Críticas a Bolsonaro crescem no mesmo ritmo da Covid-19
Enquanto OMS aponta o Brasil como próximo epicentro da doença, desaprovação ao fracasso do presidente em impedir a pandemia no país se generaliza na imprensa estrangeira. Para articulista inglês, o país já está pagando caro pelas “palhaçadas” de seu líder, cada vez mais ameaçado
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O presidente Jair Bolsonaro descobriu porque apanha tanto da imprensa do mundo inteiro. Nesta segunda (25), na aglomeração matinal em frente ao Palácio da Alvorada, um de seus apoiadores pediu que a Secretaria de Comunicação fizesse uma propaganda melhor do país no exterior, ao que ele respondeu: “A imprensa mundial é de esquerda. O Trump sofre muito nos Estados Unidos também”.
Mas nos últimos dias a saraivada de críticas veio de todos os lados, sem distinção ideológica. O ultraconservador jornal britânico ‘The Telegraph’, por exemplo, chamou Bolsonaro de “o homem que quebrou o Brasil”. Os argentinos ‘Clarín’ e ‘Página 12’, o uruguaio ‘El Observador’, o colombiano ‘El Tiempo’, o português ‘Público’ e o norte-americano ‘The New York Times’ também não pouparam desaprovação à desastrosa condução do combate à pandemia do coronavírus por Bolsonaro.
Neste domingo (24), a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou que a pandemia segue em expansão no planeta, embora Ásia e Europa tenham controlado os contágios. A instituição alertou mais uma vez para a situação do Brasil, que na sexta (22) superou a Rússia em número de casos de Covid-19 e é o segundo país com mais doentes.
O diretor-executivo da OMS Michael Ryan confirmou que a América Latina é o novo epicentro da pandemia e disse que as curvas seguem tendência alarmante no Brasil. O Imperial College de Londres estimou que esta semana devem ocorrer entre 5,8 mil e oito mil mortes pela doença em terras brasileiras. É o maior número entre os 54 países que ainda têm transmissão ativa.
Em sua última edição, a revista norte-americana ‘Time’ destacou a preocupação da OMS com o país, em matéria com o título “Brasil começa a perder a luta contra o coronavírus – e o seu presidente está olhando para o outro lado”.
No texto, a repórter Ciara Nugent conta que a resposta de Bolsonaro durante a crise causa surpresa mesmo em comparação a outros governantes que também menosprezaram o impacto da pandemia. Como exemplo, Nugent cita o episódio em que Bolsonaro, no dia em que o Brasil ultrapassou a marca de dez mil mortes pela Covid-19, passeou de jet-ski no Lago Paranoá, em Brasília.
O texto da Time comenta as brigas de Bolsonaro com governadores que adotam medidas restritivas para combater a doença, além das demissões de Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich do Ministério da Saúde e de Sergio Moro da Justiça. O ex-ministro disse à revista que “há dificuldade no enfrentamento da pandemia no Brasil” por conta da posição “negacionista” do presidente.
A reportagem também resgata a fala do prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, responsabilizando o presidente pela expansão da Covid-19 no Brasil. “Com discursos irresponsáveis, quase delinquentes, ele encoraja a população a ocupar as ruas. Ele empurrou muitas pessoas para a morte”, disse Virgílio Neto. “O mandato do presidente pode ainda sobreviver, mas muitos de seus cidadãos não vão”, conclui a matéria.
“Palhaçadas de Bolsonaro”
A versão digital do ‘Financial Times’ desta segunda (25) é ainda mais incisiva em artigo do jornalista Gideon Rachman, colunista-chefe para assuntos internacionais do jornal inglês, para quem “o populismo de Jair Bolsonaro está levando o país para um desastre”. No texto, ele compara o presidente brasileiro com o americano, Donald Trump, dizendo que a abordagem deles na crise do coronavírus são semelhantes, mas Bolsonaro é mais irresponsável e perigoso.
“Ambos os líderes ficaram obcecados com as propriedades supostamente curativas da droga antimalárica hidroxicloroquina. Mas enquanto Trump está apenas tomando o produto, Bolsonaro forçou o Ministério da Saúde brasileiro a emitir novas diretrizes, recomendando o medicamento para pacientes com coronavírus”, afirma Rachman.
Ele destaca ainda que, enquanto Trump brigou com seus consultores científicos e apoiou as manifestações contra o isolamento, Bolsonaro demitiu um ministro da Saúde, provocou a saída do substituto e ainda participou de manifestações. “Infelizmente, o Brasil já está pagando um preço alto pelas palhaçadas de seu presidente – e as coisas estão piorando rapidamente”, diz o texto.
Como resultado, os danos à saúde e à economia sofridos pelo Brasil provavelmente serão mais severos e mais profundos do que deveriam ter sido. Outros países que enfrentam condições sociais ainda mais difíceis, como a África do Sul, tiveram uma resposta muito mais disciplinada e eficaz
Rachman pondera que Bolsonaro não é responsável pelo vírus, e por outro lado, ele afirma que, “incentivando seus seguidores a desrespeitar os bloqueios e minando seus próprios ministros, Bolsonaro é responsável pela resposta caótica que permitiu que a pandemia saísse do controle”.
“Como resultado, os danos à saúde e à economia sofridos pelo Brasil provavelmente serão mais severos e mais profundos do que deveriam ter sido. Outros países que enfrentam condições sociais ainda mais difíceis, como a África do Sul, tiveram uma resposta muito mais disciplinada e eficaz”, avaliou o jornalista.
“Se a vida fosse um conto de moral, as palhaçadas de Bolsonaro contra o coronavírus levariam o Brasil a se voltar contra seu presidente populista. Mas a realidade pode não ser tão simples”, continua o texto do ‘Financial Times’.
A matéria reforça ainda que o presidente brasileiro também está com problemas políticos, conforme os índices de popularidade caem. O texto diz ainda que as medidas de isolamento social que Bolsonaro critica, na verdade, poderiam ajudá-lo politicamente, impedindo as manifestações em massa que impulsionem seu impeachment. “No entanto, a unidade nacional não surgirá enquanto Bolsonaro for presidente. No estilo populista clássico, ele vive da política da divisão”, ressaltou.
“As mortes e o desemprego causados pela Covid-19 são exacerbados pela liderança de Bolsonaro. Mas, perversamente, um desastre econômico e de saúde poderia criar um ambiente ainda mais hospitaleiro para a política do medo e da irracionalidade”, conclui o artigo.
Mortes de jovens
Uma outra reportagem, do ‘Washington Post’, afirma que 15% das mortes registradas até agora no Brasil foram de pessoas com menos de 50 anos, uma taxa 10 vezes maior do que a italiana ou a espanhola. A constatação desmente uma das falas equivocadas de Bolsonaro, segundo o qual apenas os idosos estão em risco e por isso deveriam ser mantidos em “isolamento vertical”.
Segundo o texto, as mensagens contraditórias no país – entre líderes locais implorando às pessoas para ficarem dentro de casa e um presidente chamando as pessoas a voltar às ruas – mais as condições de habitação da população pobre e a necessidade de continuar trabalhando fazem com que muito mais jovens entrem em contato com o vírus.
Pedro Archer, médico de um hospital público do Rio, contou ao jornal que seus jovens pacientes ficaram atordoados com a doença. Alguns haviam imitado Bolsonaro, que no começo da pandemia menosprezou a doença como uma “gripezinha”. Até eles ficarem doentes. “As pessoas me dizem: ‘Eu realmente pensei que isso era apenas uma gripezinha e agora vejo que isso é sério'”, disse Archer. “Vi pessoas morrendo que disseram a mesma coisa”, relatou o médico ao jornal
Até o ex-ministro da Saúde Nelson Teich, na primeira entrevista após deixar o cargo, admitiu à Globo News que saiu do governo porque “não houve alinhamento com o presidente” na liberação da cloroquina para casos leves da Covid-19. Para Teich, que no sábado (23) recusou convite para atuar como “conselheiro” no Ministério da Saúde, “a gente navega hoje em uma situação de absoluta incapacidade de enxergar o que vem pela frente” e não sabe como a Covid vai evoluir nem quanto tempo vai durar. “Quem vai julgar o presidente é o futuro, não vai ser eu”, afirmou.
Se Bolsonaro anda preocupado com a imprensa “de esquerda” estrangeira, é bom que abra o olho para o ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello. Em videoconferência comemorativa aos 120 anos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), nesta segunda (25), ele disse que a pandemia tem 3 etapas: preparação, impacto nas regiões metropolitanas e capitais, e impacto no interior. O Brasil ainda estaria na segunda.
“Nós temos o impacto das capitais e regiões metropolitanas. Esse impacto ele vai passar e nós vamos ter o espraiamento disso de alguma forma para o interior, e vamos ter que ter as estruturas que foram preparadas na capital e regiões metropolitanas para receber esse pessoal do interior que não tem as estruturas lá”, afirmou o ministro, sugerindo que o pior ainda está por vir.