Quem são as mulheres que vão participar da Marcha das Margaridas
Agricultoras, marisqueiras e quilombolas de todo o país se mobilizam para defender políticas públicas em Brasília
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Entre 13 e 14 de agosto, Brasília (DF) receberá a Marcha das Margaridas, maior ação conjunta de mulheres trabalhadoras da América Latina. Coordenada pela Confederação Nacional de Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), suas 27 federações estaduais e mais de quatro mil sindicatos filiados, ela é construída em parceria com os movimentos feministas, centrais sindicais e organizações internacionais.
O nome da marcha homenageia Margarida Maria Alves, sindicalista paraibana assassinada em 1983, aos 50 anos, por um matador de aluguel a mando de fazendeiros da região. Em 2019, completam-se 36 anos de seu assassinato. Até hoje, nenhum acusado por sua morte foi condenado.
Histórias que se cruzam
A pesca artesanal e a extração do maracujá do mato, fruta nativa do semiárido nordestino, são a base das atividades que geram renda para as 32 famílias assentadas do Projeto Agroextrativista Novo Jardim, localizado no pequeno município de Autuzes, estado do Amazonas. À frente dessas atividades, estão as mulheres, que também são as proprietárias dos lotes de terra.
Entre elas, Maria do Rosário Fernandes, 50 anos, conhece a fundo a história do local. Desde a conquista do assentamento, em 2006, ela acompanha as atividades e trabalha no extrativismo. Tamanha a relação com a região a fez ganhar o apelido carinhoso de Juma, em homenagem ao rio de mesmo nome que passa pelo município.
Ao contar sobre a realidade local, Juma não deixa de destacar os desafios cotidianos dessas mulheres, aprofundados pela desatenção do poder público. Escoar a produção se torna uma das tarefas mais difíceis em função das distâncias que separam as extrativistas do ponto de venda de suas mercadorias, a capital, Manaus.
A saúde, afirma a agricultora, é outro desafio. “Às vezes a mulher está dentro de uma comunidade, está grávida e precisa do socorro. Para chegar na sede do município, às vezes é um dia de viagem e não tem transporte. Ou um acidente com animais peçonhentos, como cobra, nos quais as pessoas morrem até chegar onde tem socorro”, relata.
A quase três mil quilômetros dali, na Bahia, a realidade da nordestina Lilian Santana, 26 anos, parece conversar com a de Juma. Apesar da longa distância que separa as regiões física e culturalmente, os desafios enfrentados em seus territórios liga a história e os desejos dessas duas mulheres.
Lilian é marisqueira em uma comunidade ribeirinha na Reserva Extrativista de Canavieiras, no litoral sul da Bahia. Aprendeu com a mãe e com a avó o ofício, e hoje ajuda a família com a pesca do siri e do aratu, caranguejo típico da região.
A atividade, desenvolvida principalmente pelas mulheres, sofre com desatenção do estado quando o assunto é a saúde, segundo critica a marisqueira.
“Muita exposição à temperatura baixa, com a água fria e a lama, faz com que as mulheres desenvolvam artrite, artrose, reumatismo. Tem mulheres que têm rachaduras nos pés, e não há tratamento. Isso fica com elas para o resto da vida. Elas têm que usar botas e algumas não têm condições de comprar, e se cortam nas ostras. Não há uma assistência de auxílio acidente”, explica. “Algumas [marisqueiras] estão longe de saber os direitos que têm e que deveriam ser assistidos”.
Em breve, a amazonense Juma e a baiana Lilian estarão juntas na capital federal, Brasília (DF), participando da Marcha das Margaridas. A mobilização tem sido vista como oportunidade para as agricultoras levarem até Brasília as preocupações e reivindicarem seus direitos.
Enquanto a amazonense participa de sua terceira edição da marcha, a baiana Lilian Santana vai pela primeira vez. A expectativa é de que 100 mil mulheres ocupem as ruas de Brasília nesta que é a sexta edição da Marcha das Margaridas. O caminho é longo e as dificuldades para financiar o transporte foram muitas, mas a vontade de estar lado a lado com as outras milhares de trabalhadoras das cinco regiões brasileiras é maior.
Aposentadoria
Além dos desafios de suas regiões, outra bandeira aparece nas preocupações que as duas trabalhadoras levam para a capital federal: a reforma da Previdência, nome comum para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6 de 2019, em tramitação no Congresso Federal.
Se aprovada, a principal pauta do governo de Jair Bolsonaro (PSL) aumentará de 60 para 62 anos a idade mínima de contribuição para aposentadoria das mulheres, além de estabelecer 20 anos de contribuição mínima, enquanto hoje são 15.
Quase 20 anos de história
Em sua sexta edição, a Marcha das Margaridas deste ano conta com o lema Margaridas na luta por um Brasil com soberania popular, democracia, justiça, igualdade e livre de violência.
A primeira edição ocorreu no ano de 2000 e contou com a participação de 20 mil mulheres. Como explica a coordenadora da Marcha, Mazé Morais, teve início ali uma mobilização nacional que até hoje organiza mulheres em suas localidades pelo país.
“É importante colocar que a Marcha não é só o momento em Brasília. Existe todo um processo de mobilização, formação e construção na base. É muito simbólico as mulheres marcharem onde está o centro do poder e dizerem quais as suas necessidades e os seus desejos”, afirma.
Segundo Mazé, que também é secretária de Mulheres da Contag, desde o início foram muitas as conquistas, como a titulação conjunta das terras para homens e mulheres e a campanha de documentação das trabalhadoras rurais.
Para a marcha deste ano, ela afirma que não será levada apenas uma pauta, mas um programa político. “São várias questões importantes que vamos propor: o direito à terra, à água, à agroecologia, educação, saúde, e contra todo tipo de violência, que está cada vez mais forte no país. É uma plataforma que pretende dizer para o Brasil e para o mundo qual é o modelo de sociedade que as margaridas defendem”, finaliza.
Por Brasil de Fato