Luiz Azevedo: Planejamento e diálogos estratégicos articulam lutas do presente com construção do futuro

Rancor e ódio dos direitistas não devem ser enfrentados com mais ódio, mas por ações sintonizadas com os problemas concretos do povo, avalia sociólogo

Ricardo Stuckert
Tribuna de Debates do PT

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em encontro do MST

Em face da derrota do projeto democrático popular de esquerda por um articulado golpe legislativo que resultou em um governo de direita, ganha importância a necessidade da realização de diálogos e planejamentos estratégicos em todas as esferas e áreas do movimento social e de esquerda. Com a proximidade do Congresso do Partido dos Trabalhadores, os diálogos estratégicos em torno do futuro e dos caminhos para construí-lo são mais importantes do que as disputas focadas em apontar responsáveis por este ou aquele erro que contribuiu para o golpe.

Como disse em 1998 Marco Aurélio Nogueira, referindo-se ao período do governo FHC, “a época precisa de uma esquerda vigorosa, ciente dos desafios, impregnada de valores e utopias, disposta a resgatar uma combatividade política inteligente, democrática e de massas”. Mais que isso, é preciso “reafirmar a consanguinidade entre reformismo e esquerda e demonstrar que a concepção de reforma que tem a esquerda é a única capaz de se pôr na perspectiva da totalidade dos homens, dos iguais e, particularmente dos desiguais” (NOGUEIRA, 1998, p. 17).

Essas palavras poderiam ser reescritas perfeitamente no cenário atual. Para conseguir ser aquela esquerda vigorosa citada, nos dias atuais é preciso superar as disputas centradas na manutenção ou conquista de espaços em um sistema político falido. É necessário que os diálogos estratégicos e os planejamentos que o acompanham iluminem as ações do presente, para que elas contribuam efetivamente na construção do futuro. Neste caminho é imprescindível que a esquerda consiga ser portadora de um projeto capaz de empolgar e mobilizar as forças necessárias para substituir o sistema político atual.

O rancor e o ódio dos direitistas não devem ser enfrentados com mais ódio, mas por ações sintonizadas com os problemas concretos do povo no presente e com uma visão de futuro que revele um novo sistema político. Por uma visão estratégica, que explore as contradições inerentes ao governo golpista e seus aliados na sociedade – como de certa forma tem sido feito – e articule, em torno de proposições substantivas, um novo projeto de poder, com narrativas e discursos renovados, com redefinições programáticas e organizativas. Relembrando Gramsci, que dispute efetivamente a hegemonia no campo das ideias e das práticas políticas, buscando reconquistar amplas parcelas da sociedade para a proposta de um novo sistema político. Enfim, a partir dos enfrentamentos dos problemas tal e qual são vivenciados pelo povo, disputar mentes e corações.

Em contraposição ao senso comum derivado de sistemática campanha contra a política é preciso realçar que um novo sistema político, renovado – e que contemple elementos de democracia representativa e direta – pode ser o caminho para auxiliar os homens a tentar o impossível para, com isso, acumular forças para realizar o possível e ir além. Desse ponto de vista, o momento é ótimo para exercícios de planejamento, de probabilidade e de reativação utópica. Ou será que as chances de um futuro melhor aumentarão sem a presença de uma esquerda vigorosa, ciente de si e de suas responsabilidades? (NOGUEIRA, 1998, p. 18)

Enfim, na disputa com o governo golpista e as forças sociais e políticas que lhe dão sustentação é necessário apresentar um novo projeto de poder, que contemple a reinvenção das instituições básicas da política. Só desta forma será possível se contrapor ao individualismo e às ideias e práticas impregnadas de autoritarismo, defendendo “uma ideia nova de vida coletiva, fundada em liberdades individuais, justiça social, participação democrática e representação política” (idem, p. 18).

Não há como construir esse projeto sem que, ao lado dos atuais embates, haja um processo que busque conhecer as formas particulares como as classes populares interpretam os problemas que as afetam e os responsáveis pela sua existência; as razões que as levam ao descrédito em relação aos partidos e à política. É preciso mais do que pesquisas de opinião. Os diretórios municipais poderiam ser mobilizados e devidamente orientados a realizarem atividades em suas cidades, visando explorar melhor as razões do descrédito na política e, em particular, no PT.

As classes populares já não se sentem representadas e tampouco acreditam nas formas de representação e governança atuais. Não se trata apenas de modificar o sistema eleitoral ou de partidos, mas de repensar como construir um sistema político no qual haja uma profunda interação entre representantes e representados, de tal forma que se reduza substancialmente a capacidade de manipulação dos meios de comunicação.

A correta interpretação deste fenômeno é condição essencial para a construção de uma proposta de reforma do sistema político que supere o desacreditado atual sistema. E que contribua para superação de um dos principais problemas da atualidade: a descrença nos políticos e o esvaziamento da política.

A grande imprensa e as redes sociais mobilizadas pela direita agem no largo espaço existente entre direção e base, difundindo a ideologia e os valores da classe dominante. Ideias e valores que impregnam todos os ambientes e esferas da vida social. Não é surpreendente que mesmo nossa militância ocasionalmente se envolva em proposições que servem mais aos interesses da direita do que propriamente aos da esquerda. É o que estamos presenciando ocorrer com a votação das proposições contra a corrupção em tramitação no Congresso. Alguém tem alguma dúvida de que o principal objetivo das forças de direita e da mídia é desmoralizar a política para aumentar a sua própria musculatura, priorizando atingir os parlamentares do PT?

As estruturas partidárias da esquerda precisam ser repensadas, de forma a possibilitar que haja uma efetiva interação entre a base e as direções em torno das ideias, dos problemas e dos desafios que permeiam a vida partidária. Isso implica considerar, além dos eventos presenciais, aqueles realizados por meio de redes sociais.

Já não é possível que poucos decidam sem considerar as distintas realidades e opiniões existentes. Não se trata de um problema reduzido à disputa entre as correntes de opinião, mas problemas que dizem respeito a uma legião de pessoas, que de alguma forma tem interesse que uma esquerda fervorosa, comprometida com os interesses do povo, da democracia e da liberdade, tenha força para derrotar o projeto neoliberal de direita e recolocar o país nos trilhos do desenvolvimento, do combate ao desemprego, da distribuição de renda e da paz. De novo, Nogueira nos aponta caminhos:

Se o sistema de representação falha, engolido pela sociedade midiática, e se não é mais possível confiar muito no Estado como instrumento de defesa dos direitos humanos e das conquistas sociais, talvez seja mesmo necessário multiplicar os espaços sociais politicamente qualificados, isto é, capacitados para promover formas novas de solidariedade, de agregação, de controle sobre o Estado, o mercado e o capital. Talvez seja mesmo indispensável pôr em curso uma radical reforma política, fundar inúmeras instituições do cidadão que alarguem a representação e permitam que os sujeitos sociais tenham voz ativa, participem das decisões governamentais e controlem a política (idem, p.19).

Estas mudanças não podem desconsiderar o Estado e tampouco o parlamento. Devem desenvolver formas de possibilitar que além da democracia representativa haja meios de participação direta da população nas decisões. Os meios eletrônicos disponíveis tornam possíveis inúmeras formas do povo falar e ser ouvido. Possibilitam, enfim, reduzir significativamente o poder de manipulação dos meios de comunicação, que fomentam o descrédito na política como forma de realçar seu poder e sua influência.

Este problema não foi enfrentado. O descrédito na política cresceu, as redes sociais são canais importantes para nossa defesa, mas têm servido muito mais aos propósitos das elites empresariais e forças políticas de direita, que dispõem de recursos que não temos para as usar de forma complementar ao controle que exercem sobre os meios de comunicação de massa.

Estes instrumentos têm possibilitado às forças golpistas imputar ao Partido dos Trabalhadores a culpa pela crise econômica e social. Os meios de comunicação que a esquerda dispõe tem um alcance reduzido, incapaz de fazer frente ao uso de robôs na internet, aos programas jornalísticos das TVs e emissoras de rádio e ao noticiário impresso.

Esta contradição continua presente. Ao não ter uma resposta a ela, a esquerda e o governo deixaram espaços para a expansão dessa onda renovada do neoliberalismo. Apoiados por forças internacionais conservadoras, a direita e o centro utilizaram os meios midiáticos e as redes eletrônicas para desconstruir, no imaginário popular, o que representaram os governos Lula e Dilma e o que representam as principais lideranças sociais de esquerda na luta para que haja uma forte inclusão social dos pobres deste país.

Vivenciamos uma guerra de posições na qual nossa narrativa tem sido incapaz de manter ao nosso lado os aliados e grande parte das classes populares. E nossas proposições e ações práticas foram incapazes de sensibilizar e colocar em movimento milhares de trabalhadores e setores sociais que foram muito bem atendidos pelo nosso governo.

Independente de ter ou não ocorrido um afastamento do governo em relação aos movimentos sociais, eles ocuparam as ruas e fizeram tudo que estava ao seu alcance para defender a democracia e os avanços sociais ocorridos nos últimos 13 anos. Entretanto, o governo não se preparou para enfrentar a reação das elites ao processo de distribuição de renda e de inclusão social com a chegada da crise. Reação esta que teve início em 2013 e ficou evidente na disputa eleitoral de 2014, quando 60% dos parlamentares eleitos fizeram campanha para Aécio Neves no segundo turno. É neste contexto que deve ser compreendida a crescente perda de governabilidade e desagregação da base de sustentação do governo, que resultaram no impeachment.

Foi e continua a ser a ausência de uma proposta que represente de fato uma verdadeira ruptura com o sistema político desacreditado e a ausência de um trabalho organizativo junto aos principais setores sociais beneficiados pelas nossas políticas públicas nossas principais fragilidades. A sua superação passa por um amplo diálogo e entendimento entre as forças sociais democráticas e de esquerda, o que é imprescindível fazer paralelamente à preparação do Congresso do Partido dos Trabalhadores.

Texto Citado: Nogueira, Marco Aurélio. As possibilidades da Política, Editora Paz e Terra, 1998, São Paulo

Luiz Antonio Alves de Azevedo, sociólogo, trabalha com planejamento estratégico. Foi Secretário Executivo na Secretaria de Governo, no Ministério das Comunicações, na SRI, assessor especial da Presidência dos Correios, assessor da liderança do PT no Senado, Secretários de Planejamento e Desenvolvimento Urbano e Secretário de Governo em Itajaí (SC), Chefe de Gabinete da Presidência da Assembléia Legislativa de Santa Catarina, Deputado Estadual pelo PT em São Paulo, Secretário de Política Sindical da CUT Estadual São Paulo e Secretário Geral do Sindicato dos Bancários de São Paulo, dentre outras funções, para a Tribuna de Debates do VI Congresso. Saiba como participar.

ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores

Tópicos:

LEIA TAMBÉM:

Mais notícias

PT Cast