Papa alerta para a desigualdade e condena agenda ultraliberal

Na encíclica “Todos Irmãos”, Francisco analisa a crise mundial e a pandemia do coronavírus e seus impactos sobre a humanidade. “O mercado sozinho não resolve tudo”, alerta. Sua Santidade rejeita abertamente o neoliberalismo e manifesta profunda preocupação social com o destino dos povos. “O golpe duro e inesperado desta pandemia fora de controle obrigou, à força, a voltar a pensar nos seres humanos, em todos, mais do que no benefício de alguns”

Arte Agência PT

O Papa Francisco publicou neste final de semana uma nova encíclica – a terceira desde que assumiu a cadeira, há oito anos. Intitulada “Todos Irmãos”, o documento com as orientações gerais para a Igreja Católica Apostólica Romana, manifesta a preocupação de Sua Santidade com os destinos da humanidade e os impactos da agenda ultraliberal e a crise do capitalismo, agravada pela pandemia do Covid-19. Liberada no Dia de São Francisco de Assis, a encíclica mostra o compromisso do argentino Jorge Mario Bergoglio com a Justiça Social, ao alertar a humanidade para o consumismo, os impactos da globalização  e do neoliberalismo econômico e a tirania da propriedade privada sobre o direito aos bens comuns.

Ele alerta para a ausência da regulação das atividades financeiras no mundo e diz que o mundo caminha perigosamente para uma situação alarmante com o aumento da desigualdade. “O mercado sozinho não resolve tudo, embora mais uma vez queiram nos fazer acreditar nesse dogma de fé neoliberal. É um pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas diante de qualquer desafio que surja”, afirma o Papa Franciso. “Existem regras econômicas que foram eficazes para o crescimento, mas não para o desenvolvimento humano integral”, diz no texto da encíclica, dedicada a São Francisco de Assis.

O papa também manifesta profunda preocupação com o ambiente de guerra nas redes sociais. “Os movimentos digitais de ódio e destruição não constituem – como alguns pretendem fazer crer – uma ótima forma de mútua ajuda, mas meras associações contra um inimigo”, adverte. “As relações digitais, que dispensam da fadiga de cultivar uma amizade, uma reciprocidade estável e até um consenso que amadurece com o tempo, têm aparência de sociabilidade, mas não constroem verdadeiramente um ‘nós’; na verdade, habitualmente dissimulam e ampliam o mesmo individualismo que se manifesta na xenofobia e no desprezo dos frágeis. A conexão digital não basta para lançar pontes, não é capaz de unir a humanidade”.

Ele lembra o poeta brasileiro Vinícius de Moraes, que escreveu na canção “Samba da Bênção”, ao sugerir que as pessoas de diferentes culturas possam aprender a conviver. “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”, cita Francisco, em referência ao poetinha. Ele alerta que o mundo tem dado passos para trás e que “a história dá sinais de regressão”. E externa sua preocupação com os rumos da comunidade internacional.

“Reacendem-se conflitos anacrônicos que se consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos”, lamenta. “Em vários países, uma certa noção de unidade do povo e da nação, penetrada por diferentes ideologias, cria novas formas de egoísmo e de perda do sentido social mascaradas por uma suposta defesa dos interesses nacionais”.

O papa faz uma crítica justa à civilização ocidental e a adoção do que chama de “cultura do descarte”, com países e povos voltados apenas para a eficiência econômica, sem perceber o abismo social que está sendo gerado nas sociedades, que tendem a marginalizar os mais vulneráveis, em especial os pobres, os que sofrem de alguma deficiência, idosos e jovens. Tudo isso no momento em que o mundo vive a sua mais grave crise sanitária, com impactos diretos sobre os povos.

“A pandemia deixou a descoberto as nossas falsas seguranças. Ficou evidente a incapacidade de agir em conjunto. Apesar de estarmos superconectados, verificou-se uma fragmentação que tornou mais difícil resolver os problemas que nos afetam a todos”, diz o Papa Francisco. “Se alguém pensa que se tratava apenas de fazer funcionar melhor o que já fazíamos, ou que a única lição a tirar é que devemos melhorar os sistemas e regras já existentes, está a negar a realidade”. Ele prega a solidariedade como manifestação dos melhores ensinamentos cristãos como remédio nesses tempos difíceis. “O bem, como aliás o amor, a justiça e a solidariedade não se alcançam duma vez para sempre; hão de ser conquistados cada dia”, ensina. “Não é possível contentar-se com o que já se obteve no passado nem instalar-se a gozá-lo como se esta situação nos levasse a ignorar que muitos dos nossos irmãos ainda sofrem situações de injustiça que nos interpelam a todos”.

 

Da Redação

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