Ex-reitor da UnB repudia criminalização de movimentos e defende reforma agrária

Para José Geraldo de Souza Júnior, que é doutor em direito, a ocupação de terras do latifúndio é um movimento legítimo que visa apenas o cumprimento da Constituição Federal

Gustavo Bezerra

Deputada e presidenta do PT Gleisi Hoffmann critica bolsonaristas na CPI do MST

O ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) José Geraldo de Souza Júnior afirmou durante audiência pública nesta quarta-feira (14), na CPI do MST, que os movimentos sociais que defendem a democratização da terra são essenciais para a consolidação da democracia brasileira, principalmente em função da luta para a implementação da reforma agrária. Segundo José Geraldo de Souza Júnior, que é doutor em direito, a ocupação de terras do latifúndio é um movimento legítimo que visa apenas o cumprimento da Constituição Federal.

“Caminhamos por cinco séculos de história do latifúndio nesse País. Por isso, a luta pelo acesso à terra, por meio da reforma agrária prevista pela Constituição, politiza o nosso processo democrático. O próprio STJ (Superior Tribunal de Justiça) já descriminalizou – em acordão – as ações de ocupação no Pontal do Paranapanema que tinham como finalidade se fazer cumprir a Constituição”, observou o jurista.

Segundo o ex-reitor da UnB, no voto do então ministro do STF, Luiz Vicente Cernicchiaro – que também presidia a reforma do Código Penal à época -, o magistrado disse que não se podia “condenar como esbulhador quem ocupa (núcleo político) terra para cumprir programa previsto na Constituição de realização da reforma agrária”. Nesse caso, o ex-ministro discorreu sobre um processo que tratava acerca da criminalização do chamado “esbulho possessório” (retirada de um bem que está sob a posse ou propriedade de alguém).

Desconhecendo essa decisão, parlamentares bolsonaristas voltaram a insistir que as ocupações realizadas pelo MST, e por outros movimentos que defendem a democratização da terra, são crimes.
Em defesa do movimento social, o jurista José Geraldo de Souza Júnior observou ainda que o MST tem sua luta em defesa da reforma agrária reconhecida em todo mundo, inclusive com representantes do movimento sendo recebidos por monarcas e primeiros-ministros ao redor do mundo. O ex-reitor também lembrou que foi o MST que distribuiu, durante a pandemia da Covid-19, cerca de 2,5 milhões de toneladas de alimentos a pessoas em situação de insegurança alimentar, em uma demonstração de solidariedade em meio ao sofrimento da população mais pobre do País.

Defesa da Reforma Agrária

Ao se posicionar a favor da reforma agrária, apesar das declarações contrárias de deputados bolsonaristas – inclusive do relator da CPI, deputado Ricardo Salles (PL-SP) – que invocavam supostos altos custos dos assentamentos como empecilho, o jurista citou a declaração de um promotor de justiça favorável à democratização do acesso à terra no Brasil. Esse magistrado, segundo José Geraldo Junior, disse que a reforma agrária “não é apenas a emancipação do povo trabalhador, mas também a democratização do acesso à terra e uma nova forma de produção econômica ecologicamente sustentável no campo”.

Ataques ao MST

Como rotineiramente tem ocorrido nas reuniões da CPI, deputados bolsonaristas utilizaram o tempo de suas perguntas para tentar criminalizar o MST e rebaixar a importância da reforma agrária. O relator Ricardo Salles, por exemplo, disse que o MST comete crimes – sem apresentar provas – e novamente ressaltou que a reforma agrária não deve ser realizada no País. Segundo ele, o valor para criar um assentamento não traria o retorno financeiro satisfatório para uma família no campo.

Após ouvir a retórica contrária ao MST e a reforma agrária, o ex-reitor da UnB ironizou afirmando que viu nas palavras de Ricardo Salles uma “prévia” do relatório final da CPI.

Autoritarismo na CPI

Antes da audiência pública, a CPI foi palco de novas demonstrações de autoritarismo por parte do presidente do colegiado, o deputado Tenente-Coronel Zucco (Republicanos-RS), declaradamente inimigo do MST. Sob protestos de deputados do PT e do PSOL, ele colocou em votação um requerimento da deputada bolsonarista Caroline de Toni (PL-SC) – que nem mesmo estava na pauta de votação – que prevê a requisição pela atual CPI de documentos sigilosos de outras CPI’s já ocorridas na Câmara que investigaram o MST e o Incra.

A presidenta nacional do PT e integrante da CPI, deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), disse que o pedido não tinha previsão legal e que envolvia quebras de sigilos que não foram solicitadas na atual investigação. “Se a intenção é ter acesso a documentos que não são sigilosos (de CPI’s passadas) bastaria requerer as informações aos anais (arquivos) da Câmara, que é público. O que se quer, na verdade, é ter acesso a dados sigilosos. O STF já tem jurisprudência que a requisição de informações sigilosas de CPI deve ter fundamentação, e não serem genéricas como nesse caso, sob pena de se cometer uma ilegalidade”, declarou.

Por sua vez, o deputado Paulão (PT-AL) ressaltou que esse pedido é uma afronta às regras do Estado Democrático de Direito. “Essa questão diz respeito ao direito ao sigilo, garantido pela Constituição. Quando se pede acesso a essas informações, de forma genérica, se permite a quebra de sigilo de forma difusa. Isso é inconstitucional. Qualquer partido, ou pessoa atingida, poderá entrar com ação judicial e vai ganhar a causa”, avisou o petista.

Da mesma forma, a deputada Natália Bonavides (PT-RN) – que estreou hoje na CPI como integrante titular – também criticou o pedido de informações sigilosas de outras CPI’s. “Como se pede acesso a documentos que essa CPI nem mesmo sabe se vão contribuir com a atual investigação? Isso apenas mostra a falta de objeto dessa CPI, que vota um requerimento sem apresentar o que ser quer saber ou o que está procurando”, afirmou.

Já o deputado Valmir Assunção (PT-BA) ressaltou que a apreciação desse requerimento demonstra que o relatório final desse colegiado já está pronto, antes mesmo do final da CPI. “Estão tentando construir um relatório com os de outras CPI’s que já ocorreram nesta Casa. Isso é mais uma ilegalidade dessa CPI que faz diligência para invadir a casa dos outros, como fez o relator em São Paulo. Vossas excelências (se referindo aos bolsonaristas) não querem ouvir o contraditório. Isso é autoritarismo e não cabe em uma casa parlamentar em um período democrático”, reclamou.

Apesar dos protestos, a maioria bolsonarista na Comissão aprovou o requerimento. Foram 16 votos favoráveis e oito contrários à requisição de documentos sigilosos de outras CPI’s.

Do PT na Câmara

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