Doria esvazia Virada Cultural e faz barbárie na Cracolândia
Descaracterizada, Virada Cultural teve shows cancelados, falhas técnicas e pouco público; ação truculenta na Cracolândia retirou pertences de moradores
Publicado em
“Esse governo está tirando a máscara. É um governo autoritário, que não se preocupa com a ocupação do espaço público e realizou uma ação equivocada na Cracolândia, colocando em risco a vida das pessoas”. Paulo Fiorilo, presidente municipal do PT-SP, está falando do último final de semana, quando a gestão do prefeito João Doria, em um espaço de poucas horas, acabando com o que foi a Virada Cultural e promoveu uma ação truculenta de policias na região da Cracolândia, no domingo (21), de manhã, terminando com o programa Braços Abertos e deixando dependentes químicos ao relento.
Com palcos afastados do centro, shows atrasados e cancelados, além de falhas técnicas, a Virada Cultural, realizada neste fim de semana (20 e 21), foi totalmente descaraterizada e teve menor adesão do público, chegando a ter shows cancelados, como o de Fafá de Belém, no Anhembi.
Segundo Fiorilo, isso mostra que o atual “governo não esta nem aí com a ocupação do espaço público, com uma virada sem divulgação, em lugares longes e sem acesso com transporte público. Fazer a Viradinha no Autódromo de Interlagos é um absurdo”, comenta sobre a atração voltada para as crianças.
O vereador Eduardo Suplicy também concorda que o evento deveria ter sido mais divulgado e que os paulistanos não aderiram tanto a Virada, também por falta de informação.
“Eu estive presente em alguns shows este ano e, infelizmente, notei que havia muito tempo entre os intervalos e as pessoas ficavam esperando. Os palcos também estavam muito próximos e o som interferia nas outras atrações. Me lembro de ter um público maior nas outras edições. Teria sido bom um maior conhecimento dos artistas que iam cantar. O show da Daniela Mercury, por exemplo, estava bem vazio e, em edições passadas, estava lotado”, conta o ex-senador.
Já Nabil Bonduki, que foi Secretário de Cultura do governo de Fernando Haddad, classificou esta Virada Cultural como a pior da história.
“Tivemos um esvaziamento do centro, um anticlima de virada, parecia que as pessoas não estavam convidadas para ir para a rua. Além disso, tivemos essa ação na Cracolândia (que ocorreu na mesma região e no final do período da Virada), o que mostrou uma absoluta desarticulação dos órgãos públicos”, diz.
Para Nabil, as pessoas ficaram com medo de ir para o centro. “Do lado de onde estava acontecendo a Virada, no domingo de manhã, começou uma grande operação policial para dispersar todos os dependentes químicos”.
Nabil trata da ação truculenta, realizada no domingo de manhã, que envolveu 900 policiais na região da Cracolândia, para combater o tráfico de drogas. A operação retirou usuários à força e prendeu supostos traficantes no principal ponto de consumo e comércio de drogas do Centro de São Paulo.
Suplicy conta que, assim que soube da operação, foi até a região preocupado com a maneira como ela foi executada.
“Fiquei preocupado porque vi centenas de policiais que já haviam, de alguma forma, removido ou deixado aquelas barracas. Tava tudo desarrumado e praticamente todos haviam se dispersado pelas ruas e bairros da região. Alguns queriam entrar para saber de seus pertencente e documentos, já que foram retirados sem ter tempo de levar os seus pertencentes”, diz.
O vereador ajudou na comunicação entre os moradores e os policias. “As pessoas queriam recuperar os seus pertences, conversei com os policiais e eles permitiram que um a um fosse ver as suas coisas”.
Ele ainda enfatiza que a forma como foi executada foi completamente errada. “Bagunçar todos os pertencentes das pessoas, deixando-as todas preocupadas, não é uma forma de respeito e todos são cidadãos e devem ser respeitados”, explica.
No mesmo dia, Doria anunciou o “fim da Cracolândia”. No entanto, o que aconteceu foi o espalhamento dos usuários pela região central. De acordo com o atual prefeito, todas pensões e hotéis destinados a abrigar usuários de drogas serão interditados e demolidos.
Além disso, o prefeito João Doria afirmou que acabou como o programa Braços Abertos, que foi implantado durante a gestão de Fernando Haddad e visava auxiliar dependentes químicos com emprego, moradia e redução de danos.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) classificou como “barbárie” e “atrocidade” a ação da prefeitura de João Doria na Cracolândia. Em nota assinada também pelo Conselho de Psicologia do Estado de São Paulo, o CFP critica a mudança nas ações voltadas para dependentes químicos em São Paulo.
“A violência policial ostensiva foi o expediente utilizado para promover a remoção e a internação forçadas da população em situação de rua que habitava a área do centro de São Paulo conhecida por Cracolândia. Essa ação truculenta e absurda desmontou, arbitrariamente, uma política pública destinada a usuárias (os) de drogas, fundamentada nos princípios da atenção integral à saúde. Assistimos indignados e apreensivos ao fim do programa “De Braços Abertos”, construído no diálogo com órgãos, entidades e coletivos atuantes no campo da política pública sobre drogas e direitos humanos”.
Em nota, Leonardo Barchini, chefe da gestão no governo de Fernando Haddad, afirma que “a gestão Haddad tem dúvidas se o governo do Estado de São Paulo terá condições de conter a corrupção que o assola”.
E lembra que “por quatro anos consecutivos a gestão anterior pediu uma ação efetiva de combate ao tráfico e não foi atendida. Atribuir ao programa Braços Abertos responsabilidade pelo tráfico é covardia”, diz.
Além disso, um dia após a ação policial, os dependentes ocupavam outros lugares no centro. Muitos, inclusive, dormiam no chão em unidade municipal, já que o centro de convivência não tinha estrutura para acolher mais pessoas.
Com isso, Fiorilo destaca a grande diferença entre as gestões petistas e tucanas. “Nós sempre defendemos que o combate a Cracolândia tem que ser feita com várias ações sociais: recuperar o ser humano para o convívio social, dar oportunidade de emprego e não pelo combate armado. Esse combate deveria ser feito com o traficantes e não com os dependentes”, finaliza.
Ministério Público e Defensoria Pública vão apurar ação na Cracolândia
Após a operação truculenta na Cracolândia, a Promotoria de Direitos Humanos do Ministério Público de São Paulo (Áreas da Saúde Pública e Inclusão Social), a Promotoria da Infância e Juventude (Setor de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos) e a Defensoria Pública do Estado vão abrir um inquérito civil em conjunto para apurar a atuação da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo sobre a ação no centro de São Paulo.
A mídia, como o jornal Agora SP, circulou pelo Centro de São Paulo no dia seguinte após a operação e constatou: diferentemente do que o prefeito falou em suas redes sociais, a Cracolândia não acabou. Ela apenas mudou de endereço.
Leia a nota divulgada por Leornardo Barchini, ex-chefe de gabinete de Fernando Haddad:
A gestão Haddad tem dúvidas se o governo do Estado de São Paulo terá condições de conter a corrupção que o assola. Assim como acontece com as estatais estaduais que seguem sem ser investigadas (Dersa, Metro e CPTM), a gestão anterior entende que a Polícia Civil continuará com suas ações irmanadas ao tráfico na área central da cidade. Por quatro anos consecutivos a gestão anterior pediu uma ação efetiva de combate ao tráfico e não foi atendido. Atribuir ao programa Braços Abertos responsabilidade pelo tráfico é covardia.
Confira a íntegra da nota divulgada pelo CFP:
Prefeitura de SP afronta direitos humanos e luta antimanicomial
Os Conselhos Regionais e Federal de Psicologia, reunidos no dia 21 de maio de 2017, em Brasília/DF, na Assembleia das Políticas, da Administração e das Finanças (Apaf), repudiam a violência empregada pela gestão da Prefeitura de São Paulo na remoção da população atendida pelo “De Braços Abertos” e o desmantelamento do programa.
Assim devem ser compreendidas as atrocidades cometidas neste domingo (21/5), pela Prefeitura de São Paulo, em parceria com o governo estadual, sob o discurso de “fim da Cracolândia”: a ação afronta os 30 anos de história da luta antimanicomial no Brasil, recém-celebrados em 18 de maio, e os princípios internacionais dos direitos humanos. A violência policial ostensiva foi o expediente utilizado para promover a remoção e a internação forçadas da população em situação de rua que habitava a área do centro de são Paulo conhecida por “Cracolândia”.
Essa ação truculenta e absurda desmontou, arbitrariamente, uma política pública destinada a usuárias (os) de drogas, fundamentada nos princípios da atenção integral à saúde, do cuidado em liberdade, da redução de danos e voltada à ampliação da autonomia do sujeito, por meio da redução gradual do uso de substâncias e da promoção do acesso à assistência social, ao atendimento em saúde, e a oportunidades de emprego e moradia.
Assistimos indignados e apreensivos ao fim do programa “De Braços Abertos”, construído no diálogo com órgãos, entidades e coletivos atuantes no campo da política pública sobre drogas e direitos humanos, e sua substituição por um “novo programa”, batizado de “Redenção” pela gestão municipal.
Esse “novo programa” repete fórmulas ultrapassadas, inadequadas e ineficientes do ponto de vista da saúde mental. Repete o “Programa Recomeço”, do governo estadual, e a “Operação Sufoco”, da gestão municipal. As três iniciativas têm como princípios o tratamento por internação, inclusive involuntária, em parceria com comunidades terapêuticas mantidas por entidades confessionais, não sendo coincidência o nome “Redenção”.
A demolição dos hotéis que serviam de moradia e a remoção das tendas de acolhimento e atendimento social e de saúde concretizam o desrespeito sumário aos trabalhos e aos fluxos desenvolvidos por trabalhadoras (es) das políticas públicas de saúde e assistência social. O cuidado com a vida dá lugar a um programa de reurbanização da região da Luz, centro de São Paulo, com forte significado histórico e cultural, que reforça projeto higienista de cidade voltada ao setor imobiliário, não às pessoas, com grande risco de gentrificação da área.
A “São Paulo Cidade Linda” do prefeito João Dória é a cidade sem políticas públicas que atendam de maneira eficiente as demandas da população em situação de rua, entre elas, usuárias (os) de drogas. É a cidade na qual não há espaços para dialogar com as diferenças que São Paulo apresenta e que merecem não tratores, mas sim estratégias de cuidado que reconheçam todas as questões históricas e sociais que antecedem e resultam na vulnerabilidade de parcelas da população.
A barbárie deste 21 de maio de 2017 é inaceitável. A ação do prefeito João Dória viola a Constituição Federal no direito cidadão de ir e vir e fere o princípio da laicidade do Estado. Representa ainda uma afronta aos direitos humanos e à luta antimanicomial.
Brasília, 21 de maio de 2016
Da Redação da Agência PT de Notícias, com informações do Brasil 247