Martvs das Chagas: é preciso vigilância, pois o racismo é resiliente
Ao Café PT, secretário de Combate ao Racismo do PT fala da decisão do STJ que pôs fim à tese do “racismo reverso”; políticas para o povo negro; 15 anos do Estatuto da Igualdade Racial e Lei de Cotas
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O programa Café PT transmitido nesta sexta-feira (7) pela TvPT teve como convidado o secretário nacional de Combate ao Racismo do PT, Martvs das Chagas.
Na entrevista, Martvs abordou a decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que rejeitou essa tese do “racismo reverso” em uma ação movida por um homem branco contra um homem negro, sob a alegação de que esse último o havia ofendido em relação à cor de sua pele.
“A decisão do STJ é, sem dúvida, um avanço, algo muito significativo na luta antirracista e o contraponto necessário ao mito do ‘racismo reverso’, que muitas vezes é utilizado como ferramenta para invalidar denúncias legítimas de discriminação racial no Brasil. Essa decisão, no meu entendimento, ela reforça que o racismo é um sistema estrutural de opressão historicamente construído. Utilizar ou inverter o papel do racismo na sociedade não pode ser aceitável. A decisão para mim isso é crucial para que as vítimas de discriminação racial possam se sentir respaldadas ao denunciar abusos e para que a justiça seja feita de forma equitativa”, argumentou.
O secretário acredita ainda que essa decisão do STJ servirá para fortalecer a luta antirracista no Brasil
“Eu penso que no futuro essa decisão servirá como um precedente importante fortalecendo a luta por políticas públicas e ações afirmativas que visem reparar as desigualdades históricas. E essa decisão também pode inspirar mais pessoas a se engajar em uma luta antirracista, para que elas entendam que o combate ao racismo não é uma questão de vitimismo, mas de justiça social de humanidade. Nós estamos falando de pessoas que, durante 350 anos, ficaram sob o jugo de escravidão, tiveram seus corpos dilacerados, a sua cultura explodida por imposições. Então, é disso que a gente está falando. Entretanto, eu creio que é preciso continuar bastante vigilantes, pois o racismo é um sistema resiliente e adaptativo. Mas a decisão do STJ é um passo”, reconheceu.
Confira o vídeo com a íntegra do programa Café PT que foi ao ar nesta sexta (7), com a participação de Martvs das Chagas
O titular da Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do PT complementou também que é preciso investir em educação antirracista, em conscientização e ações concretas para transformar a sociedade. “A história será valorizada por essa decisão, mas a gente só vai conseguir avançar de verdade quando o racismo foi erradicado de todas as formas. Isso é uma utopia, mas é uma utopia que a gente tem que seguir”, enfatizou ele.
Dois anos após seis de abandono
Durante a conversa no Café PT, Martvs das Chagas fez um resgate das políticas públicas em prol da igualdade racial no país que foram implementadas nos governos petistas de Lula e Dilma, mas que foram praticamente abandonadas e ameaçadas de destruição durante os seis anos do golpe contra a presidenta Dilma e os quatro anos do governo de extrema direita de Bolsonaro.
Ele pontuou que em apenas dois anos do terceiro governo do presidente Lula é impossível reparar os danos causados nesse período.
“Se você for verificar, nós temos seis anos aí de uma desconstrução efetiva de tudo o que a gente vinha fazendo no Brasil. E tem gente que acha que com dois anos a gente vai resolver todo o estrago foi feito anteriormente. Não, não vai. Agora eu estou falando de um tempo histórico, curtíssimo. Imagina você, uma sociedade que viveu 350 anos sob o juro da escravidão, como eu já falei aqui, e a gente achar que em poucos anos, já que na verdade as políticas públicas de combate ao racismo e de promoção da igualdade racial vieram a partir dos governos Lula e Dilma. Tem pouquíssimo tempo, um tempo histórico quase inexistente”, observou.
E completou: “Então a gente vai ter que investir muito mais em políticas públicas, nós vamos ter que investir muito mais nas pessoas negras, nós vamos ter que ter orçamento específico para pessoas negras. Tem que ter no Congresso Nacional cadeiras, não é só cotas, cadeiras específicas para as pessoas negras, porque logo agora que a gente começou a ter um avanço, no ano passado a PEC 09 fez com que quase tudo isso fosse extinto. Porém, eu acredito que nós estamos no caminho certo, pelo menos iniciamos essa caminhada, é muito melhor que o nada que existia antes do nosso projeto”.
Estatuto da Igualdade Racial e Lei de Cotas
Martvs fala também sobre o Estatuto da Igualdade Racial, que completará 15 anos agora em 2025, criado em 2010 durante o segundo governo Lula.
“O estatuto para mim representa um marco legal no reconhecimento das desigualdades sociais e na promoção de políticas públicas pra combatê-las. Em que pese a sua implementação enfrentar vários desafios, como a falta de recursos, a resistência dos setores que negam a existência do racismo estrutural. Essa lei é um passo importante, mas nós vamos precisar de muito mais ações concretas e efetivas para garantir os seus princípios, esses princípios se traduzam em mudanças reais na vida da população negra”, destacou.
Martvs informou ainda que este ano, a Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do PT vai realizar uma nova Jornada Nacional de Legislação Antirracista, com o objetivo de que em cada município brasileiro administrado pelo PT, ou que tenha vereador/a do partido, sejam criados estatutos municipais de igualdade racial para servirem de amparo ao estatuto nacional.
Outra questão abordada pelo secretário nacional durante a entrevista foi com relação à Lei de Cotas, aprovada no ano passado pelo Congresso Nacional.
“É uma lei que mudou um pouco a lei anterior, incorporou mais pessoas, incorporou os quilombolas. Aliás, ela era uma lei que estava sendo,antes do seu debate, se discutindo, na verdade, se ia acabar ou não com ela. Mas a bancada do PT foi muito ativa, com as deputadas Dandara, Jaqueline Rocha, Reginete Bispo, Benedita da Silva e Denise Pessoa foram, sendo fundamentais, no sentido de fortalecer a nossa disputa dentro do Congresso, para fazer com que a lei fosse ampliada. E a aplicação da lei nos concursos públicos é uma vitória crucial para a luta antirracista, no meu entendimento. As cotas são uma ferramenta essencial para corrigir desigualdades históricas e garantir que a população negra tenha acesso a oportunidades que foram sistematicamente negadas a ela. Nessa medida, a lei de cotas não só promove a diversidade no serviço público, mas também oferece a representatividade negra em espaço de poder e decisão”, enfatizou.
Da Redação