Mato Grosso | Mulheres debatem participação política e lançam comitês de luta

Representatividade, violência política de gênero e economia solidária estavam entre as pautas da atividade que contou com a presença da deputada federal Rosa Neide

Mandato Rosa Neide

Mulheres do Partido dos Trabalhadores, militantes da causa feminista e da economia solidária se reuniram em Cuiabá (MT) na última sexta-feira (1º) e sábado (2) para o seminário “A participação das mulheres constrói novas realidades”, onde ocorreu também o lançamento dos Comitês de Luta das mulheres e da economia solidária.

Na pauta dos debates, a participação das mulheres na política, o combate à violência política de gênero.

A abertura aconteceu na sexta-feira (1º), com a mesa-redonda “Desafios para a participação e a representação política das mulheres”, da qual participaram a representante da Executiva Nacional do PT, Misiara Oliveira, a vereadora Edna Sampaio (PT), a deputada estadual Professora Rosa Neide (PT) e a pesquisadora Dejanana Keila Oliveira.

Às 9h, ocorreu a Ciranda de Saberes, com o tema “A participação das mulheres na construção de uma sociedade mais equitativa e justa” e a participação das lideranças: Dalete Soares de Sousa (MST-MT), Elis Regina Prates (Fórum de Mulheres Negras de Mato Grosso), Joyce Lombardi (Instituto Sementes do Bem), Amandla Sousa (Levante Popular da Juventude Mato Grosso), Larissa Silva (ArtJovem LGBT), Aparecida Cortez (SINTEP-MT) e Rúbia Cristina de Jesus Silva (Movimento de População em Situação de Rua de Mato Grosso).

Às 10:30, ocorreu a segunda Ciranda de Saberes, com o tema “As mulheres ocupando os espaços de poder e decisão em Mato Grosso”, reunindo as vereadoras do PT, Edna Sampaio (Cuiabá); Mazéh Silva (Cáceres); Lucimeire Lázara da Silva Oliveira Ananias (Confresa); Merciane Dias da Costa (Castanheira); Joana Darque Pedretti Efigênio (Juruena); Graciele Marques dos Santos (Sinop) e Ilmarli Teixeira (Alta Floresta).

Participam também as vice-prefeitas do PT em Poconé, Soenil Clarinda de Sales e, em Ribeirão Cascalheira, Isabel Fernandes Santos de Castro, além da secretária municipal de Assistência Social de Acorizal, Jucinéia Maria da Silva.

O evento foi organizado pela Secretaria Estadual de Mulheres do PT; pelo Movimento Elas por Elas e pelo Setorial de Economia Solidária do partido, e pela deputada federal Rosa Neide (PT), com o apoio das vereadoras.

Enfrentamento cotidiano

A secretária de mulheres do PT em Mato Grosso, Lígia Viana, lembrou que a luta das mulheres do PT foi responsável pela existência da cota de 30% e que, neste momento, o embate é por paridade e por um fundo eleitoral próprio.

“Estas mulheres são ousadas, fazem o enfrentamento cotidiano ao patriarcado, ao silenciamento, e fazem isso com muita ternura e com um sorriso no rosto, porque o que queremos é transformar a realidade social, que a voz das mulheres ecoe. Essa construção das mulheres deve ser coletiva, formada pela diversidade que existe no partido. Deve ser voltada ao bem viver, que representa um elo comunitário”, disse.

“Na comunidade, todo mundo tem o seu papel e ele é desenvolvido coletivamente. […]. É muito importante que nos reconheçamos como uma comunidade de mulheres e, em Mato Grosso, que falemos sobre as mulheres da floresta, do campo e da cidade, de onde eu trago a perspectiva das mulheres da periferia. Temos que reconhecer nossas diversidades, trazer essa demanda para o nosso espaço”.

Lígia destacou o projeto Elas por Elas como um marco histórico na luta das mulheres. “É um espaço de diálogo direto com as mulheres, de mapeamento das mulheres de Mato Grosso e de informação, algo de que precisamos muito. Temos que nos colocar no lugar de ouvir, de aprender. É muito importante apoiar mulheres na política, não somente chamando a companheira para compor chapa, mas se comprometendo com a campanha, pedindo voto. As cadeiras já estão ocupadas, mas alguém precisa se levantar para que as mulheres ocupem seus espaços de poder e isso acontecerá através da nossa organização, empoderamento e movimentação”.

Gênero e raça

A vereadora Edna Sampaio obsevou que a crise atual tem relação com o avanço da luta das mulheres e dos negros, que são a maioria da população. Este avanço está sob ataque do ultraconservadorismo. Ela ressaltou que a desigualdade racial está na raiz da desigualdade econômica.

“Somos a maioria neste país, mas falar sobre raça e gênero é muito mais difícil para as pessoas e para nós mesmos compreendermos do que falar sobre desigualdade econômica. Nós nos constituímos, enquanto esquerda, historicamente, pensando que o problema da desigualdade no mundo era o acesso às riquezas materiais e não vimos o quanto a questão da raça e do gênero constituem estas desigualdades”, disse a parlamentar, salientando o quanto mulheres negras enfrentam ainda mais desafios que as brancas para ocupar espaços de poder.

Para ela, é preciso fazer a relação entre a discriminação de raça e gênero e as desigualdades econômicas que afetam a classe trabalhadora. “O racismo e a desigualdade de gênero são questões que precisam ser colocadas por nós, mulheres na política, no poder. Se não tivermos esta como uma questão central, como é a questão econômica, não resolveremos o problema da sociedade capitalista, desigual, que trata com atrocidade os corpos negros”, disse ela.

A vereadora falou sobre a importância de as mulheres ocuparem os espaços políticos para pautar temas que, para elas, são óbvios, mas passam despercebidos nos parlamentos. E citou como exemplo um projeto de lei de sua autoria, denominado Menstruação Sem Tabu, que prevê a doação de absorventes para pessoas em situação de vulnerabilidade e lamentou que o tema da pobreza menstrual esteja sendo pautado, já que “[…] as mulheres começaram a ocupar o parlamento e trazer questões que ‘passam batido’, já que os homens privatizaram os espaços de poder na política”.

Edna Sampaio defendeu mais participação das mulheres na política, destacando a capacidade do cuidado com o outro como uma característica que pode ser usada pelas mulheres como um diferencial a seu favor.

“A opressão do patriarcado nos ensina, desde cedo, que nossa função na sociedade é cuidar do outro e isso, para o bem e para o mal, nos constitui enquanto sujeitas que olham pelo outro, se colocam em seu lugar. Se essa opressão machista nos condicionou ao espaço doméstico, do cuidado com a família, podemos transformar este aprendizado, no espaço da política, em cuidado com toda a sociedade. Só nós podemos fazer isso”, disse ela.

Representatividade

A deputada federal Rosa Neide destacou a importância das mulheres como agentes da transformação, e cuja trajetória vem amparada por muitas outras mulheres, e narrou fatos que mostram a importância de figuras femininas em sua vida, salientando, por outro lado, a desvalorização social deste papel, e falou sobre sua experiência enquanto mulher de esquerda da Câmara Federal.

“Muitas das 77 mulheres que estão lá não nos representam, de fato, pois não assumem a bandeira do feminismo, e não entendem o que é se libertar. Quantas chegaram e disseram: estou aqui para obedecer ao ‘mito’. Algumas mudaram o percurso. É a primeira vez que chegamos a 15% de mulheres. Mesmo assim, ano passado, ouvimos o comentário de que ‘aqui não tem deputadas, mas sim deputéricas’, isto é, mulheres histéricas, acusadas disso quando falavam um pouco mais alto, cobravam. Quando o homem grita, ele é forte, determinado. Se a mulher fizer isso, ela é histérica”, disse.

“Somos muito fortes por termos chegado em 2022 trazendo para esta sociedade muito mais do que consciência e entendimento da representatividade da mulher. […]. Ainda temos no comando do país um homem branco que trata com desprezo mulheres negros, LGBTQIA+ etc. Ele representa os cerca de 25% da sociedade brasileira e nos constrange enquanto seres humanos que avançamos. Quanto mais nos mexemos, mais soltamos as correntes. E é para soltar as correntes que trouxemos estas mulheres aqui”, disse ela.

A liderança do Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), Dalete Soares de Sousa, que é assentada no município de Juscimeira (MT), destacou a paridade numérica existente entre homens e mulheres no MST e a tendência do movimento de incluir as mulheres. Mas apontou falta de representatividade, de voz para mulheres dentro do movimento.

“Temos uma organicidade, conquistada graças a um processo de luta. Nossas coordenações, tanto nacional quanto estadual, sempre são compostas por um homem e uma mulher ou por duas mulheres, pois somos maioria. Vamos continuar fazendo esses enfrentamentos, pois não queremos só espaço, queremos ser ouvidas, ter representatividade de fato, não só em números. Que o poder de decisão seja dividido por igual, pois é assim que fazemos, de fato, uma política justa, transparente e com participação. O sangue de muitas mulheres foi derramado para que conquistássemos este espaço de fala. Respeito, com muita honra, toda a representação das mulheres que vieram antes de nós, tanto nos movimentos quanto no partido, principalmente no PT[…]”, disse ela.

Amandla Souza, uma das primeiras militantes do Levante Popular da Juventude em Mato Grosso, e integrante do movimento há dez anos, destacou o coletivo como uma organização historicamente antirracista, antipatriarcal e popular.

“Não foi um compromisso para ficar no papel, mas uma responsabilidade política. Não é cota dentro da nossa organização, é formar dirigentes, formar uma juventude que se desafia todos os dias a pensar projetos de educação que defendam todo o povo brasileiro. Onde vamos ter mulher da periferia doutora, ‘bicha’ doutora, onde teremos nossas queridas companheiras lésbicas chegando à universidade e encontrando um ambiente saudável”, disse ela.

“É preciso mudar as estruturas desta universidade que foi criada para a elite e onde não nos cabe […]. Temos que ocupar as universidades, mas também transformar esses lugares para que possamos acessá-los. […]. É por essa juventude que lutamos. Tenho orgulho de dizer que viemos das fileiras do MST para fazer a luta urbana, mobilizar a juventude. Debater o campo político nas periferias, escolas, universidades é a nossa tarefa na construção de um projeto popular para o Brasil […]”.

LGBTQIA+

Em sua fala, Larissa Silva argumentou que até pouco tempo atrás, a comunidade LGBTQIA+ era considerada portadora de uma patologia e que esta visão ainda é muito presente. Destacou que o preconceito tem aumentado sob o governo de Jair Bolsonaro e citou casos de violência e suicídios motivados por discriminação, apontando a homofobia também como causa de prejuízos como o alto índice de evasão escolar entre pessoas LGBTQIA+.

“Nossa luta é de mãos dadas, estamos lutando para sermos livres, para sermos quem somos, poder andar nas ruas todos os dias, sem medo de ser feliz. Para poder pegar na mão da minha companheira, e poder amá-la, demonstrar nosso amor sem ter medo de apanhar ou morrer, de não conseguir sair de casa. De sair na rua e minha mãe ficar ligando para eu voltar para casa por medo de que me aconteça alguma coisa comigo […]. Estamos formando o coletivo ArtJovem LGBT no Estado e seguiremos em marcha até que todas sejamos livres para amar e ser quem somos. As bi, as trans e as sapatão estão organizadas para fazer revolução”, disse ela.

Durante o evento aconteceu também a “Feira de Economia Solidária e Agricultura Familiar das Mulheres”, com o objetivo de estimular a comercialização entre as mulheres.

“A feira de Economia Solidária é um espaço de convivência, troca de produtos, saberes e energias. A economia solidária é baseada no bem viver, na construção de uma outra sociedade, com menos competição, mais cooperação, sem empregado e patrão, onde as pessoas se organizam através do trabalho associado. A feira é uma estratégia importante desta vivência”, disse Rosângela Borges, coordenadora do setorial de Economia Solidária.

Também estiveram presentes as vereadoras do PSDB, Maria Aparecida Fernandes Picalho (Nova Marilândia) e do PROS, Elisângela Kniess (Juruena).

Neusa Baptista Pinto

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