Justiça condena assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes

Ronnie Lessa, que fez os disparos, recebeu pena de 78 anos de prisão, e Élcio Queiroz, o motorista do carro usado no crime, 59, após dois dias de julgamento no 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro

Tânia Rêgo / Agência Brasil

O atentado contra uma mulher negra eleita democraticamente, em 2016, escancarou o modus operandi de uma política suja que não aceita ver mulheres em postos de destaque

Após dois dias de julgamento, o 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro proferiu, na quinta-feira (31), uma das decisões mais aguardadas pelo país: a condenação dos assassinos confessos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, executados em 14 de março de 2018. 

Ronnie Lessa, autor dos disparos, foi condenado a 78 anos e 9 meses de prisão, e Élcio de Queiroz, que dirigiu o carro, a 59 anos e 8 meses de prisão. Os dois ex-PMs foram enquadrados nos crimes de duplo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emboscada e recurso que dificultou a defesa da vítima), tentativa de homicídio contra Fernanda Chaves, assessora de Marielle que sobreviveu ao atentado, e receptação do Cobalt prata, clonado, que foi usado no crime.

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O atentado contra uma mulher negra eleita democraticamente, em 2016, escancarou o modus operandi de uma política suja que não aceita ver mulheres em postos de destaque, lutando por uma sociedade mais justa e igualitária. A condenação dos assassinos de aluguel mostrou para o Brasil que a justiça existe, mesmo que tardia. Ela também deixa claro que a violência política de gênero e raça não são toleradas em nenhum espaço. 

“Talvez justiça fosse Marielle e Anderson presentes”

Muito emocionadas, as famílias das vítimas do crime estavam presentes durante a leitura da deliberação da juíza Lúcia Glioche, que fixou as penas e manteve a prisão preventiva dos dois condenados, negando a eles o direito de recorrer em liberdade.

“A sentença que será lida, agora, talvez não traga aquilo que se espera da Justiça. Talvez justiça que tanto se falou aqui fosse que o dia de hoje jamais tivesse ocorrido. Talvez justiça fosse Marielle e Anderson presentes. Como se justiça tivesse o condão de trazer o morto de volta”, afirmou Glioche. “A sentença não serve para tranquilizar as vítimas, que são Marinete, mãe de Marielle; Anielle, irmã de Marielle; Mônica, esposa de Marielle; Luyara, filha de Marielle; Ágatha, esposa de Anderson, e Arthur, filho de Anderson. A pessoa que é assassinada deixa uma falta, uma carência, um vácuo”, acrescentou.

“A magistrada prosseguiu: “A sentença que será dada agora talvez também não responda à pergunta que ecoou pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, do Brasil e do mundo: quem matou Marielle e Anderson? A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega. A Justiça chega mesmo para aqueles que, como os acusados, acham que jamais vão ser atingidos pela Justiça. Com toda dificuldade de ser interpretada e vivida pelas vítimas, a Justiça chega aos culpados e tira deles o bem mais importante depois da vida, que é a liberdade”.

Indenização

Lessa e Queiroz também foram condenados a pagar pensão de um salário mínimo até aos 24 anos ao filho de Anderson, Arthur, além de pagar juntos 706 mil reais de indenização por dano moral para cada uma das vítima, além de pagarem as custas do processo.

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Ao final do julgamento, Marinete da Silva, mãe de Marielle, classificou o dia de ontem como histórico: “Acho que depois de 6 anos, 7 meses, 17 dias, nós estamos aqui hoje para dizer que a impunidade não pode nunca ser normal nesse país, não só com Marielle, mas com todas as mães que perderam seus filhos, que perderam seus maridos, essas mulheres que estão aí nessa luta constante, para a gente ter o que está vivendo hoje, uma condenação justa, digna, pela memória, pela história, pelo Anderson, que saiu naquele dia para trabalhar, por Marielle e por todos que estão hoje ainda sem ter justiça digna neste país, por isso que nós estamos aqui, é uma vitória sim, vamos continuar não acaba por aqui, a nossa luta vai continuar.”

Para a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, irmã de Marielle, o resultado do julgamento representa o começo da justiça a ser feita, mas que a luta ainda não acabou: “Quando assassinaram a minha irmã eles não imaginavam a força que esse país se levantaria, que esse mundo se levantaria. Hoje foi um pedaço de uma resposta, a justiça começou a ser feita, e eu repito mais uma vez o que a Luyara, a Mônica, minha mãe, meu pai têm dito nos últimos meses: que a justiça mesmo teria sido, se a gente não tivesse aqui hoje. As pessoas precisam parar de normalizar corpos negros sendo tombados nesse país. A luta continua ainda, a gente não vai parar aqui. Ainda tem muita coisa pela frente, mas isso aqui era um grito que estava guardado na nossa, Uma dor que estava guardada no coração.” 

Luyara Franco, filha de Marielle, disse que foi bastante exaustivo reviver durante os dois dias de julgamento toda a dor de perder a mãe: “Depois de quase sete anos é muita dor ter que reviver tudo isso ao longo desses dois dias, mas saber que agora temos duas pessoas realmente responsabilizadas pelo caso (…) hoje eu tenho certeza que a minha família e a família do Anderson vão dormir um pouco mais tranquilas com esse primeiro passo, mas a gente tem muito ainda pela frente.”

Sem perdão

,Antônio Francisco da Silva Neto, pai de Marielle, questionado se iria perdoar os assassinos da filha, afirmou que não: “Eu, como católico, eu até posso pensar em perdoar, mas eu não vou perdoar nunca, porque o assassino confesso da Marielle e do Anderson que não deram a eles nenhum direito de defesa, eles não merecem o perdão. Eles merecem a pena dura que foi imposta a eles, porque ninguém tem o aval para receber e assassinar nenhuma pessoa, nenhum ser humano. A Marielle incomodava eles? Não. A Marielle não incomodava. A Marielle estava fazendo o trabalho dela, o trabalho correto, o trabalho de quem preza e quer uma sociedade mais justa e mais igualitária. Esses foram os valores que nós passamos para ela. E ela seguia, seguia essa reta, seguia esse rito, seguia em frente. E eles covardemente assassinaram a nossa filha juntamente com o Anderson”, desabafou Antônio.

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A viúva de Anderson, Ágatha Arnaus, afirmou que nunca vai ter uma justiça que, de fato, traga essa sensação de que foi resolvido para as famílias, pois haverá sempre um buraco eterno: “O Anderson era louco para ser pai e o Arthur foi uma escolha nossa, nós escolhemos ter e  cuidar do Arthur. Então hoje vou chegar em casa contente de poder contar para o Arthur o que aconteceu hoje aqui, e espero que um dia ele também esteja orgulhoso de como foi para chegar até aqui.” 

Da Redação do Elas por Elas, com informações da Globo News e da Agência Brasil 

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