Controlada por ruralistas, CPI da Funai criminaliza indígenas

Petistas denunciam direcionamento da CPI para defender interesses do agronegócio. Relator quer indiciar mais de 100 pessoas e nenhum fazendeiro

José Cruz/Agência Brasil

O relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e Incra 2, que sugere a extinção da Funai e indicia mais de 100 pessoas, entre antropólogos, indígenas, religiosos e procuradores da República, deve ser votado nesta terça-feira (16).  Comandada por ruralistas, a comissão não indiciou um único fazendeiro.

Deputados petistas, organizações que representam antropólogos e procuradores da República se manifestaram contra o relatório da CPI, de autoria do tucano Nilson Leitão (PSDB-MT), que não teve nenhum dos indiciados ouvidos durante sua elaboração.

Formada em novembro de 2015 e recriada no final de 2016, a CPI é presidida por Alceu Moreira (PMDB-RS). Os deputados Luis Carlos Heinze (PP-RS), Mandetta (DEM-MS) e Nelson Marquezelli (PTB-SP) são os vice-presidentes do colegiado.

Membros da bancada ruralista, os cinco são investigados em inquéritos ou são réus em ações penais no Supremo Tribunal Federal e apoiaram a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que transfere ao Congresso Nacional a competência de demarcação de terras indígenas e quilombolas.

A apreciação do relatório de 3385 páginas, realizada no dia 3 de maio, teve a entrada bloqueada para os membros da comissão, representantes de entidades e até advogados que queriam acompanhar a sessão.

O líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (PT-SP), e o deputado João Daniel (PT-SE), repudiaram o relatório da CPI. Segundo eles, o texto tenta criminalizar as lutas de indígenas, sem-terra e outros segmentos sociais do campo.

“Os setores ruralistas mais radicalizados resolveram desencadear violência de todos os tipos contra os trabalhadores rurais, indígenas e quilombolas”, avaliou Zarattini. “É um negócio absolutamente maluco que só vai incentivar esse clima de violência no campo”, acrescentou o parlamentar paulista, que listou graves ataques ocorridos recentemente, como a chacina em Colniza (MT), o massacre dos índios Gamela no Maranhão e os assassinatos de lideranças dos movimentos de luta por terra.

Na tribuna da Câmara, o deputado João Daniel também manifestou o seu repúdio ao relatório. “É uma vergonha! Essa CPI não atendeu nenhum pedido, nenhum requerimento por parte dos partidos que defendem os índios, os posseiros e quilombolas. Ela envergonha esta Casa e defende a grilagem e a violência no campo”, criticou.

Segundo João Daniel, a CPI atuou “de uma forma brutal, no sentido de manipular o regimento e impedir que a bancada de oposição aprovasse um requerimento sequer”. Para ele, o colegiado foi feito “sem ouvir ninguém, sem nenhum compromisso com o regimento”.

“Um preconceito aberto contra os povos indígenas, quilombolas, a reforma agrária, a agricultura familiar, uma postura arrogante e sem limite”, avaliou João Daniel.

Para a Secretária Nacional de Desenvolvimento Econômico do PT, Anne Karolyne, indígena de Manaus, “eles estão com essa CPI para tentar encontrar um mecanismo de tirar dos órgãos legítimos a autonomia de democratizar ou devolver a terra pra esse povo que é minoria na nossa sociedade”. “A terra que é nossa, dos povos indígenas, que deveriam ter sido demarcadas historicamente”.

Ela acrescenta que o relatório da CPI pode abrir “a porteira para o genocídio”. “Não tem condições de combater a bancada ruralista com a minoria dos movimentos, dos povos indígenas”.

O ex-presidente da Funai, Antônio Fernandes Toninho Costa, exonerado do cargo dia 5 de maio, disse acreditar que “esse relatório atende um segmento, que é o segmento dominante na Câmara dos Deputados.

“O povo brasileiro precisa acordar, o povo brasileiro está anestesiado. Nós estamos prestes ver a se instalar neste país uma ditadura que a Funai já está vivendo. Uma ditadura que não permite ao presidente da Funai executar as políticas constitucionais. Isso é muito grave, o povo brasileiro precisa acordar”, afirmou.

Votação

Deputado Nilto Tatto vai apresentar voto em separado na CPI

Para o deputado Nilto Tatto (PT-SP), que é membro da CPI e irá fazer um voto em separado pelos parlamentares do campo popular e democrático, “a bancada ruralista na Câmara dos Deputados vai atentar mais uma vez contra os direitos humanos e, também, contra direitos sociais de brasileiros e de brasileiras pobres, ao produzir e apresentar o relatório final da CPI da Funai e Incra”.

Ele relembra que o ano 2016 foi o mais violento para os povos do campo desde 2003, com 61 lideranças, trabalhadores e trabalhadoras rurais assassinadas e outras 200 que receberam ameaças de morte, isso sem contar os episódios de violência no início de 2017.

“O Ministério da Justiça nada diz, entregue na liderança de alguém cujo lado é nítido e que duvida da existência de indígenas e dos próprios conflitos agrários no Brasil”, avaliou Tatto, em referência a Osmar Serraglio, ministro golpista indicado por Michel Temer.

Para o deputado paulista, a CPI representa o que há de mais retrógrado no agrário brasileiro. “Majoritária, fez e faz o que não pode, enquanto não fez e nem faz o que deve”. Ele citou operações contra desmatamento e grilagem que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal estão realizando, como a Operação Terra Prometida e Operação Rios Voadores, que não foram sequer mencionadas no relatório final da comissão.

“Neste esforço de promover uma CPI enviesada, os ruralistas engavetaram todos os requerimentos apresentados pelos representantes dos partidos políticos do campo progressista e democrático, para que a CPI investigasse empresas e entidades que reúnem os grileiros de terras públicas e grandes devedores da União, que rotineiramente ameaçam os assentados, os quilombolas e os povos indígenas”, avaliou Tatto.

Para ele, a CPI da Funai nunca teve um fato determinado, um objeto a ser investigado, ou uma motivação que realmente representasse a necessidade de uma investigação. “Tampouco, queriam uma CPI para aprimorar a política pública. O relatório final da CPI, se aplicada as propostas que estão nele contidas, irá agravar o conflito no campo”, criticou.

Indiciados

Ex-ministro da Justiça, Cardozo foi indiciado é indiciado no relatório da CPI

O relatório da CPI solicita o indiciamento de 31 indígenas, 5 indigenistas, 9 antropólogos, 14 religiosos católicos, 3 professores universitários, 3 agricultores assentados e 37 servidores e ex-servidores públicos e ainda 16 Procuradores Federais da República e 3 Advogados da União.

Por conta de sua atuação favorável a causas indígenas, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo é acusado de ter cometido crimes como associação criminosa, apoio a ações de esbulho possessório e retardamento de atos de ofício contra disposição expressa de lei, além de improbidade administrativa.

O presidente da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, divulgou nota onde afirma que o relatório da CPI “investe contra a atuação institucional do Ministério Público Federal (MPF), que tem lutado em defesa dos direitos dos índios às terras de sua ocupação tradicional”.

“Causa preocupação, ainda, que o relatório da CPI, além de tentar constranger a atuação regular e institucional do MPF, acuse e intimide antropólogos e associações que se empenham na defesa das causas indígenas e de comunidades tradicionais”, diz Cavalcanti.

“Defender o direito às terras de nossas comunidades indígenas é uma imposição da Constituição e um dever de toda a sociedade brasileira. Desconhecer estes direitos, e atacar os que atuam em sua defesa, por outro lado, apenas traz prejuízos à democracia, à lei e à paz”, acrescentou o presidente da ANPR.

A Presidência e a Diretoria da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) manifestaram, em nota, indignação sobre a “trágica” solicitação de indiciamento de “indígenas e de quem em diferentes funções contribui para a defesa dos direitos de indígenas e quilombolas, por parte de uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI FUNAI/INCRA 2 que se faz em nome de interesses de setores políticos e grupos econômicos”.

Por Pedro Sibahi, da Redação da Agência PT de notícias

Tópicos:

LEIA TAMBÉM:

Mais notícias

PT Cast