França retomará controle total de sua empresa energética
Governo anuncia a nacionalização da estatal EDF para garantir a soberania do país. Ao contrário do que fizeram os vendilhões da pátria Jair Bolsonaro e Paulo Guedes
Publicado em
Após o desgoverno Bolsonaro criminosamente entregar em junho ações com direito a voto da Eletrobrás para a iniciativa privada, o governo francês avança em seu projeto de reindustrialização do país e proclama a retomada do controle acionário absoluto da EDF (Electricité de France). O anúncio foi feito pela primeira-ministra Elisabeth Borne na Assembleia Nacional, nesta quarta-feira (6).
“A emergência climática requer decisões fortes, radicais. Temos de ter controle completo da produção e do nosso futuro na área de energia”, disse Borne ao expor as prioridades do governo aos parlamentares. “Devemos garantir nossa soberania diante das consequências da guerra (na Ucrânia) e dos colossais desafios que estão por vir. É por isso que confirmo a intenção do Estado de possuir 100% do capital da EDF.”
“Esta evolução permitirá à EDF reforçar as suas capacidades para levar a cabo no menor tempo possível os seus ambiciosos e indispensáveis projetos para a nossa energia futura”, prosseguiu a primeira-ministra. Ela descreveu a decisão de nacionalização como parte de uma estratégia para construir “uma França mais forte em uma Europa mais independente”. “Não podemos mais confiar no gás e no petróleo russos”, afirmou.
LEIA MAIS: Eletrobras: países ricos mantêm controle estatal de hidrelétricas
O anúncio da primeira-ministra ocorreu horas depois que o Parlamento Europeu aprovou um plano da União Europeia (UE) para incluir gás natural e energia nuclear na lista de atividades sustentáveis do bloco. França e Europa lutam para encontrar novas fontes de energia e reduzir a dependência do petróleo e gás russos em meio a temores de uma emergência energética no próximo inverno.
“A conversão ecológica passa pela energia nuclear, uma energia livre de carbono e soberana”, defendeu Borne, assegurando que o objetivo é abandonar os combustíveis fósseis, como gasolina e diesel, migrando para uma matriz energética ecológica e sustentável. “Queremos ser a primeira grande nação a sair dos combustíveis fósseis”, disse ainda a primeira-ministra, falando em “uma ecologia do progresso”.
A França investiu pesadamente em energia nuclear durante os choques do petróleo da década de 1970. O país depende de usinas atômicas para gerar 70% da energia elétrica consumida em seu território, mais do que qualquer outra nação. A EDF atende a dezenas de milhões de clientes na França e em vários outros países.
LEIA MAIS: Vender a Eletrobrás compromete soberania energética e aumenta tarifas
Atualmente, o Estado francês detém participação de 84% na EDF, uma das maiores produtoras de eletricidade do mundo. A empresa foi parcialmente privatizada no início dos anos 2000. As ações atingiram uma alta histórica em 2007, mas desde então caíram 90%, para abaixo do preço pelo qual o governo francês abriu o capital da companhia na Bolsa de Paris, em 2005, sob um impulso de privatização da União Europeia.
A primeira-ministra não descreveu em detalhes como se dará a operação para o governo recuperar o controle total da EDF. Mas as ações da empresa saltaram de uma queda de 5% para alta de até 9% após o discurso dela.
Macron quer mais energia para reindustrializar a França
A EDF administra a frota de reatores nucleares da França, que enfrenta uma série de problemas técnicos. As obras dos reatores de nova geração estão atrasadas e o orçamento para construção de usinas nucleares na França e no Reino Unido estourou. A empresa teve que reduzir repetidamente as previsões de produção nos últimos meses após uma série de desligamentos de reatores para manutenção e inspeções.
Metade dos reatores na França estão desconectados do sistema, em parte por causa de problemas técnicos ligados à corrosão em tubos. Vários reatores com esses defeitos estão sob investigação.
Na véspera do discurso de Borne, uma executiva da EDF admitiu que a empresa pode ser forçada a cortar ainda mais a produção por causa dos períodos de calor prolongado esperados para este verão. As estiagens podem reduzir o volume de água dos rios usada para resfriar os reatores nucleares. Há regras para limitar a produção nuclear em épocas de calor excepcional e baixos níveis de água, para evitar danos à vida selvagem local.
LEIA MAIS: Especialistas: povo vai pagar a conta da privatização da Eletrobras
“Temos um ano peculiar devido à seca que começou cedo, especialmente no sudeste da França. Mas geralmente há um pouco menos de água disponível este ano”, disse Catherine Laugier, Diretora de Meio Ambiente da EDF, em entrevista coletiva.
“Tivemos alguns cortes de produção entre o final de maio e o início de junho. Isso foi realmente muito cedo. E há algumas avaliações globais sugerindo que este pode ser um verão muito longo e os níveis podem ser afetados em setembro”, explicou Laugier.
Durante a campanha pela reeleição, em fevereiro, o presidente Emmanuel Macron disse que a EDF seria estatizada para sustentar a independência energética da França e as metas de neutralização de emissões de carbono. Ele anunciou a retomada da produção de eletricidade nuclear com a construção de 14 novos reatores.
“Precisamos retomar o fio da grande aventura da energia nuclear civil na França, junto ao impulso das energias renováveis, para cobrir as futuras necessidades crescentes de eletricidade”, afirmou Macron na época. “O que temos que construir hoje, porque é o bom momento, é o renascimento da indústria nuclear francesa.”
Macron afirmou ainda que passara a missão de estatizar completamente o setor de energia do país para a primeira-ministra Elisabeth Borne. “Não há produção industrial estável se não houver energia estável a preços mais competitivos”, destacou o presidente francês.
Requião: privatizar energética é “incompetência e ignorância”
Pré-candidato do PT ao governo do Paraná, o ex-senador Roberto Requião criticou o governador Ratinho Junior (PSD) pela intenção de privatizar a companhia de energia do estado (Copel). “A França parte para o controle de 100% de suas empresas de energia”, tuitou Requião. “Mas aqui no Paraná o rato é a favor da venda das empresas, da Copel, da Sanepar, da Petrobras e da Eletrobras. Quanta incompetência e ignorância!”
Na contramão do mundo desenvolvido, desde o último dia 9 de junho a Eletrobras não é mais, oficialmente, uma empresa estatal. Por R$ 33,7 bilhões, a maior oferta de ações da bolsa brasileira em 2022 até agora, a União reduziu sua participação no capital votante da empresa de 72% para 40,3%.
Na ocasião, operadores da Bolsa de São Paulo Fontes afirmaram que apenas dois megainvestidores – o fundo de pensão Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB) e a holding Itaúsa (ITSA4) – teriam abocanhado algo em torno de R$ 13 bilhões em ações.
Também houve grande interesse por parte dos fundos que já eram acionistas da companhia em exercerem seu direito de preferência para não terem as posições diluídas. Cerca de 45% dos investidores eram estrangeiros.
Assim que o leilão de ações foi concluído, surgiram reportagens na mídia corporativa apontando os efeitos da operação para a população, particularmente no valor das contas de luz. (https://pt.org.br/especialistas-povo-vai-pagar-a-conta-da-privatizacao-da-eletrobras/)
Há anos, lideranças do movimento sindical e parlamentares do PT e da oposição alertam para o crime de lesa-pátria que ocorreria caso a Eletrobras fosse privatizada.
Alguns dias após o leilão, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) concedeu reajustes de até 63,7% para as bandeiras tarifárias das contas de luz, a partir de julho.
Em entrevistas e discursos, Luiz Inácio Lula da Silva vem reiteradamente se manifestando de forma contrária às privatizações movidas por Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes. Também afirmou que em um eventual terceiro governo iria mobilizar a sociedade para a retomada do controle das empresas privatizadas pelo Estado, como agora faz o governo de Emmanuel Macron.
Da Redação, com informações de agências