Temer está praticando censura, diz ex-presidenta da EBC
Em debate, Franklin Martins, Tereza Cruvinel e Lalo alertam para retrocesso na comunicação pública no Brasil após golpe contra Dilma Rousseff
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É preocupante que uma das primeiras medidas do governo interino de Michel Temer tenha sido realizar mudanças ilegítimas na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), com objetivo de tirar sua autonomia. Tal decisão revela a natureza autoritária de Temer, dizem participantes do debate ‘Em defesa da EBC e da comunicação pública no Brasil’, realizado na noite desta segunda-feira (11) no Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, em São Paulo.
Estavam presentes o ex-ministro de Comunicação e jornalista Franklin Martins, a ex-presidenta da EBC e jornalista Tereza Cruvinel e o jornalista e sociólogo Laurindo Lalo Leal Filho. É unanimidade entre os debatedores que tanto Temer quanto os partidos da bancada do golpe buscam reforçar a hegemonia da mídia no país.
Um das principais críticas feitas no debate foi a exoneração do presidente da EBC Ricardo Melo após o afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff. A legislação estipula que o presidente desta instituição tem mandato de 4 anos, independentemente do chefe do Executivo. Esta regra existe justamente para evitar que este se torne um cargo partidarizado. Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2 de junho, Melo foi reconduzido ao cargo.
“Todo governo autoritário começa atacando a divergência”, disse Tereza Cruvinel. Segundo ela, a primeira ordem do Ministro golpista da Casa Civil, Eliseu Padilha, foi “tirar do ar” jornalistas que estavam atuando como comentaristas. “Foi censurar, foi tirar aquelas vozes dali”, relatou.
Para Franklin Martins, foi assustadora a forma como o interino atacou a comunicação pública. O ex-ministro lembrou que, ao assumir a presidência da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) havia afirmado que não aconteceria, enquanto ele estivesse no cargo, a regulamentação da mídia no Brasil. Em sua opinião, isto revela dois fatos: sua disposição em atender aos interesses da imprensa tradicional e a vontade de fechar os espaço para qualquer voz que não faça coro com a mídia hegemônica.
A finalidade das mudanças na EBC está clara, para o ex-ministro: “O que eles querem é naturalizar que só pode haver uma comunicação”. Martins também afirmou que o “Pluralismo não se impõe naturalmente. É alvo de uma disputa política”.
Temer censura mídia
Desmontando a EBC e acabando com patrocínio a blog e sites que não são da imprensa tradicional, Temer quer reforçar um discurso hegemônico, avalia Cruvinel. “Daqui a pouco vão começar a fechar portas por aí”. Ela se referia a cortes em anúncios do Planalto na mídia alternativa.
Ao explicar por que a comunicação pública ficou vulnerável com o golpe, Cruvinel citou a história da comunicação no país e a trajetória da comunicação pública. Trata-se de uma legislação recente, obretudo se comparada a outros países, que consolidaram suas empresas públicas de comunicação antes.
No Brasil, a Constituição de 1988 é marco para a mudança. No artigo 223, consta a complementaridade entre os sistemas estatal, público e privado na comunicação. Em outros países, como Alemanha e Inglaterra este processo aconteceu década de 1960.
A EBC é um projeto que nasceu há 8 anos, com forte oposição no Congresso, especialmente do PSDB, e “surgiu da vontade política de Lula e de uma mobilização da sociedade”, lembrou Cruvinel.
A lei tem pressupostos básicos para desenvolver emissora de rádio e televisão públicas no Brasil. Trinta dias depois de sancionada, a comunicação pública foi implementada.
Para Cruvinel, não restam dúvidas quanto ao compromisso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a EBC. A jornalista reforçou que houve um esforço de seu governo para construir uma estrutura que garantisse autonomia à Empresa, com objetivo de construir uma comunicação do Estado brasileiro, e não governamental. “Parece que Temer desconhece isso”, lamentou.
Cruvinel afirmou também que a marca de Temer é o desmonte: da EBC, de políticas sociais, de ministérios como de Direitos Humanos e das Mulheres. “A única saída é uma resistência bem efetiva”.
Comunicação como política de Estado
Ao fazer sua intervenção, Lalo lamentou o desmonte da EBC porque, em sua opinião, a empresa deveria ser propulsora da convergência midiática entre rádio, televisão e internet, incluindo rádios comunitárias e universitárias.
O jornalista citou que a EBC foi criticada também pela imprensa tradicional, a ponto de ser apelidada de “TV Lula”. Isto se deve à repulsa que alguns setores conservadores da sociedade brasileira têm a qualquer avanço social.
Lalo defendeu a comunicação pública como elemento essencial para a democracia, e que o próprio debate sobre este assunto é um sinal de que o Brasil avançou. “E isto aconteceu graças à EBC”.
A comunicação pública e de qualidade deve refletir as diversidades da sociedade sem interesses comerciais, em que a preocupação com a audiência não está em primeiro lugar. É uma empresa para prestar serviços públicos à sociedade brasileira. “Muitos brasileiros nasceram, cresceram e morreram achando que televisão tem que ter propaganda”, disse.
De acordo com ele, comunicação é um direito e um serviço que precisa ser encarado enquanto política pública, e que não combina com Estado mínimo, mas somente com Estado de bem-estar social.
“O Estado precisa ser impulsionador do processo (de democratização da informação e da construção da comunicação pública)”, disse. O modelo ideal, argumentou, possui pelo menos 4 canais públicos. Isto porque é necessário ter, por exemplo, uma emissora infantil.
“TV pública é forma de controle social da mídia”, definiu. Segundo o jornalista, este é um dos eixos da diversidade na comunicação. “Sociedade brasileira não pode ficar refém da Globo News”.
Por Daniella Cambaúva da Agência PT de Notícias