Ministério Público Federal pede investigação contra Salles

Declaração do ministro na reunião de 22 de abril é vista como violação do dever de proteger o meio ambiente. Em São Paulo, o MP estadual apura indícios de enriquecimento ilícito quando ele exerceu cargos no governo Alckmin. A colega de esplanada do ‘enfant terrible’ da Amazônia, Tereza Cristina é apontada pelo ‘Le Monde’ como a “Madame Desmatamento” de Bolsonaro 

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Ministro da Agricultura sugeriu aproveitar a pandemia para passar uma "boiada" de medidas ilegais

A reveladora fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na reunião ministerial de 22 de abril, em que defendeu a distração da opinião pública para mudar a legislação ambiental, está levando a desdobramentos graves na Justiça. O Ministério Público Federal entrou com pedido para que a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Procuradoria-Geral do Distrito Federal investiguem se o ministro cometeu crime de responsabilidade e de improbidade. O documento menciona a “boiada” citada na gravação liberada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) há uma semana.

O pedido foi feito pela 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que acusa Salles de violar o dever de proteger o meio ambiente. Segundo os procuradores, as declarações de Salles “revelam clara intenção de promover a desregulamentação do Direito Ambiental pátrio, oportunamente no período da pandemia, (…) em flagrante infringência aos princípios da Administração Pública, da moralidade, eficiência, legalidade, impessoalidade e publicidade”.

Nesta semana, os senadores Jaques Wagner (PT-BA) e Fabiano Contarato (Rede-ES) fizeram uma representação ao MPF e também apresentaram notícia-crime à PGR contra Salles. Contarato preside a Comissão do Meio Ambiente do Senado e Jaques Wagner é o vice-presidente do órgão colegiado. Os parlamentares querem que a Justiça determine, de forma cautelar, o afastamento do ministro. Também solicitam que seja investigada eventual conduta criminosa.

“O Brasil é signatário da Agenda 2030, que tem como dever o cumprimento dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS). Somente com a preservação e o incentivo à renovação das riquezas ambientais é que o país poderá alcançar o desenvolvimento. Porém, a postura deste governo vem sendo totalmente contrária, ao promover a destruição ambiental”, disse Wagner.

Para completar o inferno astral de Salles, reportagem da revista ‘Crusoé’ desta sexta-feira (29) informa que o Ministério Público de São Paulo (MPSP) quebrou o sigilo do ministro e descobriu transferências milionárias entre contas controladas por ele. Segundo a revista, as investigações do MP levantam suspeitas de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.

Salles teria repassado R$ 2,75 milhões da conta de seu escritório de advocacia para uma conta pessoal em 54 transferências, realizadas entre 2014 e 2017. No período, ele deixara de atuar como advogado para ocupar cargos públicos na gestão do ex-governador Geraldo Alckmin: secretário particular do governador e secretário do Meio Ambiente.

O inquérito foi aberto pelo MP em agosto de 2019 para investigar a suspeita de enriquecimento ilícito de Salles. Ele teria acumulado R$ 7,4 milhões em cinco anos. Salles rebateu as acusações em sua conta do Twitter. Segundo ele, a matéria é mentirosa.

A percepção de que o governo Bolsonaro não está comprometido com a preservação ambiental, que já era disseminada no continente diante do aumento do desmatamento e a crise das queimadas do ano passado, ficou ainda pior com a divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. \foto: Reprodução.

Fundo Amazônia

Na quinta-feira (28), o vice-presidente Hamilton Mourão, anunciou a reativação do Fundo Amazônia e assumirá o comando do órgão, que antes estava a cargo de Salles. Também presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, Mourão se reuniu em Brasília com os embaixadores da Alemanha, George Witschel, e da Noruega, Nils Martin Gunneng, para discutir a retomada do financiamento do fundo. Criado em 2008, o mecanismo é mantido sobretudo com doações de Noruega e Alemanha, responsáveis por 99% dos R$ 3,3 bilhões já repassados.

Após o desmatamento ter aumentado no ano passado, a Noruega, principal doadora, anunciou o bloqueio de recursos e acusou o governo Bolsonaro de romper o acordo de manter baixas as taxas de desmatamento e emissão de carbono. A ministra alemã do Meio Ambiente, Svenja Schulze, também anunciou a suspensão dos repasses.  Com os cortes, o ministro do Meio Ambiente anunciou a suspensão do fundo em abril de 2019.

Agora, Alemanha e Noruega não confirmam se vão voltar a colaborar. Os embaixadores gostaram da saída de Salles, mas deixaram claro a Mourão que a imagem amplamente negativa do governo Bolsonaro na Europa em temas de conservação e sustentabilidade é um forte impedimento para a retomada das doações.

Tentando consertar estrago

“Eles [embaixadores] vão levar para os países deles [a proposta de financiamento]. É aquela história, nós temos de mostrar que estamos a fazer a nossa parte. Estamos com essa operação para impedir o desmatamento. A nossa grande visão é, no segundo semestre, derrubarmos a questão das queimadas, e teremos aí um trabalho para mostrar”, disse Mourão após a reunião.

No ano passado, Bolsonaro chegou a dizer que o Brasil não precisava de dinheiro de outros países para proteger a Amazônia. Mourão minimizou a declaração, assegurando que foi feita “no calor da disputa” em torno dos incêndios que atingiram a Amazônia.

Em março, o embaixador Witschel afirmou ter “a impressão de que sobretudo a Noruega está de saco cheio”, ao comentar as conversações com o governo brasileiro sobre o Fundo Amazônia durante uma mesa-redonda sobre economia e meio ambiente realizada no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio de Janeiro.

A percepção de que o governo Bolsonaro não está comprometido com a preservação ambiental, que já era disseminada no continente diante do aumento do desmatamento e a crise das queimadas do ano passado, ficou ainda pior com a divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril.

A repercussão das declarações de Salles também dificultou o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, que já vinha claudicando por conta da explosão do desmatamento na Amazônia e do desmonte da política ambiental. A fala elevou a rejeição de parlamentares europeus à ratificação do acordo concluído em julho de 2019, após mais de 20 anos de negociação. Para que o texto passe a valer, precisa ser ratificado por todos os 27 parlamentos nacionais da Zona do Euro.

Na Bélgica e na Áustria, parlamentares aprovaram moções contrárias ao acordo, argumentando que o acesso facilitado ao mercado europeu pelo agronegócio brasileiro pode resultar em mais devastação ambiental. Nos últimos meses, políticos da Espanha e da Alemanha se mobilizaram para cobrar o governo brasileiro a modificação da política ambiental como pré-requisito para a aprovação do acordo.

Nome aos bois

Mesmo debaixo de críticas contundentes dentro e fora do Brasil, Salles segue prestigiado no governo. Bolsonaro o defendeu nesta quinta e negou que ele tenha cometido qualquer crime. Com a confiança renovada pelo chefe, Salles prossegue “passando a boiada” em cima da política ambiental.

A vítima mais recente foi o Projeto Tamar, iniciativa do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) voltada para a preservação de tartarugas-marinhas ameaçadas de extinção. Nesta semana, o MMA extinguiu oficialmente três bases avançadas do projeto em Camaçari (BA), Parnamirim (RN) e Pirambu (SE), a primeira do Tamar no Brasil, desativada desde o final de 2019.

Na terça (26), os principais jornais do Brasil estamparam um anúncio em defesa da gestão de Salles assinado por diversas associações setoriais. No mesmo dia, organizações ambientais lançaram o movimento “Nome aos bois”, a fim de identificar companhias que, indiretamente, endossaram o manifesto contra a “burocracia que devasta o meio ambiente”.

Com reprodução de tática semelhante à do Sleeping Giants, perfis como o do Greenpeace Brasil, Observatório do Clima e ClimaInfo publicaram no Twitter o nome das empresas vinculadas às associações que assinam o manifesto pró-Salles, utilizando as hashtags #NomeAosBois e #essaboiadanãovaipassar. Em menos de 24 horas, entidades e empresas se manifestaram negando participação no anúncio.

Entre elas a Natura e a Avon, filiadas à Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), uma das signatárias. As duas empresas disseram não aprovar a peça e não terem sido consultadas sobre ela. “Os índices de desmatamento no Brasil são alarmantes e existe uma urgência real por mais fiscalização e cumprimento da legislação. A gente discorda dessa manifestação de apoio”, respondeu a Natura. O Boticário foi na mesma direção e adicionou pedido à ABIHPEC para que retirasse sua assinatura da peça.

O Beach Park também contestou envolvimento no anúncio e acusou a Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (ADIT), outra signatária da peça, de não ter feito nenhuma consulta aos associados. O gigante da hotelaria francesa, Accor Group, acusou a ADIT de não ter consultado os associados. “[A] Accor é fortemente comprometida em reduzir sua pegada de carbono. Esse anúncio não representa nem os valores do Grupo nem seu engajamento diário. Estamos em contato com a associação e pedimos por um esclarecimento oficial”.

Na mesma linha, o grupo Bourbon de hotéis, os resorts Txai, a L’Occitane, a Mars (Whiskas, Pedigree e Royal Canin), a licenciadora da marca Turma da Mônica, a Batavo e a gigante do agro Marfrig se manifestaram contrariamente ao anúncio, que pode ter aprofundado ainda mais a divisão no agronegócio brasileiro.

Segundo o jornal ‘Valor Econômico’, há divergências entre empresas exportadoras, mais sensíveis aos humores do mercado externo, e entidades conservadoras, fortemente alinhadas com o governo Bolsonaro. A organização De Olho nos Ruralistas identificou que alguns dos signatários do anúncio também são os principais financiadores da bancada ruralista no Congresso Nacional. As demais estão ligadas às áreas de comércio, indústria, construção e administração de imóveis urbanos.

No subtítulo, o jornal afirma que “a temível e influente ministra da Agricultura do Brasil é uma dama de ferro dedicada ao agronegócio, cuja política acaba de levar a um novo recorde de desmatamento”. Ilustração: Reprodução.

“Madame Desmatamento”

Colega de Salles, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, mereceu um perfil na ‘M’, “Le Mag”, abreviação da palavra “magazine”, a revista de fim de semana do jornal francês Le Monde, divulgada nesta sexta. O perfil da fazendeira sul-mato-grossense e ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) traz o título “Tereza Cristina, a ‘Madame Desmatamento’ de Jair Bolsonaro”.

No subtítulo, o jornal afirma que “a temível e influente ministra da Agricultura do Brasil é uma dama de ferro dedicada ao agronegócio, cuja política acaba de levar a um novo recorde de desmatamento”. A expressão “dama de ferro” foi a alcunha de Margareth Tatcher, primeira-ministra do Reino Unido entre 1979 e 1990.

O texto do ‘Le Monde’ começa informando que uma cifra caiu de forma assustadora em plena pandemia: 55%. “Não se trata do número de mortes da Covid-19, mas da explosão do desmatamento na Amazônia brasileira desde o início do ano”, afirma o repórter Bruno Meyerfeld. “Por trás desses dados há um homem, claro, Jair Bolsonaro. Mas também uma mulher: Tereza Cristina, 65 anos, toda poderosa ministra da Agricultura e, sem dúvida, a figura mais influente do governo de extrema-direita”.

O repórter faz ainda uma comparação entre o estilo dela e o do presidente: “Polida, precisa, atenciosa, com seu tamanho — 1m56 — e seus óculos sérios, Tereza pouco lembra seu chefe”. Uma das fontes ouvidas por ele, sem se identificar, define a ministra como a “face respeitável desse governo de loucos furiosos”.

O biológo Rodrigo Machado Vilani analisa que o anticientificismo do governo é parte integrante da estratégia política de Bolsonaro e seu grupo político. “O ataque ao conhecimento, pesquisadores e instituições não é negacionismo, mas uma estratégia organizada pautada em discursos populistas, uso e aparelhamento dos órgãos públicos, disseminação de notícias falsas, desinformação, ameaças e violência, voltada para desqualificar as evidências científicas e coagir pesquisadores/as e, assim, elaborar e implementar políticas públicas sem qualquer embasamento científico”, aponta Vilani em artigo no portal ’O Eco’.

A organização ambiental WWF levantou as medidas tomadas pelo governo durante a pandemia do coronavírus (https://www.wwf.org.br/informacoes/noticias_meio_ambiente_e_natureza/?76363/Dando-nomes-aos-bois-listamos-os-atos-infralegais-que-prejudicam-o-meio-ambiente). A ONG também apontou os equívocos, incorreções e mentiras pronunciados por Salles durante a fatídica reunião de 22 de abril (https://www.wwf.org.br/informacoes/noticias_meio_ambiente_e_natureza/?76342/WWF-Brasil-checa-falas-de-Salles-em-entrevista).

Da Redação

 

 

 

 

 

 

 

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