Relatório da Oxfam Brasil aponta limites da democracia no Brasil
Participação e representação social ainda são desafios a serem enfrentados no país. Com a eleição de Bolsonaro, o cenário de desigualdade social se agravou
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O conceito de democracia é um campo em disputa e seu exercício pleno é um desafio em sociedades como a brasileira, em que os contextos históricos e sociais são tão demarcados por eventos políticos que atuam na contramão do que vem a ser democracia.
Mas a democracia que se tem vigente no Brasil é suficiente para a redução das desigualdades?
A resposta está no Relatório “Democracia Inacabada: um retrato das desigualdades brasileiras – 2021”, publicado nesta segunda, 9. Elaborado pela Oxfam Brasil, o documento analisa a relação entre desigualdades e a democracia no Brasil, com análise sobre a participação e representação como questões fundamentais para efetivar comandos constitucionais por uma sociedade mais justa e igualitária no país.
Dividido em quatro partes, o Relatório esmiúça a realidade da democracia brasileira, jogando luzes sobre as desigualdades no país. Nesta primeira matéria, falaremos sobre democracia, desigualdades e participação social.
No item sobre democracia e desigualdades, o Relatório aborda momentos da história do país em que houve uma maior concentração de renda por um grupo social minoritário. Foram analisados os períodos do fim da República Velha e o Estado Novo (entre 1926 e 1945); início da ditadura militar de 1964 e hiperinflação decorrente da crise econômica e política dos anos 1980.
“A análise dos três períodos em que se verificou aumento da desigualdade aponta para uma relação entre mais democracia e menos desigualdade. Porém, se no caso brasileiro (e mundial, vide Chile a partir de 1973 e Alemanha nos anos 1930), períodos de ditadura estão, em geral, associados a mais desigualdade, períodos de (re) democratização nem sempre implicam em indicadores ligados a uma sociedade mais justa e igualitária”, aponta trecho do Relatório.
Nesta abordagem, o documento evidencia que o sistema político em vigência, por si, não determina se uma sociedade é mais democrática ou não. “A democracia não garante necessariamente igualdade, sendo necessário verificar o tipo e impacto das políticas públicas adotadas em cada um dos períodos para entender essa dinâmica”, orienta o texto.
Participação social
As restrições à participação popular, são marcas de regimes autoritários, o que favorece a adoção de medidas políticas que ampliam as desigualdades e favorecem grupos sociais que já são privilegiados.
A participação nos regimes democráticos se dá principalmente através do direito de votar e ser votado. “A concentração do poder político nas mãos da elite política e econômica cria condições para uma captura do Estado em benefício dos interesses daqueles que compõem esse grupo, um fenômeno que será tanto mais intenso quanto mais limitada for a participação popular no processo decisório”, aponta o Relatório.
O retrato mais fiel a essa afirmação é perceptível através do raio-x sobre a detenção do poder político no país, que privilegia a eleição de homens ricos e brancos.
Mas não é só através do voto que se dá a participação popular na democracia brasileira, ela acontece também por meio dos colegiados participativos.
Os primeiros órgãos de participação colegiada do país foram criados no início do século 20, a exemplo do Conselho Nacional de Saúde (criado em 1937), mas foi a partir da década de 70, que esses espaços ganharam força e impulso, em um contexto político adverso em razão da ditadura militar, mas de bastante efervescência social. Outro exemplo, foi a criação em 1985, do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.
“Esse movimento, germinado em fins dos anos 1970, ganhou força nos anos 1980 e influenciou o processo Constituinte, resultando em uma Constituição Federal elaborada a partir de uma pluralidade de forças e sujeitos políticos, consolidando um conjunto de princípios e diretrizes para a participação cidadã na implementação e no controle social de políticas públicas”, destaca um dos trechos do relatório da Oxfam Brasil.
Ampliação de espaços de participação
Houve uma crescente participação social no país nos períodos dos governos de Lula e Dilma, entre 2001 e 2016 foram criados 18 espaços de participação social.
“No final de 2018, havia 40 conselhos ou comissões nacionais de políticas públicas no Brasil, sendo que 75% deles foram criados após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e 45% entre 2001 e 2016”, aponta o Relatório.
Entre 2003 e 2014, mais de 9 milhões de brasileiros participaram ativamente de 98 conferências nacionais de 43 áreas, como educação, juventude, saúde, cidades, mulheres, comunicação, direitos LGBT, entre outras. Políticas e decisões fundamentais para o país passaram a ser formuladas e implementadas a partir de amplo diálogo com a sociedade civil.
Além das conferências, conselhos, outros canais de diálogo foram criados, como ouvidorias, fóruns e a Lei de Acesso à Informação (LAI), criada no governo Dilma em maio de 2012.
A participação social é um dos pilares que sustentam o modo petista de governar. Não por acaso, o bolsonarismo tem tanto medo de que o PT volte à presidência. O nosso compromisso com um país democrático, com menos desigualdades e oportunidade para todos não cabe na concepção elitista de quem apoia Bolsonaro”, reforça Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT.
Ameaças de Bolsonaro
Se nos mandatos de Lula e Dilma houve uma intensa participação social, a partir de 2018 com a eleição de Jair Bolsonaro, os espaços colegiados de participação social entraram em derrocada no país. Extinguiu, limitou e enfraqueceu a atuação de conselhos nacionais, entre eles, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão essencial na estruturação de políticas de combate à fome no Brasil e extinto de forma arbitrária em abril de 2019, sob o argumento de que a medida traria economia para o país.
“O decreto de Bolsonaro, além de determinar a extinção de colegiados criados por norma infralegal — incluindo decretos ou atos normativos inferiores, como atos de outros colegiados —, revogou a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS)”, aponta trecho do relatório.
No relatório sobre a situação dos Direitos Humanos no Brasil, publicado em fevereiro de 2021, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) destacou que o “Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) foi responsável por significativos avanços no diálogo para a política de combate à fome no Brasil, e seu enfraquecimento pode ter consequências irreversíveis em um país que atualmente enfrenta o aumento dos níveis de desemprego, pobreza e extrema pobreza”.
Depois da eleição de Bolsonaro, os índices sociais apontam que a fome está de volta, atingindo a vida de milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade.
De acordo com os dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), de 2018 a 2020, o aumento da fome no Brasil foi de 27,6%. Em apenas dois anos, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave saltou de 10,3 milhões para 19,1 milhões. “Nesse período, quase 9 milhões de brasileiros e brasileiras passaram a ter a experiência da fome em seu dia a dia”.
Acesse o relatório “Democracia Inacabada: um retrato das desigualdades brasileiras – 2021”
Redação Elas por Elas