Enquanto atrasa vacinas, Bolsonaro manobra para armar milícias
No Senado, base governista impede análise de projeto que derruba decretos das armas de Bolsonaro, que podem entrar em vigor na terça-feira (13). Supremo deve analisar inconstitucionalidade das medidas
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Se Jair Bolsonaro se dedicasse à aquisição de vacinas da mesma forma como se dedica ao aumento de armas de fogo no país, os brasileiros certamente estariam em situação muito melhor. A última manobra do presidente para deixar o Brasil ainda mais violento e inseguro ocorreu nessa quinta-feira (8), quando a base governista conseguiu adiar a análise do Projeto de Decreto Legislativo nº 55/2021.
De autoria do senador Paulo Rocha (PT-PA), o PDL 55 busca derrubar os decretos presidenciais que facilitam a aquisição, o registro e o porte de armas de fogo. O texto seria analisado na quinta-feira, mas o relator da proposta, Marcos do Val (Podemos-ES), não apresentou seu relatório, com a desculpa de que não teve tempo para prepará-lo. O PDL é de 18 de fevereiro.
O governo tenta, assim, “ganhar no tapetão”, uma vez que os decretos armamentistas de Bolsonaro passam a valer na próxima terça-feira (13). Tudo para que Bolsonaro possa, como já denunciou Paulo Rocha, continuar usando o armamento do país como instrumento de disputa política (veja vídeo abaixo).
STF pode barrar as milícias
O Partido dos Trabalhadores tem denunciado os malefícios que serão causados ao país caso entrem em vigor os decretos de Bolsonaro, assinados em fevereiro passado, pouco antes do carnaval. Entre os efeitos, estão a maior dificuldade de rastrear os armamentos; a flexibilização dos critérios psicológicos que definem quem pode ou não pode possuir uma arma de fogo; e o aumento do número de armas que cada pessoa pode ter, que, em alguns casos, chega a 60.
Por isso, ainda em fevereiro, o PT, assim como outros partidos de oposição, recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo que a Corte avalie a inconstitucionalidade da medida. Como denunciou na ocasião a presidenta nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), Bolsonaro não busca deixar o país mais seguro, e sim dar um tom legal ao armamento de milícias.
Liberação de 4 p/ 6 armas por pessoa, podendo chegar em alguns casos a 15, ñ é p/ atender clamor do povo, q está c/ dificuldade de comprar comida, que dirá armas. É Bolsonaro armando suas milícias. Congresso e Supremo precisam frear isso. Entramos c/ medidas nas duas Casas
— Gleisi Hoffmann (@gleisi) February 15, 2021
Diante das dificuldades impostas pela base governista no Congresso, os partidos de oposição alertaram a relatora do tema no STF, ministra Rosa Weber, sobre a possibilidade de os decretos entrarem em vigor sem a devida discussão. Segundo a Agência Estado, Weber pautará as ações de inconstitucionalidade contra os decretos na próxima semana.
Escalada de violência
Na visão do Partido dos Trabalhadores, os decretos de Bolsonaro são inconstitucionais porque banalizam o acesso às armas, gerando uma clara situação de insegurança no país. “A Constituição da República, quando garante a todos os cidadãos o direito fundamental à vida e à segurança, veda a banalização do armamento da população”, escreveu o partido na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) entregue no STF.
Os decretos, se mantidos, vão agravar ainda mais a banalização estimulada por Jair Bolsonaro desde que tomou posse como presidente. Em março passado, organizações não governamentais brasileiras denunciaram, no Conselho Internacional de Direitos Humanos da ONU, a “política de morte” implementada pelo atual governo.
Segundo os dados apresentados ao conselho, em 2020, 43 mil pessoas foram assassinadas no país, 70% delas com armas de fogo. Além disso, números do Ministério da Economia mostram que mais de US$ 29,3 milhões em revólveres e pistolas ingressaram no país ano passado. É a maior média da série histórica, iniciada em 1997. Já a Polícia Federal registrou quase 180 mil novas armas no ano passado. Hoje, o país tem 1,1 milhão de armas legais nas mãos de cidadãos — 65% mais do que o acervo ativo de dezembro de 2018, antes de Bolsonaro tomar posse.
Em 17 de março, quando já cobrava a votação do PDL 55, o senador Humberto Costa (PT-PE) denunciou o “derrame” de armas de fogo no país, que coloca o Estado de Direito em risco. “Nós não temos vacinas no país porque o presidente da República se recusou a comprar. O resultado disso é um recorde consecutivo de mortes pela covid, que vemos todos os dias. No entanto, estamos importando armas de fogo como nunca. O Brasil está vivendo um verdadeiro derrame de armas letais. Isso é um risco para a democracia. O que está havendo é o armamento de uma parcela da população civil, é o armamento de milícias para atender aos interesses de Bolsonaro e seu grupo”, afirmou Costa, que é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Casa.
Frente Parlamentar pelo Desarmamento
Na quinta-feira, apesar da manobra do governo que impediu a votação do PDL 55, houve uma vitória na guerra contra a sanha armamentista de Bolsonaro. O plenário do Senado aprovou o Projeto de Resolução nº 12/2021, relatado pelo senador Paulo Rocha, que cria a Frente Parlamentar pelo Desarmamento.
“Está mais do que evidente que o mercado legal de arma de fogo alimenta a criminalidade e aumenta o número de homicídios. E o mais grave, é que a população mais atingida por esse tipo de armamento é aquela que diariamente sofre os mais diferentes tipos de violência, o negro, o pobre, a população LGBT e o trabalhador do campo”, afirmou Rocha.
Da Redação, com PT no Senado, Poder 360 e UOL