Paulo Okamoto: Enquanto mantiver suas raízes de luta, PT tem grande futuro

“Não pode ter desenvolvimento só para meia dúzia, tem que ser para milhões, para que milhões de pessoas tenham condições de consumir esses produtos que a sociedade moderna produz” afirma o presidente da FPA em entrevista

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Okamoto: “Nosso objetivo é gerar conhecimento, comportamento e atitude para auxiliar a transformação social que queremos"

O presidente da Fundação Perseu Abramo, Paulo Okamotto, reflete em entrevista à Focus os desafios do Partido dos Trabalhadores no marco de seus 44 anos. Construtor do Partido desde sua fundação, Okamotto trabalhava na Brastemp quando recebeu um panfleto do então líder sindical, Luiz Inácio Lula da Silva.

“Chamou a minha atenção naquele momento porque o Lula já era famoso no ABC e eu não esperava encontrá-lo na porta da fábrica”. Esse fato o surpreendeu e mostrou como o sindicato era sério. Foi isso que o levou a atuar no movimento sindical. Aos 25 anos, em 1981, Okamotto assumiu um cargo de tesoureiro no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, sucedendo a diretoria encabeçada por Lula, que tinha sido cassada pela ditadura devido às greves históricas.

Desde então, Okamotto foi companheiro de Lula na construção do Partido dos Trabalhadores. Nessa trajetória, participou da campanha de Lula para governador; foi da coordenação à candidatura de Lula a deputado constituinte; tesoureiro da campanha presidencial em 1989, tarefa que acumulou com a presidência do diretório estadual do PT de São Paulo. Em 1990 participou da criação do Instituto de Pesquisa e Estudos do Trabalhador (IPET), antecessor do Instituto Cidadania, hoje Instituto Lula, do qual foi presidente e atualmente é um dos diretores.

Em 2003, assumiu a diretoria de administração e finanças do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae – Nacional). Em 2005, foi eleito presidente da entidade, cargo que ocupou até 2010. A busca por justiça social e oportunidade para todos é o que o move até os dias atuais. Para Okamotto, em que pese as dificuldades organizativas, que podem e devem ser discutidas, o PT ainda é o partido que melhor representa os ideais de uma sociedade justa para os trabalhadores. “Enquanto houver desigualdade social, o Partido dos Trabalhadores será imprescindível para o Brasil”, avalia.

Atualmente, à frente da FPA, concentra seus esforços na formação de simpatizantes, militantes e dirigentes partidários por todo o país, “Nosso objetivo é gerar conhecimento, comportamento e atitude para auxiliar a transformação social que queremos.”

Leia a seguir trechos da entrevista:

FOCUS – As ideias e as necessidades que serviram de base para a fundação do PT prevalecem até hoje?

Paulo Okamotto – A causa e a necessidade, eu vejo perfeitamente. Nós temos um país onde, em que pese todo o esforço que fizemos durante os governos do PT em que conseguimos avançar em diferentes áreas, como educação, saúde, habitação, combate à pobreza e à fome, entre tantas outras ações, ainda há milhares de pessoas dormindo na rua, inclusive famílias inteiras, em condições subumanas. Ainda há também milhões de pessoas desempregadas ou subempregadas .Muita gente ainda não tem acesso às políticas públicas que construímos. Então, a nossa bandeira ainda faz muito sentido. Já fizemos muito, mas ainda há muito trabalho para ser feito.Enquanto o partido for defensor dessas causas, necessidades, desses fundamentos e querer buscar soluções para as dificuldades que o povo atravessa ele será fundamental. Eu acredito que o PT tem um grande futuro.

FOCUS – E como o PT vem preparando seus dirigentes, seus quadros, para esse partido do futuro?

Paulo Okamotto – Eu acredito que deve ser essa a missão da Fundação Perseu Abramo. A maioria dos nossos militantes foram formados nas lutas sociais e mesmo eleitorais. Mas o problema é que precisamos formar muito mais gente para andar mais rápido o processo de conscientização e organização. Na minha opinião, a dinâmica atual do funcionamento do Partido não permite que haja discussões sufIcientes sobre problemas organizativos e políticos que dizem respeito à construção partidária.

É por isso que estamos investindo na produção e difusão de conhecimento para formar os dirigentes partidários em todo o país e para explicitar quais são as suas principais tarefas. Estamos discutindo e sistematizando os conhecimentos, comportamentos e atitudes para um bom trabalho de base. Além disso, queremos entregar para os nossos quadros soluções para os problemas do tempo atual, como a inovação de propostas e discursos para dialogar com setores estratégicos da sociedade, como nos desafios da segurança pública, como tratar a questão da religião na política, como falar com os empresários de pequenos negócios.

Essas iniciativas visam com que mais gente conheça e simpatize com a proposta do Partido. Por isso, precisamos nos capacitar para combater as narrativas do senso comum usadas pela ultradireita para esvaziar as nossas propostas. Esse não é um desafio pequeno, visto que são usados valores que estão enraizados na nossa sociedade há centenas de anos, como “o argumento de que as mulheres precisam ganhar menos porque faltam mais no serviço, ficam grávidas etc” ou então a ideia de que “bandido bom é bandido morto” ou ainda que o “Estado é muito grande, muito pesado e que tem muito funcionário público” e a velha mentira de que “se tirar os direitos dos trabalhadores, vai ter emprego”.

Enfim, uma série de chavões que a direita usa e que nós temos que aprender a combater porque são ideias conservadoras e, muitas vezes, defendidas pela classe trabalhadora.

FOCUS – O PT nasceu para ser uma ferramenta da classe trabalhadora. Você acha que hoje ele dialoga com essa classe trabalhadora que tem se modificado tanto?

Paulo Okamotto – O partido dialoga com uma parte importante da classe trabalhadora, principalmente com os mais humildes que ganham de 0 a 2 salários mínimos. Mas o mundo do trabalho mudou, há novas relações de trabalho; a classe trabalhadora vê valores nas formas de prestar serviço, como a flexibilização de horário e a possibilidade de ter renda por iniciativa própria.

Agora os trabalhadores não estão somente nas fábricas, mas estão em redes de empresas que compõem as cadeias de produção de valor. Por isso, para obter a maioria da sociedade, nós precisamos aprender, ter consciência e colocar em nossas preocupações a solução da angústia da classe média e dos empresários de pequenos negócios. Sem ter um discurso para eles, não seremos capazes de transformar o país. Acabar com a fome e a miséria, crescer e desenvolver o Brasil é uma missão de todos. E é justamente por isso que necessitamos ampliar o nosso diálogo e organização.

FOCUS – E o que você falaria para uma liderança que está ingressando no partido ou com dúvidas de ingressar no partido?

Paulo Okamotto – Eu falaria para ela que não tem saída sem a participação dela na política e a luta por mais equilíbrio social em todo mundo. Estamos vivendo tempos difíceis com o crescimento de conflitos, guerras, ataques à democracia e rebaixamento do papel dos trabalhadores. E se ela quer construir outra realidade, o lugar dela é no Partido. Em que pese as nossas debilidades, um partido político é uma grande ferramenta de transformação. Que ela possa vir somar para acabar com as nossas deficiências e construir um partido mais vigoroso e que nunca se conforme com as limitações dele e que seja sempre criativa e ousada na militância. Ou seja, que não se conforme com a mesmice. O que eu não nunca vou dizer é: “entre e participe só das tendências, participe do diretório e fique na disputa interna”. Eu não vou recomendar isso para ninguém que queira entrar no partido.

FOCUS- Qual a importância do trabalho de base para o partido?

Paulo Okamotto – Se tivermos clareza dos objetivos, fica mais fácil verificar os seus resultados. Para mim, o trabalho de base é uma prática política que busca ampliar a consciência e a ação em torno de causas concretas. Então, por exemplo, se você quiser ser um bom sindicalista, têm formas e conhecimentos para fazer esse trabalho de base.

O conhecimento humano e a ciência (são produzidos pelos trabalhadores e trabalhadoras) têm que ser examinados, reelaborados e disseminados com a intenção de aperfeiçoar o trabalho de base. Por exemplo, as técnicas para interpretar a realidade e fazer uma boa análise de conjuntura, para realizar um planejamento, ter uma boa oratória e escrever com clareza são conhecimentos que podem ajudar na ação partidária. Nós queremos chamar a atenção de que há conhecimentos que podem ser mobilizados de acordo com o objetivo de cada tipo de trabalho de base, para agregar em torno de causas específicas e obter melhores resultados.

FOCUS – E quais são os desafios para os próximos 40 anos?

Paulo Okamotto – Os desafIos são muitos. Primeiro, a sociedade mudou muito nesses 44 anos; outros meios de comunicação foram construídos com uma grande capilaridade, como as redes sociais, as pessoas estão mais individualistas e mais consumistas. Ao mesmo tempo em que essas pessoas pensam enquanto consumidores na maior parte de seu tempo, quase nada discute-se as saídas coletivas, em projetos de país e do mundo, com mais justiça social, com empregos e salários decentes, desenvolvimento sustentável, preservação do meio ambiente, com cultura, educação e ciência e tecnologia para as pessoas de fato viverem e não apenas sobreviverem em meio a tanto desequilíbrio.

Uma ilustração disso que estou falando: as pessoas sempre querem o melhor carro, o melhor tênis, o melhor telefone, a melhor roupa, os melhores perfumes. Mas a pergunta é: como é que nós vamos conquistar isso se muitas vezes o salário não permite e também muitas dessas coisas não são feitas no país que a gente mora? Essa é uma discussão que precisa conectar a necessidade de ter bons empregos, portanto, para isso o país tem que ser desenvolvido.

Não pode ter desenvolvimento só para meia dúzia, tem que ser para milhões, para que milhões de pessoas tenham condições de consumir esses produtos que a sociedade moderna produz – e de uma forma moderada, porque se temos um alto consumo de tudo, também o planeta não aguenta – mas que permita às pessoas ter uma vida feliz, uma vida com segurança, uma vida confortável, uma vida com futuro.

FOCUS – Nesse cenário do futuro, como você vê o PT nos próximos anos?

Paulo Okamotto – O PT nos próximos anos será um partido que se apropria mais rapidamente de todas essas ferramentas que a sociedade está produzindo, que sabe atuar em redes sociais e redes organizativas com um discurso mais articulado e que seja reconhecido pela maioria da sociedade como um partido extraordinário pela defesa da classe trabalhadora, por suas marcas de gestão pública e contribuição com o desenvolvimento do país.

Um PT legitimado por se preocupar com o meio-ambiente e visto pela juventude como o lugar que discute e defende o seu futuro e presente. Um PT entrelaçado com a luta das mulheres e de igualdade racial; a casa dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros. Um Partido que tenha uma prática condizente com a sua história e com as bandeiras que ergue, ao mesmo tempo que tem comportamentos e atitudes inovadoras que empolgam e estimulam a transformação do Brasil. Esse é o partido que nós precisamos e que vamos construir.

Da revista Focus Brasil, da Fundação Perseu Abramo

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