Mercadante: Bolsonaro quer acabar com a Lei de Cotas

Em cerca de três meses, o governo Bolsonaro e sua base de sustentação no Congresso Nacional já tentam desconstruir uma das mais importantes conquistas sociais da nossa história recente: a Lei de Cotas

Marcos Oliveira/Fotos Públicas

Aloizio Mercadante durante pronunciamento quando era ministro da Educação

Em cerca de três meses, o governo Bolsonaro e sua base de sustentação no Congresso Nacional já tentam desconstruir uma das mais importantes conquistas sociais da nossa história recente: a Lei de Cotas. A deputada federal Dayane Pimentel (PSL/BA), do mesmo partido de Bolsonaro, apresentou, na última quarta-feira (13/3), um projeto que prevê a revogação completa da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, a chamada Lei das Cotas.

Esse projeto representa o fim das cotas de 50% para os estudantes das escolas públicas de ensino médio, para que por meio de um acesso diferenciado no Enem, possam ingressar nas universidades e institutos federais. Essa lei também estabelece critérios diferenciados para os estudantes originários de famílias de baixa renda, negros e indígenas.

A proposição da deputada atende as inúmeras declarações de Bolsonaro, durante a campanha presidencial do ano passado. Em entrevista à TV Cidade Verde do Piauí, em outubro de 2018, por exemplo, Bolsonaro afirmou que a política de cotas no Brasil está ‘totalmente equivocada’ e que a política afirmativa é “coitadismo” e reforça o preconceito. Bolsonaro disse, ainda, que era preciso “acabar com isso”. Pois bem, a deputada está alinhada com o pensamento do chefe no caminho de mais esse grave retrocesso.

Sancionada em 2012, durante o governo da presidenta Dilma, a Lei de Cotas representou o enfrentamento de um histórico de exclusão educacional no acesso à educação superior. Além da inclusão educacional de estudantes pobres das escolas públicas, ela também enfrenta uma outra imensa injustiça história, a discriminação racial.

Apesar disso, sofreu e ainda sofre forte resistência de uma parcela preconceituosa da elite econômica da sociedade brasileira, que tem como máxima frases do tipo “universidade, do ponto de vista da capacidade, não é para todos”, como defendeu recentemente o ministro da Educação de Bolsonaro, Vélez Rodríguez, que não conseguiu sequer montar uma equipe de trabalho no MEC.

Entretanto, sendo a mais ousada ação afirmativa que se tem registro na história do nosso país, a política de cotas e os dados disponíveis desmentem o ministro, a deputada e Bolsonaro. As cotas começaram a romper um ciclo de exclusão, fortalecendo o Enem como um caminho de novas oportunidades, com acesso diferenciado para os estudantes das escolas públicas, jovens filhos da pobreza, negros e indígenas. As cotas garantem ao menos 50% das vagas ofertadas para os estudantes das escolas públicas, que representam 87% das matrículas do ensino médio, e asseguram um acesso diferenciado para as famílias de baixa renda, para negros e indígenas, proporcionais aos seus pesos demográficos da raça em cada unidade da federação.

Como resultado temos que a participação de negros na educação superior passou de 2,6% para 5,3%, em 2015, um crescimento de 267% ao longo dos governos do PT. No caso de indígenas, passou de 10.282 para 32.147 matrículas, no mesmo período.

No caso dos alunos das escolas públicas, o acesso à educação superior passou de 1.072.647 de matrículas, em 2012, para 5.167.091, em 2015: um salto extraordinário. Com o apoio das bolsas de estudos ofertadas pelo ProUni e o Fies, os alunos das escolas públicas passaram a representar 64,3% do total de matriculas na educação superior, em 2015, quando eram apenas 39,6%, em 2012.

Além disso, pesquisas acadêmicas desconstruíram os argumentos retrógados e preconceituosos dos críticos da Lei de Cotas, que defendiam que as cotas comprometeriam a meritocracia e a excelência nas universidades públicas.

Em primeiro lugar, a meritocracia não pode ser considerada fora das condições socioeconômicas e históricas, porque, isoladamente, contribui para reproduzir e perpetuar a desigualdade social e racial e a exclusão educacional.

Em segundo lugar, assegurar metade das vagas de acesso às universidades públicas, que representam 87% das matrículas do ensino médio, com um processo seletivo especifico, é uma política muito razoável e adequada.

Quanto à questão da qualidade, a inclusão por cotas não comprometeu a excelência dos cursos, mas encerrou um longo ciclo elitista. Pesquisa do professor Jacques Wainer da Unicamp e da professora Tatiana Melguizo associada da Rossier School of Education da University of Southern Califórnia, por exemplo, avaliou o desempenho de 1 milhão de alunos no Enade, entre 2012 e 2014. A conclusão é que a qualificação dos formandos, que tiveram acesso ao ensino superior em razão das políticas de inclusão educacional e cotas, equivale ou até supera a qualificação dos demais alunos.

Os estudantes beneficiados pela Lei de Cotas têm em média, ao final do curso, um desempenho equivalente aos não cotistas. No Prouni, os bolsistas têm um desempenho superior aos não bolsistas e no Fies ligeiramente inferior. Resultados de pesquisas da UFBA, da UnB e da UFRN sobre cotistas e não cotistas nessas universidades federais também confirmam esses resultados.

As referidas pesquisas consagraram a Lei de Cotas, o Prouni e o Fies. Além disso, o ambiente universitário com maior diversidade social e cultural, enriquece a vida acadêmica e comprova o êxito das políticas de democratização de oportunidades. Ainda mais quando observamos que 35% dos formandos, que participaram do Enade em 2015, foram os primeiros da família a receberem um diploma de curso superior.

Temos a consciência de que isoladamente a Lei de Cotas não acaba com o racismo e com agressões históricas sofridas por minorias neste país. Entretanto, é um passo decisivo para começarmos a avançar como nação, especialmente, na inclusão daqueles que nunca tiveram oportunidades.

Tenho a certeza de que o nosso Brasil profundo, marcado por uma das piores desigualdades sociais de todo o mundo e por uma perversa herança da escravidão, começou a ser valorizado, a andar de cabeça erguida e a sonhar com um futuro melhor e com mais justiça para todos e para todas. Esse Brasil seguramente irá se levantar para defender seus direitos e suas conquistas de cidadania.

Aloizio Mercadante, ex-ministro da Educação

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