Lula defende humanismo e governança global em discurso na Malásia
Presidente propõe nova era na relação entre os dois países e critica omissão das potências diante de guerras e da crise climática
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Em um discurso de forte apelo humanista, o presidente Lula defendeu neste sábado (25), em Kuala Lumpur, que a relação entre Brasil e Malásia avance para uma nova etapa de cooperação voltada à paz, à justiça social e à preservação do planeta. Ao lado do primeiro-ministro Anwar Ibrahim, Lula exaltou a amizade entre os dois líderes, ambos com trajetórias marcadas por perseguições políticas, e afirmou que a visita “muda de patamar” o vínculo entre os dois países.
“Eu não vim aqui apenas com o interesse de vender ou de comprar. Eu vim dizer que nós temos possibilidade de mudar o mundo. De fazer com que o humanismo não seja derrotado pelos algoritmos”.
A convite do Primeiro-Ministro Anwar Ibrahim, realizo a primeira visita que um presidente brasileiro faz à Malásia em 30 anos. Trago comigo ministros de Estado, para firmar novos acordos de cooperação, e empresários, para abrir novas possibilidades de comércio. E trago também… pic.twitter.com/G4b7LQBCL0
— Lula (@LulaOficial) October 25, 2025
Aliança entre iguais
O presidente brasileiro afirmou que sente em Ibrahim um aliado de destino. “Desde a primeira vez que nos encontramos, tive certeza de que estava diante de um amigo. De alguém que, como eu, tinha sido perseguido, preso, vítima de tentativas de acabar com a sua carreira política. E cá estamos nós dois, para causar um pouco de raiva nos nossos inimigos”, brincou.
Lula destacou que a nova aproximação com a Malásia vai muito além dos interesses comerciais e reafirmou que o Brasil precisa de livre comércio, e não de protecionismo. Segundo ele, o encontro de trabalho entre as delegações dos dois países foi tão produtivo que dispensou a leitura do discurso oficial.
“Há tanta confluência entre os nossos pensamentos que basta agora trabalhar com afinco para que, nos próximos anos, aconteça o que não aconteceu em tantos outros. Porque não é possível que Malásia e Brasil tenham um fluxo comercial de só 6 bilhões de dólares. Alguma coisa está errada.”
Cuidar é governar
Em seu discurso, Lula falou sobre a sua origem humilde e sobre a missão de pensar nos que mais precisam. “Eu não gosto de usar a palavra governar. Eu gosto de usar a palavra cuidar. Porque a nossa missão é cuidar do povo que nós representamos. E cuidar do povo significa cuidar das pessoas mais necessitadas.”
O presidente recordou que, ao assumir o primeiro mandato em 2003, o Brasil tinha 54 milhões de pessoas famintas e que, ao final de 2014, havia deixado o Mapa da Fome, condição à qual retornou após os catastróficos mandatos de Temer e Bolsonaro. “Quando voltei, eram 33 milhões. Em apenas dois anos e meio, nós acabamos com a fome. É plenamente possível. A coisa mais fácil e mais barata é cuidar dos pobres.”
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Humanismo contra a barbárie
O discurso trouxe críticas contundentes à complacência global diante das guerras e crises humanitárias. Lula condenou o prolongamento da guerra entre Rússia e Ucrânia e o genocídio na Faixa de Gaza, denunciando a naturalização da violência. “Quando aceitamos isso como normal, nós não estamos sendo seres humanos. Estamos sendo outra coisa.”
Ele responsabilizou diretamente as potências e os organismos multilaterais pela omissão diante das crises. “O Conselho de Segurança da ONU não funciona mais. Todas as guerras recentes foram determinadas por países que fazem parte dele e não consultaram ninguém.”
O presidente citou o Iraque, a Líbia e a Ucrânia como exemplos de decisões unilaterais que tornaram a ONU “incapaz de exercer governança mundial”.
A COP da verdade
Lula também alertou para a inércia global diante do colapso climático. “Sabemos o que está destruindo o planeta e não tomamos atitude para evitar. O Protocolo de Kyoto até hoje não foi levado em prática. O Acordo de Paris, muita gente não respeita”. E reiterou que a COP30, a ser realizada no Brasil, “será a COP da verdade”.
“Vai ser a hora de dizer se acreditamos ou não na ciência. As pequenas ilhas correm risco, as periferias das grandes metrópoles correm risco. A seca, a chuva, o vento e o furacão atingem sempre os mais pobres. E é hora de agir pensando no planeta, não apenas em cada país.”
Para Lula, a falta de lideranças comprometidas com o bem comum ameaça a própria sobrevivência da humanidade. “Na ausência de lideranças, tudo que é de pior pode acontecer”, advertiu.
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Parceria estratégica e amizade
Ao final, o presidente agradeceu a hospitalidade malaia e lembrou que há 30 anos um presidente brasileiro não visitava o país, enquanto defendeu uma agenda de cooperação tecnológica, comercial e cultural. “Nós precisamos da Malásia e a Malásia precisa do Brasil. Temos que juntar nossas preocupações e trabalhar juntos.”
Com leveza, encerrou convidando o primeiro-ministro a conhecer um pouco do Brasil além dos acordos e reuniões. “Até a dança carioca o primeiro-ministro pode aprender com facilidade. É só deixar um pouco de disponibilidade na sua agenda, porque só agenda de trabalho não dá certo.”
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Uma nova página nas relações Sul-Sul
Com a visita a Kuala Lumpur, Lula se tornou o primeiro presidente brasileiro em três décadas a pisar em solo malaio. A viagem, marcada por gestos de afeto e compromissos concretos, consolida o Brasil como voz ativa do Sul Global e reafirma seu papel como um dos principais articuladores de um novo humanismo internacional, aquele que insiste em colocar a vida acima da guerra e o cuidado acima do poder.
Leia a íntegra do discurso de Lula na Malásia
Da Redação
