“Em 100 anos saberá”: desgoverno Bolsonaro decretou 65 sigilos em três anos
Órgãos públicos alegam que documentos contêm “informações pessoais” para negar acesso a conteúdos. “Vou acabar com o sigilo dele no primeiro mês”, garante Lula
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“Hoje, qualquer coisinha é sigilo de cem anos”, disse Luiz Inácio Lula da Silva durante o debate na TV Bandeirantes, no fim de agosto. E olha que isso foi antes de se tornar pública a informação de que o desgoverno Bolsonaro já corrompeu a Lei de Acesso à Informação (LAI) em pelo menos 65 ocasiões, impondo sigilo de 100 anos sobre vários atos do Executivo que deveriam ser transparentes.
A estimativa é do jornal O Estado de São Paulo, que levantou os pedidos de informação por meio da LAI protocolados entre 2019 e 2022, com as respectivas negativas. A alegação de que os documentos continham informações pessoais foi utilizada pelo desgoverno Bolsonaro para rejeitar ao menos 65 pedidos apresentados em 11 diferentes ministérios. O maior número de documentos sob sigilo está no Exército.
“É o governo da opacidade generalizada. São coisas que o governo não gostaria de mostrar”, disse a gerente de projetos da Transparência Brasil, Marina Atoji. Entre as coisas que Bolsonaro não quer mostrar estão as cópias da ficha funcional de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro acusado de operar esquema de rachadinha, e da apuração disciplinar do Exército sobre o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.
Conforme o Estadão, o segredo de 100 anos para os documentos relacionados a Pazuello fugiu de precedentes desde que a LAI foi sancionada pela então presidenta Dilma Rousseff, em 2011. “Até o caso Pazuello, sindicâncias concluídas, incluindo de militares, podiam ser conhecidas por qualquer cidadão”, constata a reportagem.
Ao negar acesso a informações do general, o Exército usou como base o artigo 31 da LAI, que trata da proteção de dados pessoais e assegura sua preservação por um século. “Esse artigo serve para proteger civis e não pessoas públicas”, critica a coordenadora do programa de acesso à informação da ONG Artigo 19, Júlia Rocha. Esse é um dos tantos cometidos pelo desgoverno Bolsonaro em relação à transparência, aponta ela.
A Presidência também impôs segredo à carteira de vacinação de Bolsonaro, ao teste de covid-19 feito pelo ex-assessor e coronel Élcio Franco e aos motivos que levaram o governo a barrar a nomeação da médica Luana Araújo para combater a pandemia. Também foi negado pedido de informações sobre quais ministros têm porte de arma,
Em junho de 2021, foi negada informação sobre os encontros religiosos promovidos pela primeira-dama Michelle Bolsonaro na Granja do Torto. À Controladoria-Geral da União (CGU), o Planalto alegou que não tinha conhecimento de eventos públicos na Granja, só privados, passando a classificar a lista dos convidados como reservada (sigilo de 5 anos). Já os telegramas do Itamaraty sobre a prisão do ex-jogador Ronaldinho Gaúcho no Paraguai e de médico bolsonarista no Egito continuam sob sigilo de 100 anos.
“Caso de má-fé”, critica dirigente da Transparência Brasil
“Em casos que tratam da vida de cidadão comum até faria sentido proteger a informação, mas estamos falando de pessoas públicas e politicamente expostas. A própria lei fala que é pública a informação que tem flagrante interesse público”, disse Marina Atoji. “No mínimo, são respostas erradas. Mas, na pior das hipóteses, e é o que tem sido verificado, é caso de má-fé”.
Ainda conforme o levantamento do Estadão, 26,5% dos pedidos de informação negados entre 2019 e 2021 tiveram como justificativa a necessidade de sigilo da informação. Em comparação com o Governo Dilma, a taxa é duas vezes maior.
Em abril, quando cobrado a revelar as visitas de pastores ligados ao escândalo do Ministério da Educação (MEC), Bolsonaro reagiu com ironia: “Em 100 anos saberá”. O caso, no entanto, vem ganhando desdobramentos cada vez mais comprometedores para o inquilino do Planalto e o ex-ministro Milton Ribeiro. Veremos quem ri por último.
Neste domingo (25), em evento de campanha na quadra da escola de samba Portela, em Madureira (RJ), Lula voltou a dizer que a “mamata” dos bolsonaristas vai acabar. “Vou acabar com o sigilo dele no primeiro mês. Ele fez o decreto do sigilo e vou decretar o fim. Quem não deve não teme”, disse Lula, ao lado do prefeito Eduardo Paes.
Da Redação, com informações do Estadão