Retomar nas ruas a memória revolucionária do 8M, por Rafaella Rios

As mulheres lutadoras brasileiras há mais de um século vem ocupando as ruas no 8 de março e lutando não só pela memória do que de fato essa data representa, mas também pela ampliação das reivindicações

EBC

Atualmente, o dia Internacional das mulheres é, sem dúvidas, amplamente comemorado e divulgado na sociedade brasileira e na cultura vigente. A data aparece como um momento notável, festejada de diversas formas e em diversos meios, desde as celebrações nas escolas, dentro das casas, nas campanhas das maiores marcas e nos mais conhecidos meios de comunicação. No entanto, essa comemoração massificada não necessariamente remete ao que, de fato, impulsionou e deu origem a essa data no século XX.

Há, propositalmente, um apagamento do caráter transformador, revolucionário e de resistência que a origem da data remete. Afinal, o marco foi forjado a partir da luta das mulheres operárias e socialistas. Desde o inicio do século XX, diversos acontecimentos e processos de lutas foram dando subsídio ao que veio a ser reconhecido e oficializado pela ONU apenas em 1975 como dia internacional das mulheres.

Em 1908 aconteceu a marcha das mulheres em Nova York que lutava pelo direito ao voto, melhores condições de trabalho e aumento de salários. Foi em 1910, na conferencia internacional de mulheres socialistas (Alemanha) que Clara Zetkin, aclamada por suas companheiras, afirmou a importância da criação de uma data que reunisse, simbolicamente, as lutas que vinham sendo construídas pelas mulheres mundialmente.

E mais: para espanto da maioria, foi em 8 de março (no calendário gregoriano) de 1917, na Revolução Russa, que mulheres socialistas marcharam por “Pão e vida” num movimento que ficou depois conhecido como revolução bolchevique e consolidou, portanto, o dia como aquele em que se comemora a luta por direito das mulheres.

Não por coincidência, mas a partir de um processo de articulação política, ocorreu e ocorre um movimento de invisibilização simultaneamente à romantização, comercialização e banalização da data. Esse fato reflete uma armadilha atual comum: a sociedade capitalista e liberal se apropria de memórias coletivas, identidades e pertencimentos do nosso povo de modo a dissociá-las, gerando esquecimento histórico. No caso do 8 de março esse movimento de apropriação ocorre disfarçado de empoderamento, valorização e emancipação da mulher. Afinal, o que teria de tão ruim em distribuir flores e poemas para mulheres durante um dia especial do ano?

Não seria esse o problema de fato. A questão é que o machismo e o patriarcado são elementos estruturantes da sociedade capitalista e portanto, a luta feminista é, por si só, revolucionária. Para os movimentos sociais, a batalha pelas ideias é a luta incessante por contar as histórias que a História não conta. Diante disso, as mulheres lutadoras brasileiras há mais de um século vem ocupando as ruas no 8 de março e lutando não só pela memória do que de fato essa data representa, mas também pela ampliação das reivindicações.

Apesar das diversas conquistas que, graças às mulheres revolucionárias, a nossa sociedade conquistou, são diversas as violências que ainda precisamos vencer. Quando falamos de Brasil, país colonizado, na margem no capitalismo, e estruturado numa economia escravocrata, há de se debater o elemento racial como estruturante da luta feminista: enquanto as mulheres europeiais lutavam pelo direito ao voto as mulheres negras brasileiras gritavam pelo fim da escravidão.

A classe trabalhadora brasileira é representada por um sujeito com raça e gênero e o desafio aqui é também rememorar e saudar a luta das nossas heroínas que são ainda mais invisibilizadas. Aliás, em “O segundo Sexo” Simone de Beauvoir, para retratar o patriarcado, descreve uma sociedade em que existe o homem e “o outro” que seria a mulher. Enquanto que, como bem analisa Djamila Ribeiro, no Brasil a mulher negra seria “o outro do outro”.

É a partir dessa perspectiva que a construção do 8 de março precisa ser transmitida e celebrada pela voz dos movimentos sociais, trazendo a memória daquelas que tombaram lutando por transformações radicais e reunindo a força das mais diversas mulheres organizadas coletivamente que lutam por uma sociedade mais justa e igualitária e revisitando a ancestralidade que nos move a gritar: a revolução será feminista, ou não será! O feminismo será revolucionário ou não será.

Rafaella Rios é diretora de Movimentos Sociais da UNE e integrante da direção nacional do Coletivo Quilombo

 

 

 

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