Mercadante comemora em entrevista sucesso da política de cotas

O ex-ministro da Educação do governo Dilma falou sobre o estudo publicado na ‘Folha de S.Paulo’ que divulga o excelente desempenho dos cotistas

Antonio Cruz/Agência Brasil

Ex-ministro da Educação, Aloizio Mercadante

O professor Aloizio Mercadante, ex-ministro da Educação no governo da presidente legítima Dilma Rousseff, concedeu entrevista ao site 247, em que comenta o estudo publicado neste domingo (10) na ‘Folha de S.Paulo’, que aponta o bom desempenho dos universitários cotistas.

“Eu era ministro da Educação quando aprovamos a Lei de Cotas, em 2012, e me lembro que um dos principais argumentos daqueles que eram contra as cotas era o de que os alunos cotistas não iriam acompanhar o ritmo dos não cotistas e, com isso, as universidades iriam perder qualidade. Pois bem, o bom desempenho dos alunos cotistas enterra, de uma vez por todas, o preconceito e esse argumento dos que são e continuam sendo contra as cotas”, afirma.

Confira a entrevista:

Neste domingo, o jornal ‘Folha de S.Paulo’ apresenta matéria com levantamento do desempenho de alunos cotistas nas universidades. Segundo o jornal, esses alunos têm notas próximas a dos não cotistas, quando se formam. Como você avalia esses dados?

Mercadante: Bom, quero destacar que é muito importante este tipo de pesquisa jornalística que aprofunda e qualifica o debate e parabenizo os dois jornalistas que fizeram o levantamento. No entanto, não é a primeira pesquisa que chega a esse resultado. Outras pesquisas acadêmicas apontam para o excelente desempenho dos alunos beneficiados pela política de cotas.

Por exemplo, a pesquisa do professor Jacques Wainer da Unicamp e da professora Tatiana Melguizo associada da RossierSchool of Education da University of Southern California, com uma amostragem bem mais ampla, que avaliou o desempenho de 1 milhão de alunos no Enade, entre 2012 e 2014, concluiu que a qualificação dos formandos, que tiveram acesso ao ensino superior em razão das políticas de inclusão social, equivale ou até supera a qualificação dos demais alunos.

Os estudantes beneficiados pela lei de cotas têm em média, ao final do curso, um desempenho equivalente aos não cotistas. No Prouni os bolsistas têm um desempenho ainda superior aos não bolsistas e no Fies ligeiramente inferior.

Resultados de pesquisas da UFBA, da UnB e da UFRN sobre cotistas e não cotistas nessas universidades federais também apontaram no mesmo sentido. Todos esses resultados comprovam o êxito das políticas de democratização de oportunidades na educação superiores.

Estudantes cotista para alguns cursos, especialmente na área de exatas, entram com deficiências na formação. Por isso, várias instituições implantaram cursos de nivelamento para o início das atividades acadêmicas, com bons resultados.

Mas o esforço e a dedicação desses estudantes, ao longo dos cursos, têm permitido superar as deficiências que podem ocorrer no processo de ingresso. Eles precisavam era de uma oportunidade e estão estudando muito e reforçando o êxito dessas políticas de inclusão.

Na matéria da Folha, por exemplo, há uma informação de que nos primeiros semestres nas engenharias, a evasão bate os 50%, para cotistas e não cotistas. Quando uma realidade como essa ocorre, o problema é o próprio curso, não os estudantes.

Por isso, propusemos mudar o Sianes, que avalia a educação superior no país, e considerar também o fluxo, como já acontece no Ideb. Infelizmente, os golpistas engavetaram essa iniciativa.

Eu era ministro da Educação quando aprovamos a Lei de Cotas, em 2012, e me lembro que um dos principais argumentos daqueles que eram contra as cotas era o de que os alunos cotistas não iriam acompanhar o ritmo dos não cotistas e, com isso, as universidades iriam perder qualidade.

Pois bem, o bom desempenho dos alunos cotistas enterra, de uma vez por todas, o preconceito e esse argumento dos que são e continuam sendo contra as cotas.

Foi um debate muito difícil no Congresso Nacional e com a sociedade, uma vez que grande parte da imprensa se posicionou contra a política de cotas. Agora, todos os estudos comprovam que estávamos certos.

A polícia de cotas é extremamente exitosa, além de fundamental para resgatarmos uma dívida histórica com os mais pobres, negros e indígenas, que tinham quase nenhuma oportunidade de cursar uma universidade.

Você disse que era ministro quando foi aprovada a lei de cotas. Como foi esse processo?

Mercadante: Todos os instrumentos de acesso favorecido aos estudantes de escolas públicas do ensino médio e de baixa renda foram duramente combatidos e criticados pelos setores conservadores e oposicionistas aos governos Lula e Dilma.

Mas, a política mais ousada e que enfrentou muitas resistências foi a Lei de Cotas. A tramitação desse projeto de lei durou mais de uma década, com muito debate e imensa resistência.

A Lei de Cotas procura enfrentar, de forma combinada com ações afirmativas, duas dimensões do problema da histórica exclusão educacional: o problema da desigualdade social e o da discriminação racial.

O Sistema de Cotas afirmativas foi aprovado pela Lei nº12.711/2012 e passou a reservar progressivamente metade de todas as vagas de graduação para os estudantes das escolas públicas do ensino médio, pertencentes a setores vulneráveis socialmente e discriminados historicamente, negros e indígenas.

A oposição conservadora parlamentar, depois de obstruir por uma década esse projeto no Senado Federal, entrou com uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. A liderança parlamentar de obstrução ao projeto de lei e responsável pelo recurso ao STF foi do DEM, partido do atual ministro da educação nomeado pelo governo golpista de Temer. Mas, eles foram novamente derrotados e o julgamento consolidou o sistema de cotas e reconheceu sua constitucionalidade e legalidade.

A crítica central da oposição à Lei de Cotas era de que a política de cotas agride a meritocracia e compromete a excelência nas universidades públicas, e que esses dois valores devem orientar o acesso à educação superior.

A meritocracia não pode ser considerada fora das condições socioeconômicas e históricas, porque, isoladamente, contribui para reproduzir e perpetuar a desigualdade social, a racial e a exclusão educacional.

A política de cotas como ação afirmativa procurou romper com um ciclo vicioso, em que os estudantes de famílias da elite econômica estudavam em escolas particulares até o ensino médio, faziam tantos vestibulares pagos quanto necessário e tinham acesso as universidades públicas e gratuitas.

O Enem e a Lei de cotas mudaram essa lógica, assegurando que pelo menos 50% das vagas ofertadas devem ser para estudantes das escolas públicas, com recorte de renda e acesso, favorecidos para negros e indígenas, proporcionais aos seus pesos demográficos da raça em cada unidade da federação.

Ocorre que os estudantes matriculados nas escolas públicas de ensino médio, respondem por 87% das matriculas e o ensino pago por 13%. Portanto, assegurar metade das vagas de acesso às universidades públicas, com um processo seletivo especifico, é uma política muito razoável e adequada, que trouxe excelentes resultados.

Os melhores estudantes das escolas públicas, que conseguem disputar o Sisu e outros programas públicos de acesso, são excelentes estudantes, mesmo quando não puderam estudar nas melhores escolas.

A inclusão por cotas não comprometeu a excelência dos cursos, mas encerrou um longo ciclo elitista e abriu novas oportunidades para os excelentes estudantes do ensino médio público, que nunca tiveram a oportunidade de ingressar no ensino superior.

O resultado dessas pesquisas de avaliação de desempenho acadêmico e a força do Enem estão promovendo a adesão progressiva de universidades públicas estaduais, como a USP, a Unicamp e a Unesp, que tinham um posicionamento mais conservador e que criticaram as cotas na fase inicial de implantação.

Outro aspecto importante da política de cotas é a riqueza da convivência com a diversidade na comunidade universitária. Diversidade de origem social, de experiência de vida, de raça, uma diversidade que enriquece a formação e contribui para superar os preconceitos sociais e raciais.

As cotas isoladamente não resolvem os problemas de desigualdade social e de discriminação racial, mas contribuem para sua superação.

Um dado relevante foi que 35% dos formandos, que participaram do Enade em 2015, foram os primeiros da família a receberem um diploma de curso superior, o que demostra a abrangência do processo de inclusão educacional universitária e a mudança de perspectiva intergeracional dessas famílias.

E como você vê este estudo do Banco Mundial que defende o fim da gratuidade nas Universidades Públicas Federais?

Mercadante: O estudo do Banco Mundial não tem propriamente novidades ou relevância científica e acadêmica. E foi feito por alguns profissionais sem histórico de pesquisas sobre educação. É uma opinião muito antiga defendida pelos setores conservadores, que sempre defenderam a privatização da educação em geral e da educação superior em particular.

É consequência direta da ortodoxia fiscal permanente que foi implantada com a Emenda Constitucional 95, que impõem um teto declinante para os gastos primários, incluindo a educação, por vinte anos. Essa emenda revogou o piso constitucional que vinculava 18% da receita fiscal com a educação. Esse estudo é parte desta estratégia, que vem associada a agenda neoliberal de privatizações e do estado mínimo, inclusive na educação.

É importante verificar que essas operações recentes da Polícia Federal e alguns órgãos de controle do governo Temer, que humilham reitores e professores e que agridem de forma arbitrária as universidades públicas, seguramente fazem parte desse processo de fragilizar essas instituições e abrir espaço para os comprometedores cortes orçamentários.

Toda essa campanha é parte de uma estratégia que decorre diretamente da emenda constitucional 95, do projeto neoliberal para privatização da educação superior.

As universidades públicas, em especial as universidades federais e institutos tecnológicos federais, são destaques em todos os rankings internacionais e nacionais sobre educação superior. São decisivas para todo esforço nacional de ciência, tecnologia e inovação.

São polos dinâmicos de desenvolvimento regional. E, também, centrais na formação de profissionais, mestres e doutores para o desenvolvimento do país. Agredir essas instituições, com ações violentas e arbitrárias, é um imenso desserviço aos interesses estratégicos do país.

É verdade que há uma forte injustiça social e profunda desigualdade no Brasil. O Enem, o Sisu, a Lei de Cotas, o Prouni e o Fies vieram para mudar esse histórico.

Tivemos nos Governos Lula e Dilma a maior ampliação da educação superior de toda a história do país. Passamos de 3,4 milhões de matrículas para mais de 8 milhões,?com uma forte inclusão educacional.

O que pode corrigir essas distorções, dos estudantes que poderiam pagar pelos seus estudos, não é acabar com as universidades públicas ou a lei de cotas.

O que poderia ajudar a reduzir essas desigualdades seria uma verdadeira reforma tributária, que assegure progressividade a arrecadação do imposto de renda, o imposto sobre grandes fortunas e as grandes heranças e a taxação sobre ganhos de capital.

São esses setores que querem a privatização da educação, que historicamente se calaram sobre a elitização do ensino superior e a exclusão educacional. São esses mesmos setores que continuam impedindo uma verdadeira reforma tributária e fiscal, que contribua para o esforço de distribuição de renda e de democratização do acesso à educação.

Por 247.com

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