Saúde universal e apoio à ciência, o caminho para sair da crise

Prioridade nos mandatos de Lula e Dilma, saúde, educação e ciência são ignoradas por Bolsonaro. Conselho de Saúde do próprio governo defende revogação imediata da Emenda do Teto de Gastos

Foto: Ueslei Marcelino

Profissionais cubanos promovem atendimento no Brasil pelo programa Mais Médicos

No Dia Mundial da Saúde, comemorado nesta terça-feira (7), o mundo vive dias inglórios na luta contra a pandemia do coronavírus. No campo de batalha da maior crise humanitária desde a recessão de 1929, governos de diversos países reavaliam o papel do Estado, reconhecendo a vital necessidade do fortalecimento de suas redes de proteção social e dos sistemas de saúde. Nações reforçam ainda os investimentos em ciência e tecnologia, armas do conhecimento decisivas para medidas de sucesso no combate à doença. Golpeado severa e repetidamente pelos governos Temer e Bolsonaro, que promoveram cortes brutais nas verbas previstas para saúde, educação, ciência e tecnologia, o Brasil, no entanto, dispõe de poucos recursos para proteger a população e vencer a guerra contra o vírus neste segundo estágio de avanço da pandemia.

Especialistas avisam que o congelamento de gastos com saúde e educação, iniciado com Temer e mantido por Bolsonaro, irá custar caro ao povo brasileiro. De acordo com o Conselho Nacional de Saúde (CNS), do próprio Ministério da Saúde, estima-se que as perdas de investimento do Sistema Único de Saúde (SUS) somarão R$ 22,5 bilhões, entre 2018 e 2020, segundo a nova regra de cálculo feita a partir da Emenda Constitucional 95/2016, que instituiu o teto de gastos. Em documento enviado semana passada à Advocacia Geral da União (AGU), o Conselho defendeu a revogação urgente da Emenda.

“A realidade é que, ao se retirar R$ 22,5 bilhões desde 2018 de um sistema subfinanciado e insatisfatório às demandas da população, o resultado se expressa em perdas de serviços e de vidas”, diz o documento. O órgão observa que a pandemia ainda não atingiu o pico da curva de novos casos da doença no país e, portanto, “não há como estimar as despesas adicionais de combate ao Novo Coronavírus no Brasil”.

Segundo o CNS, falta um planejamento que permita a injeção de novos investimentos e a aplicação “imediata de recursos adicionais ao SUS, que poderiam ser financiados com a venda de títulos públicos, emissão de moeda e/ou utilização de parte do superávit financeiro da Conta Única do Tesouro Nacional”.

Em face da gravidade da situação, o senador Humberto Costa (PT-PE) protocolou um projeto de lei no Senado que autoriza a União a lançar mão do superávit financeiro das fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional para ações, no âmbito da saúde, de enfrentamento do Covid-19. O superávit soma R$ 1,3 trilhão, de acordo com dados do governo. 

Em março, o PT também protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) pedido de liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 5.715/DF para suspender a Emenda 95. O pedido de liminar específica sobre os recursos da saúde refere-se a uma ADIN apresentada pelo partido em 2017. A relatoria do caso está nas mãos da ministra Rosa Weber.

Saúde e atendimento para todos, legado dos governos do PT

Apesar do catastrófico desmonte promovido por Temer e Bolsonaro, o SUS ainda é considerado uma das mais completas plataformas de universalização da saúde no mundo, (SUS), tendo sido objeto de estudo de institutos e publicações internacionais especializadas. Durante os governos do presidentes Lula e Dilma Rousseff, o fortalecimento do setor de saúde, ao lado da educação, foi a prioridade das políticas de Estado: não à toa, em pouco mais de uma década, o investimento por habitante saltou de R$ 244 em 2003 para R$ 413 em 2013.

Dilma implementou ainda o Mais Médicos, com a contratação de 18 mil médicos para levar atendimento a 100 milhões de brasileiros, aumentando para 34 mil o número de profissionais de saúde em atuação no país no ano de 2015. A iniciativa somou-se a esforços de programas anteriores como Farmácia Popular e Brasil Sorridente. O Farmácia Popular ofereceu 125 medicamentos gratuitos ou com desconto de 90% a mais de 26 milhões de pessoas. Já Brasil Sorridente reduziu, entre 2003 e 2010, a incidência de cárie em crianças de 12 anos em 26%, além de perdas dentárias em 50% em adolescentes e adultos.

As administrações petistas também garantiram o funcionamento de 435 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), com 94 mil atendimentos diários, além de ter deixado outras 556 em construção. As Unidades Básicas de Saúde (UBS) chegaram a 41 mil unidades ativas. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) triplicou a frota: passou de cerca de 800 ambulâncias para mais de 2.500 em 2016, com atendimento em 2944 municípios.

Ciência e tecnologia, armas no combate mundial ao vírus, sofrem cortes no Brasil 

“É preciso acordar para essa hecatombe e começar a pensar estrategicamente”, defendeu o cientista Miguel Nicolelis, um dos coordenadores do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, em entrevista ao canal Tutaméia. Segundo o cientista, é preciso oferecer “todos os meios necessários para a comunidade científica, para os sanitaristas, que são excelentes, e colocar em prática as boas práticas para reduzir o número de pessoas infectadas”.

Tratadas por líderes mundiais como dois dos principais setores estratégicos e última esperança para o desenvolvimento de uma vacina ou mesmo a cura, no Brasil, as áreas de ciência e tecnologia seguem negligenciadas pelo governo Bolsonaro. O orçamento para a pasta de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, sofreu neste ano redução de 15% em relação a 2019. 

A verba, de R$ 13 bilhões, foi inicialmente comemorada pela comunidade cientifica por ter sido “blindada” de cortes do governo. Mas a alegria durou pouco. Cerca de 40% do valor está em reserva de contingência e, portanto, indisponíveis para gasto, segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Outros 10%, cerca de R$1,3 bilhão, são crédito suplementar e dependem de aprovação do Congresso para serem usados. O orçamento disponível, de acordo com o SBPC, é de apenas R$ 4,7 bilhões, o que na prática representa uma queda de 38% quando comparado aos recursos do ano passado.

Só no ano passado, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) viu evaporarem 84 mil bolsas. Também na área de pesquisa, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), vinculada ao Ministério da Educação, sofreu cortes nas bolsas em até 30%. Foram afetadas diversas áreas de pesquisa cientifica, inclusive a de saúde. Só em 2019, foram quase 12 mil bolsas extintas.

Fortalecimento do SUS, o único caminho

Sejam quais forem os desdobramentos sócio-econômicos decorrentes da crise de saúde, não é mais possível considerar que a solução apareça milagrosamente à revelia do poder público e da formação de um estado vigilante e atento às necessidades de seu povo. “Eu acho ingênuo a gente acreditar que o enfrentamento dessa epidemia no Brasil poderia se dar fora de um sistema público, fora de um Sistema Único de Saúde como é o SUS”, afirmou a professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), da Fiocruz, Angélica Fonseca, em depoimento ao portal do instituto no dia 25 de março.

A pesquisadora e vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Machado, concorda: “o fato de o Sistema Único de Saúde se organizar em torno das diretrizes de universalidade e de integralidade e, sobretudo, o fato de partir de um princípio constitucional da saúde como dever do Estado e direito de todos é extremamente importante no momento do enfrentamento de uma epidemia como essa do coronavírus”, observou Cristiani, em entrevista ao portal da Fiocruz.

Da Redação, com informações de: PT no Senado,  Conselho Nacional de Saúde, SBPC, Tutaméia, e Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (Fiocruz)

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