Lula diz que é preciso ter imaginação e rodar dinheiro
Em entrevista a rádio da Bahia, ex-presidente critica Paulo Guedes pela insensibilidade com situação dos pobres e diz que governo Bolsonaro trabalha para os ricos. ‘Financial Times’ aponta que esquerda tem chance de voltar ao poder por conta do aumento da desigualdade na América Latina
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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva questionou nesta quinta-feira (16) a política econômica do governo Bolsonaro, apontando que o ministro Paulo Guedes atende às pressões do mercado financeiro e do andar de cima, mas não olha para o povo brasileiro, justamente quando o país enfrenta a pior crise sanitária da história moderna.
“A XP (Investimentos) foi atrás do Guedes para aprovar R$ 1,2 trilhão para salvar essas consultorias de investimentos”, lembrou Lula, em entrevista à Rádio Metrópole, de Salvador (BA), no programa de Mário Kertesz. “Se demora tanto para chegar o dinheiro na mão do pobre, porque chega tão rápido na mão do banqueiro?”, questionou.
Ele cobrou responsabilidade de Bolsonaro na condução da crise e declarou que o governo precisa suprir os estados nesse momento de dificuldade, com a paralisia da atividade econômica no país. “Temos que aproveitar essa febre do coronavírus e repensar as coisas porque está demonstrado que só o Estado tem condições de cuidar disso”, disse.
O ex-presidente defendeu que o governo injete dinheiro na economia por meio de emissão de moeda. “A gente tem que colocar a máquina para rodar dinheiro. Você não vai gerar inflação. Você acha que o Roosevelt estava preocupado com o orçamento quando fez o New Deal?”, citou, lembrando o plano dos Estados Unidos para sair da crise de 1929.
“O Brasil na Guerra do Paraguai gastou o equivalente a 11 orçamentos da União”, destacou Lula. “ O Brasil não tem que ter medo de colocar R$ 300 bilhões novos. Não vai criar inflação nenhuma. Vai apenas alargar a base monetária. É fazer dinheiro para utilizar com o povo, que está numa crise medonha”, defendeu o ex-presidente.
A discussão sobre o papel do Estado é central na condução da crise e na construção do ambiente para a retomada da economia. O debate está sendo travado em vários lugares do mundo. Mesmo liberais como o presidente francês Emmanuel Macron defendem que é preciso rediscutir o fenômeno da globalização e que as nações têm condições de construir uma nova ordem baseada na cooperação e na solidariedade.
O fracasso dos governos neoliberais com receitas ortodoxas para o enfrentamento da crise – como a adotada agora pela dupla Bolsonaro-Guedes e, antes, por Michel Temer – pode resultar numa nova onda para a esquerda voltar em outros países da América Latina. É o que aponta o jornal Financial Times, na edição desta quinta-feira.
Maré voltando
O jornal diz que líderes da ‘maré rosa’ da região veem chance de reavivamento da esquerda à medida que preocupações com a desigualdade e a saúde pública ocupam o centro do palco do debate político na América Latina. Diz o jornal: “Enquanto o coronavírus destrói a América Latina, revelando a fraqueza das provisões sociais e de saúde pública no continente mais desigual do mundo, a esquerda da região sente o cheiro da oportunidade de um retorno”.
A ex-presidenta Dilma Rousseff diz que é chegada a hora de uma “reflexão drástica” sobre o papel do Estado e da saúde pública na região, dizendo que a crise do coronavírus abre oportunidade para discutir “uma nova arquitetura financeira e econômica que não seja neoliberal e que permita reduzir a desigualdade”. Outros ex-chefes de Estado de esquerda concordam.
O ex-presidente do Equador Rafael Correa diz ao Financial Times que o governo lutou para pagar a dívida externa enquanto os corpos das vítimas de coronavírus permaneciam nas ruas da maior cidade do país. “Veja a contradição. [O governo] pagou a dívida externa, o que significa perder vidas porque nossos hospitais não têm equipamentos e eles pararam de pagar salários e nos fazem acreditar que tem que ser assim, os salários podem esperar, mas não o capital”.
A economista Monica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington, avalia que a crise do coronavírus na América Latina se refere à questão da proteção social. Ela afirma que foram expostos os mais vulneráveis ao vírus – os mais pobres da sociedade – que são em maior número.
“O ponto é que (a esquerda) tem uma vantagem. Eles podem dizer que teriam feito um trabalho muito melhor na proteção dos vulneráveis”, afirma. “Se eles se concentrarem na questão da proteção social, muitos deles poderão voltar [ao poder]”.
O jornal relata: “O ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, talvez o mais fervoroso expoente do capitalismo de Milton Friedman na América Latina, foi forçado a reduzir os planos ambiciosos de privatização e diminuir o tamanho do Estado. E, em vez disso, anunciou um pacote de estímulo de US$ 30 bilhões”.
O ex-ministro do governo venezuelano Moisés Naím, agora colunista e membro do Carnegie Endowment, disse acreditar que o coronavírus tem impacto forte sobre a região. “A desigualdade que define a América Latina tem um papel importante na determinação de como você é afetado”, explica.
“Não é verdade que estamos todos juntos nisso… O número de pessoas que morrem entre os pobres será muito maior que a classe média ou a classe alta”. Naím disse que, se vídeos como os que circulam nas mídias sociais de corpos de vítimas de vírus queimados nas ruas da cidade equatoriana de Guayaquil se tornarem comuns na América Latina, os líderes da maré-de-rosa poderão se beneficiar.
Da Redação