Serra tem retórica vazia e poucas propostas concretas para MRE

Especialista em Relações Internacionais analisa atuação do chanceler indicado por Temer e afirma: ‘Serra não tem política para Relações Exteriores’

Foto Lula Marques/Agência PT

À frente das Relações Exteriores, José Serra (PSDB) foi um dos ministros que, por enquanto, sobreviveu à crise política do governo interino de Michel Temer (PMDB). Ele revela, no entanto, não possuir uma política definida para as relações internacionais do Brasil.

Em mais de um mês de gestão, centrou-se em desqualificar a diplomacia dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, sem mostrar que plano pretende implementar.

Como se o Brasil voltasse à década de 1990, pretende transformar o Itamaraty em mais um centro de política econômica, esvaziando relações diplomáticas. Esta é a avaliação do coordenador do curso de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), Giorgio Romano Schutte.

“Serra está tentando passar a ideia de que o que foi feito nos governos Lula e Dilma teria sido uma política de partido, e não de Estado. E que, com ele, voltaria a ser feita política de Estado. Muita retórica e pouca proposta concreta”, afirmou, em entrevista à Agência PT de Notícias.

Um fato que confirma esta falta de diretriz é que ele já precisou retroceder em algumas de suas medidas anunciadas. “Trapalhadas”, caracterizou o professor. “Nós vamos ver ainda muitas formas de ‘cair na real’”, disse, referindo-se justamente a estas situações em que o chanceler faz críticas, mas, depois, precisa reconhecer os erros no discurso.

Por exemplo, Serra disse ser contra a união alfandegária do Mercosul e prometeu rever a tarifa externa comum. “Mas precisou voltar atrás porque percebeu que não era esta a reivindicação do setores empresariais, pelo contrário”.

Falou também que fecharia embaixadas porque os governos Lula e Dilma tinham “diplomacia megalomaníaca”. “Agora disse que vai só fazer levantamento de gastos”, lembrou Romano.

Ele pensava que o Brasil deixava de firmar acordos comerciais por questões políticas ou por obstáculos trazidos pelo Mercosul, mas precisou se retratar. Um exemplo são as críticas de Serra ao impasse nas negociações de um acordo comercial entre União Europeia e Mercosul. Para ele, a culpa seria do governo brasileiro ou do bloco sul-americano.

“Ao contrário do que se imagina, o obstáculo a esse acordo não é o Mercosul”, disse Serra, em Paris. “É a UE que não quer abrir mercado aos produtos agrícolas”, reconheceu.

Giorgio Romano Schutte (Foto: Roberto Parizotti/CUT)

Giorgio Romano Schutte (Foto: Roberto Parizotti/CUT)

Falta diplomacia
Serra não está propondo nenhuma política externa nova, mas tentando desmoralizar os chanceleres de Lula e de Dilma, com base em argumentos falsos, segundo o especialista.

Ele também não soube o que fazer em relação à Venezuela. Ao mesmo tempo em que o chanceler sinaliza apoio à oposição do país vizinho, não tem, também neste caso, nenhuma alternativa concreta a apresentar.

Romano menciona que Lula assumiu a Presidência um ano após a oposição ao então presidente Hugo Chávez tentar dar um golpe de Estado. A solução por ele apresentada foi criar o grupo ‘Amigos da Venezuela’, com a participação dos Estados Unidos e da Espanha, dois países que apoiaram a atuação oposicionista. O objetivo era pacificar as relações.

“Qual é a proposta do Serra agora? Ele deveria tomar uma medida igual, porque estamos em risco de um conflito, como em 2003. O Brasil convenceu Chávez a aceitar um tipo de diálogo envolendo a oposição e os amigos da oposição, e o Serra deveria fazer o mesmo. Mas ele não tem propostas e sabe que está brincando com fogo”, afirmou.

Uma das explicações para esta postura é o fato de este ter sido o MRE o ministério que sobrou para José Serra.

“Ele não inclusive não está lá exatamente por opção. Ele queria, evidentemente, estar em uma posição ligada mais diretamente à política econômica. Mas, pela divergência que ele acumulou, isto era impossível”, analisou.

Volta ao passado
“Não é exagero falar que estamos retrocedendo porque a forma como ele apresenta o mundo parece que ele não entendeu que não existe mais o mundo dos anos 90”, disse o professor, lembrando que havia, naquela década, por parte do então governo brasileiro, uma concepção de política externa em que a prioridade era fazer acordos comerciais, para além do diálogo.

A forma como enxerga a diplomacia rebaixa as relações internacionais à procura de oportunidades comerciais. “Não só acordos comerciais que abrem mercado”, completou. “O governo Lula entendeu que o papel do Brasil era fazer muito mais que isto. Serra quer transformar o Itamaraty em um novo centro de política econômica”.

O professor lamentou também a perseguição do Itamaraty a quem tem postura progressista, citando o exemplo do diplomata exonerado. Milton Rondó Filho, que oupava um cargo comissionado de coordenador-geral de ações internacionais de combate à fome. Foi demitido em 14 de abril, segundo Diário Oficial da União. Ele enviou mensagens a representações diplomáticas do Brasil no exterior com mensagens alertando para um golpe contra Dilma.

Por Daniella Cambaúva da Agência PT de Notícias

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