Em 8 meses, Bolsonaro toma medidas que comprometem autonomia universitária

Em março, um decreto determinou que a nomeação para cargos como o de vice-reitor e pró-reitor das instituições passasse pelo crivo do Governo

Luiza Castro/Sul21

Iniciado há pouco mais de oito meses e caótico em várias áreas, o Governo Bolsonaro tem se mostrado bastante eficiente na apresentação de medidas que atentam contra a autonomia das instituições federais de ensino superior (IFES). Em março, um decreto extinguiu centenas de funções gratificadas em universidades. Em maio, outro decreto determinou que a nomeação para cargos como o de vice-reitor e pró-reitor das instituições passasse pelo crivo do Governo.

Enquanto essas medidas mais claramente afrontam funções que cabem às universidades – ambos os decretos são contestados pelo Ministério Público Federal, e, no caso da extinção de funções gratificadas, as instituições sediadas no Rio Grande do Sul já obtiveram liminar a seu favor – outras iniciativas são mais controversas do que ilegais. É o caso da nomeação de diversos reitores que não foram os primeiros colocados da lista tríplice apresentada pela comunidade acadêmica.

O Governo Federal já nomeou cinco reitores que não foram primeiros colocados das consultas nas universidades, e nomeou o primeiro colocado em seis oportunidades. Em outro caso, na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), o Governo não reconheceu as eleições da entidade e nomeou uma reitora temporária que sequer estava na lista tríplice. Isto porque a UFGD encaminhou apenas o nome do primeiro colocado da lista, já que os demais se retiraram da disputa. Iniciou-se uma disputa judicial, mas, enquanto isto, a reitora temporária nomeada pelo Governo está exercendo o comando da universidade. Caso semelhante ocorreu no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet-RJ). O MEC contesta a consulta pública para diretor-geral e nomeou um funcionário do Ministério para o cargo de diretor interino, o que tem gerado fortes protestos dos estudantes.

A autonomia universitária está definida pelo artigo 207 da Constituição Federal, que diz que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”. Por outro lado, a Lei 9192/1995 define que a universidade deve encaminhar lista tríplice e o presidente fica livre para nomear qualquer dos três candidatos. E é o que aponta o secretário de Ensino Superior do MEC, Arnaldo de Lima Barbosa de Lima Júnior: “A autonomia didático-pedagógica está garantida na Constituição Federal. O que está sendo feito é respeitar a lei, que diz que é preciso eleger um dos nomes de lista tríplice. É a democracia”.

“A gente está estarrecido”, afirma o presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) Antônio Gonçalves Filho. Para o dirigente sindical, a Lei 9192/1995 é uma norma infraconstitucional e não pode estar acima da Constituição. Ele entende que a autonomia universitária deveria passar pela escolha do reitor. “A gente acha que tem que ser eleição direta e a escolha se encerrar dentro da instituição”.

Para a professora do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP Nina Beatriz Stocco, porém, a escolha do segundo ou terceiro colocados na lista tríplice não fere a autonomia das instituições, embora considere uma decisão política que desprestigia as universidades. “Em princípio eu diria que não fere a Constituição, porque o órgão mantenedor, que é o Estado, acaba interferindo. Não existe autonomia absoluta, não estamos falando de independência ou soberania. Se fosse independência, aí sim estaria ferindo. O órgão mantenedor tem algum tipo de controle. Isso é em todo lugar. Todos os países que têm um modelo semelhante são assim”, explica.

Entretanto, quando o assunto é a interferência do Governo na nomeação dos cargos de segundo escalão das universidades, a professora tem outra opinião. “Aí sim eu vejo que fere a autonomia. Não há previsão legal (para interferência do Governo), como há na escolha do reitor. A organização interna era sempre feita pelas universidades”, afirma a professora da USP. Nina Beatriz Stocco cita também o projeto Future-se como um possível risco à autonomia das instituições federais de ensino. “O que se percebe é que as organizações sociais terão muita influência no ensino e na pesquisa, e então as universidades vão ter um problema de autonomia”.

Para o MPF, o decreto que retira dos reitores a livre nomeação de pró-reitores e diretores, “viola frontalmente as disposições constitucionais pertinentes à Autonomia Universitária” e significa “verdadeira intromissão na administração destas instituições”, pois “toda a atividade administrativa, de gestão ou didática cientifica passa a ser determinada pela Presidência da República e não mais pelas próprias universidades e institutos federais”. Já a extinção de funções gratificadas, “em número impressionantemente alto, compromete quase que em absoluto o funcionamento administrativo” das universidades.

A reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Lúcia Pellanda, demonstra preocupação em conscientizar a população sobre a importância da autonomia universitária. “As pessoas podem confundir às vezes, ‘ah, querem fazer o que bem entendem’. A autonomia é muito importante para nós. Significa que não vamos estar sujeitos a um partido político, a um indivíduo, ao mercado. Vamos abrigar todas ideias”.

Modelo paulista de autonomia traz vantagens 

Nas universidades estaduais de São Paulo, também se estabeleceu a autonomia universitária no processo de redemocratização do país. A diferença é que por lá foi estabelecido que 9,57% da arrecadação de ICMS iria para as três universidades públicas (USP, UNICAMP e UNESP). “Uma vez que são repassados esses recursos, eles são administrados livremente. Existe uma previsibilidade. No modelo federal, não há essa previsão. Não há nada que garanta mesmo recursos básicos para manutenção”, afirma Nina Beatriz Stocco.

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Por Sul21

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