O PT faz 40 anos. Eu vi o começo!
“Um grupo de barbudos, vestindo camisetas de algodão brancas, aproveitava o movimento do dia da feira local para lançar o Partido dos Trabalhadores no município”
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Aquele 31 de agosto de 1980 era um domingo de céu claro em Água Branca – a 96 quilômetros ao Sul de Teresina.
Um grupo de barbudos, vestindo camisetas de algodão brancas, aproveitava o movimento do dia da feira local para lançar o Partido dos Trabalhadores no município.
A estrela principal do grupo era o líder sindical Luiz Inácio da Silva, o Lula, que, mesmo naquele município do interior do Brasil, já era muito falado, principalmente por liderar as grandes greves dos metalúrgicos do ABC paulista, de 1978 até ali.
Integravam a sua comitiva, que vinha de Floriano, em direção a Teresina e Campo Maior, o professor Antônio José Medeiros, o jornalista Roberto John, o cartunista Albert Piauí e os advogados Acilino Ribeiro e Lawrence Raulino, entre outros.
A multidão se aglomerou na praça do mercado, diante do caminhão-palanque equipado com um alto-falante.
A maioria era de trabalhadores rurais recrutados pelo sindicato da categoria, então presidido por Manoel Eduardo de Sousa, o Nezinho.
Sob seus chapéus de palha, eles enfrentavam o sol quente para ouvir, boquiabertos, aquele barbudo que gritava com sua voz rouca, puxando pela pronúncia linguodental, as palavras soando sibilantes, e que gesticulava e suava muito.
Esta é a imagem mais remota que tenho do PT, que amanhã completa 40 anos de fundação.
Lula visita jovens
Antes da concentração pública na praça da feira de Água Branca (hoje Praça Deputado Gomes Calado), Lula visitou nosso grupo de jovens.
Ele fora atraído pela informação de que éramos ligados à Igreja Católica e editávamos um jornalzinho mimeografado – O Águia – que fazia muito sucesso na cidade. Eu era o redator da publicação.
Quando Lula chegou à sede do grupo de jovens, por volta das 9 horas, ainda havia muito papel espalhado pelo chão.
A edição, de 200 exemplares mimeografados, acabara de sair, depois de virarmos mais uma noite na produção do jornalzinho, que era quinzenal.
Lula recebeu em primeira mão justamente a edição de número 13!
Ele sentou, conversou rapidamente com os jovens, informado que em São Paulo também passava por aquele tipo de experiência e garantiu que a luta valia a pena.
Lula não tocou em PT, mas enfatizou que o futuro do Brasil estava nas mãos dos trabalhadores e dos jovens. Tudo dependia apenas de conscientização e de organização. Da sede do grupo de jovens, foi a pé até a praça, a alguns quarteirões.
Muita gente saía à janela ou à porta para ver de perto, quase às escondidas, aquele homem que para muitos era um bravo e para outros era um “comunista perigoso”.
Para o regime militar, que dava as cartas na política brasileira, tratava-se de um subversivo incorrigível.
Por isso mesmo, ele estava enquadrado na temível e terrível Lei de Segurança Nacional.
A semente vingou
Lula fez o seu discurso na praça, desceu do caminhão, cumprimentou os companheiros trabalhadores e foi embora, para semear o Partido dos Trabalhadores em outros campos, Brasil afora.
Ali, em Água Branca, a semente daquele 31 de agosto de 1980 germinaria 22 anos depois.
Na eleição presidencial de 2002, Lula obteve no município 49,78% dos votos válidos, contra 21,27% do tucano José Serra, ex-ministro da Saúde; 14,05% de Ciro Gomes e 11,74% de Garotinho.
Isso no primeiro turno, pois, no segundo, ele alcançou 61,39%, da votação, contra 38,61% de Serra.
Água Branca, aquele município de pouco mais de 10 mil eleitores, em 2002, dominado por partidos políticos tradicionais, também apostava na mudança.
Como todo o Brasil, o município embarcou na “onda vermelha”, aquela que acreditava na “esperança vencendo o medo”, ao eleger o primeiro presidente da República oriundo das esquerdas, sem formação acadêmica, ex-operário e ex-retirante nordestino – Lula, a cara do PT.
Feito para lutar
No Piauí, o Partido dos Trabalhadores foi fundado por aquele grupo que acompanhava Lula em sua visita a Água Branca.
Ao longo da caminhada, outros foram se agregando à sigla, como Fonseca Neto, Nazareno Fonteles, Regina Sousa, Antônio Neto, Merlong Solano, padre Ladislau e Francisca Trindade, para citar alguns.
Somente em 1996 o partido elegeu o seu primeiro prefeito no Estado, no recém-criado município de Alagoinha, na região de Pio IX.
Por essa época, a sigla elegia um ou outro parlamentar no Piauí. Seu primeiro candidato a governador foi o trabalhador rural José Ribamar Santos, o Ribamar do PT. Ele teve modesta votação nas eleições de 1982.
A derrota não abalou o partido, que disputou novamente o Governo do Estado nas eleições seguintes – 1986, com o médico Nazareno Fonteles, e 1990, com o servidor público federal Antônio Neto.
Como a sina do PT era perder – mas era também lutar – Nazareno foi candidato ao governo outra vez em 1994.
A guinada do PT
Nas eleições seguintes, em 1998, os petistas mudaram a estratégia e se aliaram aos tucanos, lançando o sociólogo Antônio José Medeiros como candidato a vice-governador na chapa encabeçada pelo ex-prefeito Francisco Gerardo.
A vida do PT mudaria, contudo, a partir de 2002, quando o deputado federal Wellington Dias se elegeu governador.
Filiado desde 1985, Wellington era o primeiro petista do Nordeste a chegar ao comando de seu Estado.
Ele se reelegeu em 2006, elegeu-se senador em 2010 e voltou ao governo em 2014, conquistando outro mandato de governador em 2018.
Exerce hoje, portanto, o seu quarto mandato no Palácio de Karnak, elegendo-se e reelegendo-se sempre no primeiro turno. Nenhum outro político do Piauí conquistou tal proeza!
Esta é, em resumo, a história do começo do Partido dos Trabalhadores que vi de perto.
O restante dela, com seus altos e baixos, com os momentos de glória e de tragédia vividos pelo PT, todos conhecem.
Zózimo Tavares é escritor e jornalista