Sem governo federal, estados investem para salvar pequenos negócios
Desgoverno Bolsonaro postergou a reedição de programas para micro e pequenas empresas. Pelo menos R$ 1,7 bilhão que poderiam ser investidos em serviços de saúde estão sendo usados para evitar quebradeira geral
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A novela em que o desgoverno Bolsonaro transformou o Orçamento da União de 2021 postergou a reedição de ações de apoio aos pequenos negócios de tal forma que 15 estados tomaram iniciativas para socorrê-los no momento em que a gravidade da pandemia impõe medidas de restrição social. Segundo o jornal ‘Valor Econômico’ desta quinta (15), os estados estão desembolsando R$ 1,7 bilhão com essas políticas.
Esse dinheiro, que poderia ser aplicado em despesas com saúde, é uma forma de manter vivos micro e pequenos empreendedores. Para evitar a quebradeira geral, os governos lançam mão de recursos próprios do Tesouro estadual para financiar linhas de crédito, auxílio, fundo de aval ou subsídios para amortização de juros.
A secretária de Fazenda do Ceará, Fernanda Pacobahyba, lembra que no ano passado o governo estadual já havia lançado várias medidas, como a prorrogação de vencimento de tributos. Segundo ela, neste ano foi necessário também oferecer crédito. “Há um vácuo porque a pandemia continua, as medidas federais acabaram e a União ainda precisa aprovar o Orçamento deste ano. Todos os estados estão atentos para isso.”
Para o economista e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) Manoel Pires, a “relutância” do governo federal criou o vazio que estados e municípios buscam preencher. No entanto, isso não isenta a União de reeditar ações como o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) e o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (Bem).
O ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, usa os programas como instrumento de pressão no Congresso Nacional. Na terça (13), ele sinalizou a empresários do setor de serviços que só haverá reedição do Pronampe e do Bem após a aprovação do projeto que altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ou da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que exclui ações contra a Covid do teto de gastos.
A reunião ocorreu no Palácio do Planalto, com a presença de Jair Bolsonaro. Um dos presentes, o presidente da Associação de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, disse que há meses as entidades cobram uma resposta do governo.
“Em 27 de janeiro o presidente fez uma promessa de (resolver em) 15 dias. Já temos 80 e nada”, afirmou Solmucci. Segundo ele, a proporção de bares e restaurantes que não tem conseguido pagar salários em dia é crescente. “O setor está morrendo “, disse.
Nove em dez estabelecimentos terão problemas para pagar salários de abril
Pesquisa da Abrasel realizada entre 1° e 5 de abril, com mais de dois mil empresários do setor de alimentação fora do lar em todo o Brasil, identificou a gravidade da situação. O levantamento aponta que 91% dos entrevistados disseram enfrentar problemas para pagar os salários de abril, e 76% já tiveram dificuldades para pagar a de março. Além disso, 73% tiveram de demitir empregados nos três primeiros meses do ano.
Isso é resultado direto do faturamento baixo e do alto endividamento: 82% trabalharam no prejuízo em março e 76% deles afirmaram ter algum tipo de pagamento em atraso, principalmente impostos, aluguéis e fornecedores. E 70% deles estão com parcelas do Simples vencidas.
“Estamos há mais de dois meses na espera de uma nova MP dos salários. Sem isso, mesmo caminhando para a reabertura, muitos estabelecimentos não irão aguentar. As ajudas em alguns estados e municípios foram bem-vindas, mas insuficientes”, critica o presidente da Abrasel. “Nosso levantamento aponta que 77% dos empresários pretendem contratar novo empréstimo do Pronampe caso o programa seja reaberto.”
A 10ª edição da Pesquisa ‘O Impacto da Pandemia do Coronavírus nos Pequenos Negócios’, do Sebrae em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), também aponta situação crítica, principalmente entre pequenos negócios com dívidas em atraso. O levantamento aponta que 92% das empresas com dívidas em atraso tiveram perda de faturamento. Número que cai para 73% dentre as com compromissos em dia.
Para mais da metade dos entrevistados (51%), a principal medida do governo para auxiliar o segmento nesse momento seria a extensão das linhas de crédito com condições especiais como o Pronampe. Outras 13% deram mais importância à extensão do auxílio emergencial.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, confirmou na quarta (14) que serão realizadas duas sessões do Congresso Nacional na próxima semana. O PLN 2/2021, mencionado por Guedes como condição para reeditar Pronampe e Bem, estará na pauta. Mas pode ser tarde demais.
Nelson Marconi, economista e professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), afirmou ao portal ‘Nexo’ que a demora, desnecessária, pode ter “matado” muitos CNPJs.
“Postergar isso significa que teremos muito mais empresas parando suas atividades do que teríamos se tivéssemos começado antes essas medidas, no começo do ano. Ou também se tivéssemos feito no ano passado alguma regra que dissesse que, se a pandemia continuasse, esses programas continuariam valendo”, afirma o economista.
“Como isso não foi feito e o governo não tomou nenhuma medida para estender os programas, porque não está no portfólio deles – na verdade, querem reduzir o Estado –isso só veio depois de uma pressão muito forte quando a pandemia se estendeu”, prosseguiu Marconi.
A insegurança jurídica e econômica de empresários e trabalhadores, para o professor, postergará ainda mais a possibilidade de recuperação da economia. A consequência dessa inação, diz ele, é a lógica: “Ficaremos iguais ou piores que no ano passado, que já foi muito ruim”.
Da Redação