Acuados, Trump e Bolsonaro atacam para acobertar incompetência

Acusados de inépcia e negacionismo, os presidentes buscam culpados para seus próprios erros

Mário Oliveira – SECOM

Trabalhadores da saúde, fundamentais no combate à pandemia

Quando a situação não está boa, procura-se um culpado. Essa velha tática de governos pressionados pela sociedade parece unir umbilicalmente Donald Trump e Jair Bolsonaro. Acuados devido aos resultados nefastos de sua própria inépcia, voltam as baterias para múltiplos alvos, tentando se desviar do acúmulo de críticas.

O presidente americano, depois de passar o fim de semana no Twitter atacando o “Partido de Oposição das Fake News”, procurou a mesma imprensa para uma coletiva nesta quarta-feira, 15 de abril, na qual anunciou que os Estados Unidos estão investigando a possibilidade de o novo coronavírus ter escapado por acidente de um laboratório da cidade chinesa de Wuhan, epicentro da doença.

Trump também ameaçou aplicar uma cláusula da Constituição que jamais foi usada na história americana para forçar o Congresso a entrar em recesso, caso os parlamentares não retornem ao Capitólio para suas atividades. O presidente americano ainda prometeu apresentar nesta quinta-feira, 16, planos para reabrir a economia americana. Segundo ele, os Estados Unidos já passaram pelo pico da crise de coronavírus.

Um dia antes, Trump havia convocado outra coletiva para anunciar a suspensão das contribuições de seu país à Organização Mundial da Saúde (OMS), acusando a entidade de “encobrir” a pandemia de coronavírus e de responder de forma inadequada à propagação da doença – mesma acusação que está sofrendo.

Bolsonaro pode pelo menos se vangloriar de ter saído à frente de seu ídolo maior no tratamento com a OMS: desde o ano passado o governo brasileiro não paga as contribuições anuais à instituição, acumulando dívida de US$ 32,4 milhões (R$ 167,3 milhões, pelo câmbio atual) em 31 de março.

Segundo vários veículos de imprensa americanos, com a sequência de ataques, Trump quer desviar a atenção do próprio fracasso na gestão da crise. No comportamento errático, ele e seu similar brasileiro são demasiadamente parecidos.

Em janeiro, pouco depois de assinar acordo comercial com Pequim, Trump elogiou a China por conter o vírus. De fevereiro a meados de março, espalhou o ceticismo, relativizou a escala da crise e criticou a versão “alarmista” que a mídia estaria apresentando. Após a OMS declarar pandemia global, Trump enalteceu pelo Twitter a capacidade americana de superar a crise: “A América vai resolver isso!”, escreveu. Lembram da “gripezinha”?

A demora em reconhecer a gravidade da situação custou caro aos Estados Unidos, país mais atingido pela pandemia. Segundo a Universidade Johns Hopkins, mais de 639 mil pessoas foram infectadas pelo novo coronavírus e mais de 30 mil morreram no país.

Alinhados nos erros

O médico brasileiro Herlen Alencar, especialista em Radiologia Intervencionista de um hospital em Boston, vê o Brasil repetir os erros do grande irmão do Norte. “O Brasil ainda está negando uma realidade, quanto mais tempo você passar negando a realidade, mais chance você está dando ao vírus de se propagar dentro do país”, afirmou ao portal Congresso em Foco. Para ele, foi necessário que os Estados Unidos chegassem ao que ele chama de “realidade inegável” para que Trump mudasse o discurso.

Alencar relatou que em muitos hospitais parte da equipe já foi afastada por contágio e profissionais morreram da doença. A situação já é vista no Brasil. O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) registrou, até esta quarta, 29 profissionais de enfermagem mortos e 3.661 afastados de suas funções em casos suspeitos ou confirmados de Covid-19. A crise decorre principalmente da falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI).

Mantido o nível atual de isolamento social no Brasil, o volume total de infectados pode passar em alguns meses de 3,15 milhões e o de mortos, de 393 mil. É o que diz modelo matemático criado por um grupo de seis pesquisadores ligados às universidades federais de Alagoas e do Rio Grande do Norte e outras instituições.

Segundo matéria da BBC Brasil, no ritmo atual de evolução da pandemia, o volume de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) disponíveis no país não será suficiente para atender a demanda a partir da semana do dia 21 de abril. Embora o país sequer disponha de dados oficiais sobre o número de leitos disponíveis.

Enquanto batia cabeça com o agora ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, Bolsonaro também negligencia o relacionamento com os demais entes da Federação.

No fim de março, governadores e prefeitos resolveram se organizar para minimizar a crise. O primeiro movimento – a compra emergencial de EPIs e respiradores artificiais – já expôs a falta de coordenação entre governos estaduais e a União. O Ministério da Saúde passou a usar a legislação aprovada recentemente para centralizar as compras de produções inteiras de materiais essenciais para o enfrentamento da Covid-19.

Como consequência da disputa com a União, os governadores apelam para a compra direta. O governo do Maranhão mobilizou 30 pessoas e gastou R$ 6 milhões para adquirir 107 respiradores e 200 mil máscaras da China. Após passarem pela Etiópia e São Paulo, os equipamentos foram colocados em avião fretado e desembarcaram em São Luís nesta terça.

Nesta semana, o Ministério da Saúde assinou o segundo contrato para aquisição de mil ventiladores, somando 10.800 aparelhos encomendados desde o início da emergência. Também anunciou a locação de 540 leitos de UTI volantes. Ainda adiantou que 3.391 médicos poderão iniciar as atividades em 1.202 municípios e Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), dentro do Projeto Mais Médicos para o Brasil.

Todas essas iniciativas estão agora ameaçadas com um “gap” de gestão com a demissão do titular da pasta e seu segundo escalão, e a consequente transição para toda uma equipe que assumirá o comando das ações contra a pandemia pelo território nacional. Leva tempo para botar o trem nos trilhos novamente. Teremos esse tempo?

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