“Nada de pânico, mas nada de negação”, diz médico sobre o coronavírus

O emergencista Ronald Wolff fala sobre os interesses por trás do pânico gerado pela doença e dá dicas de prevenção

Sheyden AfroIndígena

"Vivemos num mundo onde o melhor remédio para as pessoas não terem doença é dois ou três pratos de arroz e feijão por dia, e não amoxicilina três vezes por dia"

O coronavírus segue alcançando mais pessoas no Brasil e os casos já chegam a 234 infectados em 14 estados e no Distrito Federal. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a doença provocada pelo Covid-19 como uma pandemia. Segundo o Ministério da Saúde, já há registro de transmissão local do vírus em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.

Há 2.064 casos suspeitos e outros 1.624 já foram descartados. Não há nenhum óbito registrado no país até o momento – em todo o mundo, 5.735  pessoas morreram após contrair o coronavírus.

Médico do Pronto Atendimento na Lomba do Pinheiro, zona leste de Porto Alegre (RS), e assessor de organizações populares, como o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o doutor Ronald Wolff conversou com a Rede Soberania e o Brasil de Fato sobre o coronavírus.

Ele traz dicas de prevenção e, ao mesmo tempo, fala sobre os interesses econômicos por trás de casos como esse e sobre outros problemas de saúde pública que são muito mais fatais, mas não ganham a mesma atenção por parte de mídia e do governo.

“Às vezes, como vigilância epidemiológica, como sistema da saúde, ficamos mais preocupados com as doenças de pessoas que têm mais condições de resolver seus problemas. É muito sério isso, porque nós vivemos num mundo onde o melhor remédio para as pessoas não terem doença é dois ou três pratos de arroz e feijão por dia, e não amoxicilina três vezes por dia”, analisa.

Apesar de exigir cuidados como atenção redobrada com a higiene pessoal e ao frequentar locais de grande aglomeração de pessoas, há um certo pânico relacionado à doença que acaba fazendo com que a sociedade esqueça de problemas mais graves, como a dengue, que segue adoecendo pessoas, principalmente nas periferias das cidades. “Então, nada de pânico, mas nada de negação. Vamos tomar os cuidados que sempre tomamos para não pegar gripe”, aponta o médico.

Confira um trecho da entrevista:

Brasil de Fato: Qual a diferença da gripe comum para o coronavírus?

Ronald Wolff: São praticamente iguais, o que muda é o código genético. Eu já vi geneticistas renomados dizendo que é uma variante do vírus da gripe, outros dizendo que não. O estudo do vírus não é tão simples, ele não é como outros seres que tem DNA, com fita dupla em seu código, ele tem uma fita única. Então não tem DNA, mas RNA, isso mais na biologia molecular. Mas é um vírus que produz efeitos semelhantes ao da gripe.

A contaminação também se dá igual à gripe, com transmissão pelo ar e pelo toque. Então, todos aqueles cuidados que foram indicados para o H1N1 devem ser tomados em relação ao coronavírus, assim como para a gripe comum.

Pode matar? Claro que pode. Mas a gente tem que deixar claro que precisamos tomar os cuidados porque é ruim ter qualquer virose ou gripe. Mas não vejo motivo para pânico, por enquanto, assim como foi nos anos anteriores com o H1N1, quando alguns pensavam que morreriam milhões de pessoas, mas pouquíssimos casos causaram um dano maior.

Quantas pessoas morrem de gripe comum atualmente no Brasil?

Esse é um dado importante que faz com que a gente se pergunte: por que se cria toda essa celeuma em cima de um surto ou epidemia, como foi também com o H1N1? Me lembro que, no começo, o H1N1 havia causado sete mortes e saiu no Jornal Nacional [da Rede Globo] e em todas as redes. Mas a gripe comum mata em torno de 70 mil pessoas por ano no Brasil. Aí morreram sete e teve toda essa exposição. Qual o interesse por trás dessa divulgação com tanta intensidade, primeiro em relação aos perigos da gripe suína, que depois foi renomeada para H1N1. Antes ainda, havia tido a gripe aviária. Agora temos o coronavírus.

As pessoas têm que ter, em relação ao coronavírus, a mesma atitude que tiveram com o H1N1 e com as gripes: cuidados com a higiene e atenção para não estar em lugares fechados com muita gente. Também não ir correndo para os serviços de saúde por sintomas gripais comuns. Eu trabalho na emergência e, às vezes, o saguão está cheio, com pessoas tossindo ali. Quem não tinha alguma coisa pode sair com algo, então tem que cuidar com as aglomerações.

A gente não gera o pânico, mas não podemos deixar de ter os cuidados necessários para conter a disseminação do vírus e proteger as pessoas que têm a imunidade mais baixa. Algumas pessoas têm uma suscetibilidade maior ao vírus: idosos, crianças pequenas, pessoas que fazem tratamento para um tipo de câncer, pessoas que tem HIV, algumas pessoas cardiopatas (que sofrem de doenças do coração). Nós temos que cuidar para não estar circulante para essas pessoas estarem protegidas também.

A gente não gera o pânico, mas não podemos deixar de ter os cuidados necessários para conter a disseminação do vírus e proteger as pessoas que têm a imunidade mais baixa.

Essa difusão é tão forte que as pessoas esqueceram a dengue, por exemplo, que há pouco tempo era um pavor. Nós estamos em alerta laranja para a dengue, em uma situação de vigilância epidemiológica gravíssima, e não se fala mais nisso porque não é a bola da vez. Quem decide isso? Quem orienta qual é o pavor que a população tem que passar agora? A dengue é pior que o coronavírus, e agora as pessoas estão aí com pavor do coronavírus e não estão mais preocupadas com cuidados como verificar se tem água parada nos pneus, em locais que podem acumular água nas suas casas. Não se fala mais na dengue, mas ela está presente em muitas comunidades de Porto Alegre. Em muitos bairros existe o mosquito Aedes aegypti contaminando pessoas. É isso que faz com que a gente tenha essa visão crítica da situação e se pergunte: por que não se fala mais em dengue?

Confira a íntegra da entrevista do Brasil de Fato

 

Por Brasil de Fato

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