

Dispostos à frente do palco amplo, na mesa com guarnições de flores – naturais como você prefere – estão sentados diante de nós os Presidentes Maduro, da Venezuela, Juan Manuel Santos, da Colômbia, Rafael Correa, do Equador e as Presidentas do Brasil, Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, da Argentina, o Secretário Geral da UNASUL Ernesto Samper, o Chanceler do Equador Ricardo Patiño e o Prefeito de Quito Maurício Rodas. Entre os presentes na plateia a Prêmio Nobel da
Paz Rigoberta Menchú, de Guatemala, a representante das Madres da Plaza de Mayo, Fernando Lugo, ex-presidente do Paraguai, Manuel Zelaya, ex-presidente de Honduras.

Nutrida por nosso insuperável talento para a palavra a cerimônia se prolonga tarde adentro… Os oradores recuperam a saga passada e presente ditada pelo imperativo de construirmos o destino continental comum ou sucumbir… Para honrar a saga dos libertadores, a geração de líderes – homens e mulheres – que temos diante de nós, além de Michelle Bachelet, Presidenta do
Chile. E essa extraordinária figura que impressiona o mundo com sua simplicidade, sua coerência e nos reencanta a todos, Pepe Mujica, Presidente do Uruguai.

Não pode alcançar as alturas de Quito, por recomendações médicas. Deixou de Guaiaquil sua
mensagem, seu legado aos jovens e a nós, calejados militantes que cumprimos a trajetória de sua geração, porque nos devolve a capacidade de sonhar. Esse momento deixará sua marca profunda no coração de cada um de nós. Mais sólido e permanente que a construção institucional da UNASUL como mecanismo de integração de ações, o laço cultural entre a instituição e as sociedades sul-americanas.

Ou seja abrir o longo processo para construir as bases, os critérios para que nossos povos comecem a pensar-se sul-americanos. Seria longo reproduzir o conteúdo das falas de cada um, termino esse registro que quero partilhar com você e com os seus, aí em São Félix, com o momento final do
encontro, quando os artistas das diferentes nações, depois de apresentar suas canções se juntaram no palco acompanhados pela recém-nascida Orquestra Sinfônica da UNASUL para cantar a “Canción de América” que a voz de Mercedes Soza um dia fez ecoar aos nossos ouvidos e
tocar irremediavelmente nossos corações.

Um abraço forte, compadre, sempre

Pedro Tierra
La Mitad del Mundo, 05 de dezembro de 2014

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