Desemprego e crise: como ficam as mulheres na economia
Em 2020, a taxa média de desemprego entre os homens foi de 11,9%, enquanto entre as mulheres chegou a 16,4%. A especialista Melissa Cambuhy analisa o papel e a situação das mulheres brasileiras na economia atual
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O IBGE divulgou no início do mês de março o levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que registrava os impactos destrutivos da pandemia na vida das mulheres brasileiras.
Segundo o documento, o desemprego bateu recorde em 20 estados do país no ano passado. Mas, o dado que mais assusta é o de que seis em cada dez desempregados no Brasil são mulheres.
Em 2020, a taxa média de desemprego entre os homens foi de 11,9%, enquanto entre as mulheres chegou a 16,4% – uma diferença de 4,5 pontos percentuais (p.p.) – e ficou acima da média nacional (13,5%).
O Ipea aponta também que o número de mulheres é menor entre os empregados no país. Do total de pessoas ocupadas, 48,7 milhões eram do sexo masculino e 37,5 milhões, do sexo feminino.
Convidamos a doutoranda em Relações Internacionais (UERJ) e mestra em Direito Econômico (Mackenzie), Melissa Cambuhy, cuja agenda de pesquisa tem como centro as mediações entre Estado e Economia, e o processo de desenvolvimento nacional chinês, para analisar o cenário econômico das mulheres durante a pandemia e nos trazer apontamentos para um futuro onde a crise não nos atinja de forma tão devastadora.
ENTREVISTA
Mulheres PT: Melissa, como você analisa o atual momento da economia nacional?
Melissa Cambuhy: Vítima do negacionismo sanitário e econômico que agravou e prolonga os custos humanos e econômicos, o Brasil adentrou 2021 com o pior PIB dos últimos 30 anos com uma retração econômica de mais de 4%, altíssima taxa de desemprego (14,2%) – 7,5 milhões de pessoas perderam seus empregos desde a chegada da pandemia até o final de 2020 – e altíssima inflação.
Mulheres PT: Com a atual situação, como as mulheres estão nesse momento, economicamente?
Melissa Cambuhy: Como sabemos, já fora do contexto de pandemia, mulheres em regra desempenham jornadas de trabalho muito maiores do que as masculinas, por serem socialmente designadas e socializadas enquanto responsáveis por tarefas de cuidado da casa e da família. Sendo central ressaltar que tal máxima se encontra atravessada pelos fatores estruturais de classe e raça, uma vez que a organização do cuidado se encontra alicerçada principalmente na exploração do trabalho de mulheres pobres e negras, além do trabalho não remunerado das mulheres.
Na pandemia o quadro se agrava: com o trabalho em home office e, ou, a permanência dos(as) filhos(as) em casa diante do fechamento das creches e escolas, tais tarefas se multiplicaram e mais uma vez recaem sobre as mulheres. Mas isto no caso das mulheres cujas atividades profissionais são passíveis de serem executadas em regime domiciliar. Já mulheres que exercem trabalhos como o emprego doméstico – de maioria negra – , e outros, restou o desemprego e o aumento da vulnerabilidade: no caso do emprego doméstico,1,6 milhões mulheres perderam seus trabalhos, sendo que 400 mil tinham carteira assinada e 1,2 milhões não tinham vínculo formal de trabalho, segundo o PNADC.
Neste sentido, também segundo relatório recente do DIEESE com dados do PNADC, entre o 3o trimestre de 2019 e 2020, o contingente de mulheres fora da força de trabalho aumentou 8,6 milhões, a ocupação feminina diminuiu 5,7 milhões e mais 504 mil mulheres passaram a ser desempregadas. A taxa de desemprego das mulheres negras e não negras cresceu 3,2 e 2,9 pontos percentuais, respectivamente, sendo que a das mulheres negras atingiu a taxa de 19,8%. Quanto às trabalhadoras informais, exceto as do emprego doméstico, o contingente passou de 13,5 milhões para 10,5 milhões, o que indica outras milhões de pessoas que perderam sua renda.
Segundo o IBGE, 18,3% das mulheres foram afastadas de sua atividade pela pandemia, contra apenas 11,1% dos homens. As mulheres ocupam os principais setores afetados pela pandemia, como alimentação, hotelaria e serviços domésticos. Ainda neste sentido, a maioria dos funcionários da saúde que estão na linha de frente de enfrentamento da COVID-19 são mulheres – representando 78,9% do total – que, assim, se encontram mais expostas ao vírus, ao aumento da jornada e intensidade de trabalho e do desgaste psíquico de tal atividade.
Mulheres PT: Como podemos salvar o país economicamente nesse momento, sem afetar a vida das pessoas tão fortemente e fazer os pobres pagarem mais?
Melissa Cambuhy: Para isso é central retomarmos o Estado enquanto ator imprescindível no planejamento e execução de intensivas políticas nacionalmente coordenadas, de caráter tanto sanitário e de saúde, quanto econômico. Ou seja, se faz necessária uma política econômica expansiva – fiscal e monetária – que permita
i) garantir renda, e assim o isolamento social de todos(as), e consumo para aquecimento da economia;
ii) a sobrevivência das empresas de micro, pequeno e médio porte, e assim, a manutenção dos respectivos postos de trabalho;
iii) investimentos na saúde pública.
A partir disso, uma rigorosa política sanitária de isolamento social e um programa de coordenação nacional, eficiente e massivo de vacinação. Estes últimos com papel central, e já comprovado nas experiências internacionais, para uma mais rápida retomada produtiva, facilitando a recuperação econômica.
Mulheres PT: Existe um panorama de como as mulheres podem se ajudar economicamente nesse momento, poderia nos ajudar com algumas dicas?
Melissa Cambuhy: Uma saída que foi encontrada por muitas mulheres neste período foi o empreendedorismo. Com as mudanças na sociabilidade, frutos do trabalho em domicílio e o isolamento social, as vendas de bens e serviços online e entrega em domicílio ganharam um espaço e alcance maior. Neste sentido, alguns programas estaduais foram criados para qualificação profissional e crédito para financiamento de projetos de empreendedoras – no estado de São Paulo acabaram de ser lançados os programas “Empreenda Mulher”, “Prospera Mulher” e “TODAS in-Rede”, por exemplo.
Nádia Garcia, Agência Todas.