Reformas da Previdência e trabalhista são desmonte do Estado democrático

Avaliação é da presidenta da Associação Juízes para a Democracia (AJD), Laura Benda: “As mudanças propostas penalizam apenas os trabalhadores”

Alessandro Dantas

Frente contra reforma da Previdência

A Associação Juízes para a Democracia (AJD) divulgou nota a respeito da “reforma” da Previdência do governo de Jair Bolsonaro. De acordo com o texto, sob o mesmo argumento “falacioso” da urgência econômica que justificou a tramitação e aprovação da “reforma” trabalhista, o governo agora pretende convencer a população de que mudanças previdenciárias que corroem os pilares constitucionais da seguridade social são imprescindíveis.

A presidenta da AJD, Laura Benda, teme uma “conjugação dramática” da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019 com a nova legislação trabalhista que já repercute no atual cenário brasileiro com aumento de colocações informais no mercado de trabalho, desemprego em alta e achatamento salarial.

“Será uma conta que não fechará. As duas reformas são a principal expressão do desmonte do Estado democrático de direito”, avalia, em entrevista ao jornalista Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual.

Leia a entrevista na íntegra

Com base na nota da AJD, quais são as são as principais inconstitucionalidades que estão na PEC da “reforma” da Previdência? Ou na prática o que se trata é de um desmonte do cerne daquilo que foi assegurado pela Constituição?

O ponto é bem esse. Em primeiro lugar o grande problema da PEC é que ela vem do nada, sem que as pessoas possam entender, até porque proibiram que a gente acessasse os estudos. De onde eles tiraram que seria necessário tomar esse tipo de medida para essa suposta economia? Esse já é um primeiro problema.

Mas percebemos uma inconstitucionalidade na própria lógica que afronta o sistema de seguridade social. As mudanças propostas penalizam apenas os trabalhadores, portanto, atacam a ideia de solidariedade, que é um dos princípios do sistema, e especialmente os trabalhadores com rendas menores, então gera uma desigualdade que não pode ser vista como constitucional.

E com relação à desconstitucionalização, hoje a gente tem os direitos previdenciários assegurados na própria Carta Constitucional, mas a proposta do governo passa parte desses diretos para a legislação ordinária. Como você vê esse aspecto?

Acho que esse é o mais grave de todos, inclusive está sendo bem polêmico. Espero que nada fique da PEC, mas esse ponto especialmente. Aí abre-se uma margem, sob o pretexto de economia de ocasião, que sempre existe em quaisquer governos. A cada ano, por exemplo, pode haver mais e mais reformas, que não precisarão de quórum qualificado. Não é preciso um mínimo de coalizão do Congresso Nacional para aprovação, o que é muito grave porque dá margem à completa desestruturação do sistema de Previdência e seguridade social.

A nota da AJD também menciona os termos técnicos da legislação previdenciária que dificultariam o entendimento da pessoas em relação àquilo que está sendo mudado. Você acha que esse é também outro aspecto fundamental, as pessoas ainda não conseguiram captar aquilo que muda na reforma da Previdência?

Foi anunciada uma perspectiva de milhões em gastos com a propaganda do governo para a aprovação da reforma, mas o que se viu até agora é que, ao invés de informar a população, a propaganda é sempre no sentido de que isso é uma salvação, que combate os privilégios, mas não é nada disso. Não só a proposta não está embasada em estudos, que nunca foram apresentados, como o impacto real na vida dos trabalhadores, especialmente os mais vulneráveis, os rurais por exemplo, não está explicado de maneira nenhuma.

Mas, mesmo sem isso, as pessoas estão desconfiadas. A gente percebe por manifestações que aconteceram no Dia do Trabalhador e pela sensação nas ruas que as pessoas estão entendendo que vão precisar trabalhar muito mais e ganhar menos, e até por isso o governo está tão empenhado em gastar tanto com a propaganda.

Um dos pontos destacados pela pesquisa CNI/Ibope divulgada na semana passada mostra que boa parte das pessoas, mesmo aquelas que rechaçam a proposta de reforma da Previdência, acreditam que ela é necessária. Você avalia que esse argumento, questionável, de que a reforma é de fato necessária vai acabar ajudando o governo?

Acho que pode ajudar, infelizmente. Existe uma percepção de que a gente tem um déficit fiscal, que é erdadeiro, mas a questão é que não precisa dessa reforma para que ele seja resolvido. Na verdade, existe uma série de estudos, a própria CPI da Previdência demonstrou isso, que a Previdência não é exatamente deficitária ou não seria se houvesse, além da cobrança dos inadimplentes, uma série de benefícios oferecidos às empresas a título de desoneração e, principalmente, se é extinta a ideia da DRU (Desvinculação das Receitas da União), em que o governo pega uma parte do orçamento, que é por lei vinculado a alguma coisa, e gasta com outra.

A economia que se fizesse com isso seria suficiente para resolver o problema de equilíbrio das contas, não seria necessária essa proposta de reforma da Previdência. Mas isso não é dito e não é, portanto, compreendido pela população.

E a AJD pretende tomar alguma iniciativa não só no âmbito da comunicação, mas também em relação à própria tramitação da proposta de reforma da Previdência?

Vamos considerar ainda, por sermos uma associação de juízes e juízas temos algumas ressalvas em interferir diretamente em um processo legislativo, até para que isso não comprometa a jurisdição dos nossos associados. Em um primeiro momento a gente está, muito antes dessa proposta, desde a proposta do governo de Michel Temer, engajado em um campanha informativa. Pretendemos prosseguir nesse caminho e pensar melhor se existe alguma outra medida para o futuro.

Você é uma juíza que atua no âmbito da Justiça do Trabalho. Como vê a conjugação dos efeitos da “reforma” trabalhista com os da “reforma” previdenciária?

É uma conjugação dramática. A reforma já foi o maior ataque aos direitos sociais promovido desde a instalação do Estado democrático de direito do país, com a Constituição. E, aliás, uma coisa está ligada a outra, porque a gente percebe, passado um ano e meio, que só aumentaram as colocações de modo informal, houve aumento do desemprego, achatamento dos salários, ao mesmo tempo em que é exigido que as pessoas trabalhem mais tempo e contribuam mais. Será uma conta que não vai fechar.

As duas reformas são a principal expressão de um cenário de desmonte do Estado Democrático de Direito, que é a ideia de que não será possível a ninguém, a nenhum trabalhador comum ter as condições para se aposentar e receber os benefícios sócias. É muito grave.

Por Rede Brasil Atual

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