Violência Política | Uma mulher no poder incomoda gente. Muitas mulheres incomodam muito mais.
Desde a decisão em sair candidata, até ser eleita, enquanto exerce o mandato e ocupa espaços de poder, a violência política de gênero acontece o tempo todo e faz da trajetória política da mulher uma verdadeira saga contra o machismo.
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Ana Clara, Elas Por Elas
O episódio da deputada federal Maria do Rosário (PT/RS), em 2003,com o então deputado Jair Bolsonaro — em que ela foi ameaçada de estupro — abriu os olhos da sociedade para a violência política que as mulheres enfrentam em espaços de poder.
É certo que esses ataques sempre existiram antes e continuaram existindo, mesmo após a deputada ter vencido o processo contra o então parlamentar. Ainda assim, foi um marco importante para debater os obstáculos para a participação da mulher na política. E, quase duas décadas depois, o réu foi eleito presidente da república e opera com um governo genocida e medidas que legitimam o ataque à existência das mulheres.
A consolidação desse fenômeno ficou explícita no processo eleitoral de 2020, marcado pela violência política de gênero e raça, com ataques e ameaças de cunho misógino e racista — revelando um país que não está preparado para que as mulheres ocupem espaços de poder, ainda mais as mulheres negras. Aqui, você confere os dados com recortes de gênero e raça sobre as eleições do ano passado.
Portanto vencer a estrutura machista na campanha eleitoral é só o primeiro passo. Diante dessa conjuntura, a batalha pelo exercício pleno do mandato de uma mulher é cotidiana. Esse ano, por exemplo, um ‘CPF fantasma’ entrou com pedido de ação para cassar uma vereadora do PT, em Ribeirão Preto. Na capital paulista, a vereadora Juliana Cardoso já apanhou e recebeu voz de prisão da GCM quando defendia jovens do movimento estudantil. Em Fortaleza, hackers invadiram o plenário e agrediram a vereadora Larissa Gaspar. Em Araraquara, a vereadora Filipa Brunelli está ameaçada de sofrer sanções por ter proferido discurso em defesa da causa LGBT por uma moção de repúdio ao PL 504/2020, que tramita na Alesp.
“O primeiro e árduo passo foi consolidado: elas foram eleitas. Agora, começa uma nova fase, não menos desafiadora, que é o exercício pleno do mandato sem silenciamento, sem ameaças e sobretudo sem violência política. Estamos acompanhando todos os casos e tratando das devidas providências”, ressalta Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT.
Se ser candidata já foi enfrentar todas as formas de violência, depois de eleitas, o desafio continua com outras ferramentas. A burocracia institucional, o silenciamento, as agressões virtuais, a ofensiva das fake news, as manobras para evitar ocupar espaços institucionais internos (comissões, mesas, frentes parlamentares, etc), exposição de vida privada são as diversas fontes de constantes ataques, que prejudicam o exercício pleno do mandato parlamentar. Mulheres como Gleisi Hoffman, Benedita da Silva, Maria do Rosário, Marília Arraes, dentre tantas enfrentam a violência política de gênero todos os dias.
A secretária nacional de mulheres, Anne Moura, explica a atuação da Secretaria na assistência e acompanhamento das eleitas do PT na luta diuturna pelo exercício do poder sem violência política.
“Acompanhamos de perto e prestamos toda assistência às mulheres eleitas do PT na luta contra a violência política e pelo exercício pleno do mandato. Com projetos de lei, medidas jurídicas, denúncia na imprensa e nas redes, mobilização social, visibilidade, apoio, suporte, acolhimento e tudo que estiver ao nosso alcance e do Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras. Elas podem contar com a gente”, explica Anne.
Violência Política de Gênero. Conhecer para combater
A violência pode ocorrer por meio virtual (com ataques em páginas, perfis, fake news e deepfakes) e também nas ruas, quando as mulheres que atuam na política são atacadas por eleitores. Elas podem ser vítimas tanto em seus partidos como dentro de casa. As ações se dão de forma gradativa e podem chegar até ao assassinato. A Agência Câmara relacionou algumas práticas violentas que podem estar presentes em cada etapa da trajetória política de uma mulher. Confira:
Candidatas, as mulheres sofrem violência política de gênero, principalmente, por:
- ameaças à candidata, por palavras, gestos ou outros meios, de lhe causar mal injusto e grave;
- interrupções frequentes de sua fala em ambientes políticos, impedimento para usar a palavra e realizar clara sinalização de descrédito;
- desqualificação, ou seja, indução à crença de que a mulher não possui competência para a função a que ela está se candidatando ou para ocupar o espaço público onde se apresenta;
- violação da sua intimidade, por meio de divulgação de fotos íntimas, dados pessoais ou e-mails, inclusive montagens;
- difamação da candidata, atribuindo a ela fato que seja ofensivo a sua reputação e a sua honra;
- desvio de recursos de campanhas das candidaturas femininas para as masculinas.
Já eleitas, as mulheres são vítimas de violência, quando:
- não são indicadas como titulares em comissões, nem líderes dos seus partidos ou relatoras de projetos importantes;
- são constantemente interrompidas em seus lugares de fala;
- são excluídas de debates;
- são questionadas sobre sua aparência física e forma de vestir;
- são questionadas sobre suas vidas privadas (relacionamentos, sexualidade, maternidade).
Práticas invisíveis
- violência emocional por meio de manipulação psicológica, que leva a mulher e todos ao redor a acharem que ela enlouqueceu;
- quando o homem explica à mulher coisas simples, como se ela não fosse capaz de compreender;
- a constante interrupção, impedindo a mulher de concluir pensamentos ou frases;
- quando um homem se apropria da ideia de uma mulher.