Eliane Aquino: maior desafio é resistir e defender as políticas públicas

Leia aqui mais uma entrevista da série de reportagens do projeto O PT Faz. Nesta semana, conversamos com a vice-governadora do estado do Sergipe, Eliane Aquino

Márcio Garcez

PT Faz é um projeto conjunto entre a Presidência do Partido, a Secretaria Nacional de Assuntos Institucionais, a Secretaria Nacional de Comunicação e a Escola Nacional de Formação do PT com o objetivo de dar visibilidade à atuação dos representantes do PT nos governos e nos parlamentos, estimular e aprofundar a reflexão sobre a atual conjuntura e contribuir para qualificar o necessário debate do Partido com a sociedade.

Para municiar os mandatos e filiados do Partido dos Trabalhadores frente aos novos desafios que surgirão nos próximos anos – principalmente nos próximos meses – O PT Faz traz uma série de reportagens com discussões de diversos temas pertinentes à agenda social do Brasil. Continuando o debate da Assistência Social, conversamos agora com Eliane Aquino, vice-governadora do Sergipe. Ela comentou sobre os desmontes na área, os cortes de recursos públicos e as possíveis estratégias para enfrentar esse período de desgoverno e destruição das políticas públicas.

Agência PT – Quais são os principais desafios da assistência social para os próximos anos?

Eliane Aquino – O principal desafio é assegurar o que se tinha conquistado desde 2003 até 2016, com as políticas de inclusão e equidade, como a implantação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), dos serviços socioassistenciais em todo o país para cerca de cem milhões de brasileiros, com o Bolsa Família, o BPC pra idosos e pessoas com deficiência, com os nove mil Cras em todo o Brasil, Centros Especializados da Assistência Social para a população em situação de rua, abrigos, toda uma rede de proteção social que está sendo desmontada desde o golpe contra a presidenta Dilma. E não falo apenas no que se refere a investimentos, mas também à concepção, ao modo como o Governo Federal tem deixado lacunas no seu papel de assegurar a proteção social a todos os brasileiros.

Diante do cenário de crise econômica e do desmonte das políticas sociais, vemos as condições de vida da população mais vulnerável se deteriorando. O Mapa da Fome, relatório produzido anualmente pela Organização da Alimentação e Agricultura (FAO), trouxe dados críticos sobre o Brasil, indicando que desde 2017 o número de pessoas que não consomem uma quantidade mínima de calorias voltou a crescer. É a fome voltando a assolar o Brasil e, a meu ver, não há nada mais cruel e impactante para o desenvolvimento social de um país. A região mais afetada, infelizmente, continua sendo o Nordeste brasileiro, região claramente negligenciada em meio às prioridades do Governo Federal. Precisamos compreender que os danos causados agora representam um desafio de reconstrução gigantesco e processual. Durante as gestões do presidentes Lula e Dilma, vimos os índices de mortalidade infantil cair 60% e o de desnutrição sair de 12% para 4%. Vimos a ruptura de um modo de governar que antes atendia aos mais ricos para somente depois chegar aos mais pobres com programas temporários e de baixa cobertura.

É a fome voltando a assolar o Brasil e, a meu ver, não há nada mais cruel e impactante para o desenvolvimento social de um país.

Lula inverteu a direção dessa roda. O país passou a olhar primeiro para os que mais precisavam, como direito à proteção do estado. E interrompeu, em grande parte, as práticas do assistencialismo e do populismo. Foram criadas regulações em nível nacional, com a implantação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), com a implantação do Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional, e um esforço para fazer chegar a todos as diversas políticas públicas voltadas aos Direitos Fundamentais. Tudo isso, fruto de uma decisão política de construir uma sociedade mais justa e menos desigual, respeitando as diferenças regionais desse país continental. Lógico que boa parte desse sucesso também foi fruto de uma grande articulação envolvendo os diversos setores da sociedade e de um compromisso com o pacto federativo.

Eliane Aquino

Hoje, infelizmente, o que vemos é um grande poder desagregador da atual gestão do Governo Federal, que insiste em repelir o controle social e se afastar do espírito republicano que um estado democrático de direito requer. O panorama atual nos faz ver que todo o país terá que se envolver num processo de reconstrução muito profundo. O abismo entre os ricos e os pobres voltou a crescer vertiginosamente e, desde o golpe que resultou na saída da presidenta Dilma, há um claro desmonte da política pública de Assistência Social.

Uma demonstração inconteste é o corte do orçamento da área, que chegou à 84 bilhões em 2016 e em 2017 recebeu o indicativo de corte de 98% do orçamento, pelo Ministério da Economia. Foi preciso um forte movimento junto ao Congresso para assegurarmos pelo menos 40% do necessário. A justificativa seria a austeridade fiscal, mas a realidade é que a economia para o país em investimentos na área social representa retirar direitos básicos conquistados como renda e alimentação; extinguir, em muitos casos, serviços à grupos vulneráveis, vítimas de todo tipo de violência e maus tratos; possibilidades de prevenção e benefícios sociais que estavam, nos últimos anos, assegurando proteção social àqueles que mais precisam. Acredito que o maior desafio é resistir e não permitir a retomada dessa visão conservadora de que aos mais pobres basta ser dado “o que sobra”.

Como os governos municipais e estaduais podem ajudar na questão de minimizar os efeitos dos desmontes nessa área?

Primeiro é preciso ter uma postura de defesa das conquistas e avanços que as políticas da área tiveram nos últimos anos. Acredito que é preciso defender o SUAS no que for possível a partir do pacto federativo e da relação dos estados com os municípios. Depois, pensando na realidade do Nordeste, região historicamente mais atingida pelo flagelo da fome e por tantas outras mazelas sociais, essa defesa das garantias e direitos ganham dimensão ainda maior. Nesse sentido, avalio como positivas ações dos governadores da região buscando integração e atuação em bloco, a exemplo do Consórcio Nordeste, que busca diálogo direto dos estados com investidores internacionais. Sim, porque sou signatária de que desenvolvimento econômico só faz sentido se vier junto com renda, inclusão e oportunidades para a população. É preciso vincular a chegada de investimentos com contrapartidas sociais: capacitação, emprego, apoios a projetos sociais nas áreas de educação, cultura e inclusão.

Além disso, cabe o fortalecimento dos órgãos que trabalham com políticas públicas na área social, buscando a integração delas em projetos estruturantes para infância, juventude e mulheres, por exemplo, de modo que consigamos produzir mais resultados a partir de práticas intersetoriais. Isso pode, inclusive, fazer com que programas e projetos de cunho social possam entrar na carteira de prioridades dos governos. Avalio que práticas como essas nos permitirão passar por esse cenário adverso atenuando um pouco as consequências do desmonte sobre o qual falamos.

Qual a importância da realização das conferências de assistência social que estão ocorrendo pelo Brasil?

Tendo como tema central “Assistência Social: Direito do Povo, com Financiamento Público e Participação Social”, o processo deste ano ocorre num momento crucial, em que há claras ameaças ao Sistema Único da Assistência Social (SUAS). O Ministério da Cidadania, se retirou da Conferência Nacional, mesmo tendo previsão orçamentária. Se colocou contra a sociedade civil do Conselho Nacional da Assistência Social (CNAS), pela realização da Conferência, mas a sociedade civil, a Frente Nacional e muitas entidades chamaram a Conferência Nacional Democrática de Assistência Social, que ocorrerá dias 25 e 26 de novembro em Brasília. Todos os estados e o Distrito Federal também se comprometeram com a realização das Conferências. Isso significa reunir, em todos os cantos do país, usuários, trabalhadores, movimentos sociais, organizações do terceiro setor e gestores para um balanço do que está ocorrendo em nosso país. O que é um passo fundamental para termos a real noção dos impactos negativos que estão atingindo uma grande parcela mais vulnerável da população brasileira. Cada conferência tem se tornado um espaço muito importante para o debate sobre as realidades, espaço de troca, de identificação dos entraves para a efetivação dos serviços e benefícios tipificados no SUAS.

A realização das conferências é imprescindível para a garantia do direito constitucional à participação e ao controle social e, além disso, representa um momento de mobilização em que, no coletivo, há uma pactuação de todos os envolvidos, em prol do compromisso da defesa do SUAS, da política da Assistência Social, da Seguridade Social e da Democracia. Com todos reafirmando a importância de termos um sistema descentralizado e participativo e de lutar pela manutenção das conquistas históricas que o SUAS trouxe para o país. O momento está sendo muito duro, mas cruzar os braços não podemos. Prefiro ser otimista e acreditar que, mesmo em meio ao caos, sempre há algo a ser feito e nada é definitivo. Haveremos de recolocar o Brasil nos trilhos do desenvolvimento social e econômico sustentável, com o protagonismo dos usuários e dos trabalhadores das políticas públicas.

Da Redação da Agência PT de Notícias

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