Megg Rayara: 29 de janeiro, dia de luta e de visibilidade trans

Primeira trans doutora da UFPR fala da importância em consolidar uma data oficial para reforçar a luta contra a estigmatização das travestis e transexuais do país

Divulgação

Megg Rayara

Dia 29 de janeiro, no Brasil, é o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Esta data, criada em 2004 pelo Ministério da Saúde na gestão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fazia parte da campanha “Travesti e Respeito: já está na hora
dos dois serem vistos juntos”.

Pela primeira vez na história do país travestis e transexuais eram protagonistas de uma campanha publicitária assinada pelo Estado. Dessa iniciativa, as organizações formadas pro travestis e transexuais “foram orientadas a sair às ruas para comemorar essa data em todo o país, para mostrar à sociedade que existiam travestis e consequentemente, reivindicar seus direitos”. (Adriana SALES; Clóvis ARANTES, 2018, n.p.).

Ao reconhecer a necessidade de uma campanha e de uma data que problematizasse a invisibilidade de travestis e transexuais no país, o Ministério da Saúde colocava em questão os múltiplos processos de apagamento e estigmatização que incidiam sobre esse grupo historicamente marginalizado.

Embora os registros históricos mais antigos a respeito da presença de travestis e/ou mulheres transexuais no Brasil datem do século XVI, suas experiências de vida na sociedade brasileira passaram a ser temas de pesquisas acadêmicas com mais frequência a partir da década de 1990.

É, no entanto, após os anos 2000 que esses estudos passaram a ter maior visibilidade e despontaram como temática central em pesquisas brasileiras (Marília dos Santos AMARAL, Talita Caetano SILVA, Karla de Oliveira CRUZ, Maria Juracy Filgueiras TONELI, 2014) graças ao aumento substancial nos estudos que tematizam gênero e sexualidade.

Esses trabalhos, em sua ampla maioria, procuram denunciar a situação de exclusão e violência, que derivam inclusive da omissão do Estado em desenvolver políticas públicas dirigidas a esse segmento. Travestis e mulheres transexuais formam um dos grupos mais vulneráveis da sociedade brasileira: “De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais
(Antra), apenas em 2017 foram contabilizados 179 assassinatos de travestis ou transexuais. Isso significa que, a cada 48 horas, uma pessoa trans é assassinada no Brasil”. (Helena MARTINS, 2017, n.p.).

A maioria das vítimas, cerca de 70%, tem entre 16 e 29 anos, o que contribui para que a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil seja de apenas 35 anos, a mais baixa do mundo. Com relação ao pertencimento racial 80% dos casos foram identificadas como pessoas pretas e pardas, ratificando o triste dado dos assassinatos da juventude negra no Brasil. (MARTINS, 2017, n.p.).

Outro dado importante presente nesses assassinatos, apontam para o fato de que se trata de um ato ritualizado: “85% dos  os assassinatos foram apresentados com requintes de crueldade como uso excessivo de violência, esquartejamentos, afogamentos e outras formas brutais de violência. O que denota o ódio presente nos casos”
(MARTINS, 2017, n.p.).

Políticas públicas para pessoas trans

Oficialmente o Movimento Social de Travestis e Transexuais é inaugurado no Brasil em 1992 com a fundação da Associação de Travestis e Liberados do Rio de Janeiro – ASTRAL e se justifica pela necessidade de discutir questões próprias do
universo travesti, como identidade de gênero, nome social, despatologização das identidades trans, terapia hormonal, violência, educação, mercado de trabalho, tráfico de pessoas, silicone industrial, prevenção a doenças sexualmente transmissíveis, HIV/AIDS, dentre outros.

No entanto, somente em 2003, no governo do Presidente Lula com a elevação da Secretaria de Direitos Humanos à categoria de ministério é que políticas públicas dirigidas a travestis e transexuais se efetivam. Em 2004 o programa “Brasil sem Homofobia” foi desenvolvido com o objetivo de promover a cidadania e os Direitos Humanos à população LGBT a partir de equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação. Já em 2005 o fortalecimento do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT passou a contar, obrigatoriamente, com a participação de membros da população LGBT.

Finalmente em 2008, a Portaria Nº 457, de 19/08/2008 regulamentava o processo transexualizador na rede pública de saúde em todo o território nacional, atendendo uma das principais reivindicações do movimento de travestis transexuais.
Em 2011 a portaria Nº 1.612 do Ministério da Educação assegurava às pessoas travestis e transexuais, o direito à escolha de tratamento nominal nos atos e procedimentos promovidos no âmbito do Ministério da Educação.

Dois anos depois em 2013, o Sistema Único de Saúde (SUS) passou a contemplar o atendimento completo para travestis, transexuais, como terapia hormonal e cirurgias. A identidade de gênero passou também a ser respeitada, com a inclusão do nome social no cartão do SUS.

Outro passo importante foi dado na área da educação em 2014, ano em que pela primeira vez, travestis e transexuais puderam usar o nome social no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A medida foi celebrada por ativistas em todo o país, pois de imediato atraiu mais candidatos e candidatas ao exame.

Em 2016, a Presidenta Dilma Roussef assinou o último decreto beneficiando a população trans. O referido decreto permite que funcionários e funcionárias do serviço público federal usem o nome social nos crachás de trabalho, dos quadros civil e militar.

Conclusão

Ao comemorarmos o Dia Nacional da Visibilidade Trans é necessário denunciarmos as inúmeras situações de violação de direitos, porém é necessário chamar a atenção para algumas conquistas, especialmente aquelas construídas pelos governos do PT no curto período em que administrou o país.

Em tempos de retrocessos em que muitas pessoas afirmam que “NÃO VÃO SOLTAR A MÃO DE NINGUÉM”, é fundamental que aquelas pessoas mais fragilizadas sejam as mais acolhidas. Estender e segurar a mão de uma pessoa trans implica comprometimento. Implica adotar posturas não apenas no campo simbólico, mas no campo da militância,
promovendo a aproximação com pautas, consideradas específicas e distantes, porém que incidem sobre uma grande parcela da sociedade brasileira.

Desta maneira seria possível estabelecer diálogos de valorização e proteção. Aos poucos, braços que se encontram cruzados e inertes diante das múltiplas situações de violência dirigidas às travestis e transexuais, começariam a se mover. Começariam a tomar a forma de um abraço aconchegante onde poderíamos pedir guarida e poderíamos
de fato, nos sentirmos protegidxs.

Megg Rayara Gomes de Oliveira, primeira travesti negra a obter grau de doutora em educação na UFPR

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