Nilto Tatto: Nossa opção pela paz e civilidade
Deputado e membro da CPI da Funai apresenta voto em separado com contribuição efetiva para iniciativas no plano institucional
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Com 61 casos de violência que resultaram em mortes e outras 200 ameaças denunciadas, 2016 foi o ano mais violento para os povos do campo desde 2003. Agora, a barbárie de Colniza (MT), os assassinatos ocorridos no Pará e o covarde ataque contra os índios Gamela (MA) atestam que, lamentavelmente, 2017 tende a ser pior.
Não bastasse isso, com o objetivo de perseguir, criminalizar e intimidar pessoas, entidades e movimentos que lutam em defesa da reforma agrária e da demarcação das terras indígenas e quilombolas, a bancada ruralista na Câmara dos Deputados atenta mais uma vez contra os direitos humanos, ao produzir e apresentar seu relatório da CPI Funai/Incra que, se aplicado, vai agravar os conflitos no campo.
De forma ilegal, propõe que sejam indiciados cerca de 100 pessoas entre indígenas, indigenistas, antropólogos, religiosos católicos, professores universitários, agricultores assentados, servidores e ex-servidores públicos e até mesmo Procuradores Federais da República e Advogados da União. E pretende, ainda, extinguir a Funai.
Mas, não por coincidência, ignora as operações da Polícia Federal e Ministério Público Federal que investigam organizações criminosas envolvidas em grilagem de terras, desmatamentos ilegais, milícias armadas e violência generalizada.
A truculência e a arbitrariedade marcaram a condução desta CPI, em especial pelo seu Presidente. Foram rotineiras a falta de respeito, as ofensas às prerrogativas parlamentares asseguradas à minoria, a parcialidade política e os atropelos às normas da Casa. Foi, seguramente, uma das CPIs mais judicializadas do Congresso Nacional.
No esforço de produzir um resultado direcionado aos seus propósitos, em maioria a bancada ruralista engavetou todos os requerimentos apresentados pelos representantes dos partidos políticos do campo progressista, para que fossem investigadas empresas e entidades que reúnem grileiros de terras públicas e grandes devedores da União e que, rotineiramente, ameaçam pequenos agricultores assentados, quilombolas e povos indígenas.
Na ausência de um fato determinado, um objeto ou motivação para serem averiguados, por mais de 500 dias em duas CPI´s subsequentes, limitaram-se a investigar a Funai e o Incra. E o resultado disso é o recente aumento de mortes no campo e violência contra os direitos das populações rurais, além da proteção e encobrimento aos casos de grilagem, assassinatos, compra de terras públicas, desmatamento ilegal e trabalho escravo, cometidos por pessoas e empresas, segundo denúncias, ligadas a ruralistas integrantes desta Comissão Parlamentar de Inquérito.
Em resposta a essas manobras e caráter tendencioso na condução da CPI, bem como na elaboração do relatório oficial, a minoria parlamentar apresentou voto em separado e produziu seu próprio relatório. A forma adotada para se contrapor aos discursos e ações dos setores conservadores, largamente majoritários na Comissão e no Congresso como um todo. Trata-se de uma narrativa crítica sobre a conduta dos ruralistas, que se utilizaram desta Comissão Parlamentar de Inquérito para reforçar suas ações sistemáticas pela subtração de direitos das populações indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e camponeses em geral.
Ainda que derrotado, o relatório paralelo é contribuição efetiva para iniciativas no plano institucional, em particular junto ao Ministério Público Federal. E serve como “ferramenta” à contraofensiva que por certo será deflagrada pelos ruralistas com a intenção de ampliar seu latifúndio, em detrimento dos territórios afetados junto aos segmentos sociais do campo, objeto de ataque desta CPI.
Este Voto em Separado apresenta proposições que podem trazer a paz no campo, a estabilidade jurídica, o reconhecimento dos direitos de todos e todas, por meio de medidas como:
1. Aprimoramentos na Política Fundiária e de Reforma Agrária e no combate a violência no campo e à criminalização dos movimentos sociais e retomar a Ouvidoria Agrária Nacional com caráter independente do Incra,
2. Aprimoramentos na Política para as populações indígenas e que a União execute integralmente o disposto no art. 215 da Constituição Federal de 1988, e que a Convenção 169 da OIT seja efetivamente aplicada.
3. Reestruturação da FUNAI, e não a sua extinção.
4. Que o Governo Federal, através da FUNAI, garanta recursos para efetuar o pagamento de indenizações por benfeitorias realizadas pelos ocupantes de boa-fé em terras tradicionais indígenas
5. Retomada imediata do processo de legalização dos territórios Quilombolas
São demandas e exigências mínimas que, infelizmente, em nenhum momento esta CPI se dignou a ouvir. Um passo de civilidade e humanidade para que se respeite as conquistas dos povos e das comunidades tradicionais, o direito do acesso à terra e dela viver, busca da paz no campo e a convivência fraterna entre todos os povos, raças e etnias, construindo um Brasil solidário e com justiça.
Nilto Tatto, deputado federal (PT-SP), membro desta CPI, é presidente da Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável