Dallagnol faz acusações ao PGR, mas vai enfrentar o CNMP
Coordenador da Lava Jato ataca procurador-geral, confessa que fundação bilionária foi um erro, mas não apresenta qualquer explicação para o acordo ilegal firmado com o FBI, à revelia da autoridade máxima do Executivo. Tampouco confessa que manteve Lula sob perseguição por ‘lawfare’. OAB vai recorrer contra abusos ao Conselho Nacional do MP
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A Lava Jato se mantém longe da lei e atua sem controle. Coordenador da força-tarefa de Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, acusa o procurador-geral da República, Augusto Aras, de querer obter acesso a dados e informações sob investigação da Lava Jato, como se o chefe do MPF estivesse extrapolando a legislação. Não fosse o próprio Dallagnol um contumaz violador de sigilos – distribuindo dossiês à imprensa contra adversários políticos nos últimos 5 anos – estaríamos diante de alguém que poderia prezar pelo cumprimento da lei. Mas as aparências enganam. Dallagnol é um fora da lei.
Quem operou fora da legalidade, promovendo a violação sistemática de sigilos, desde 2014, foi a Lava Jato. Em nome do combate à corrupção, a força-tarefa passou a atuar manipulando informações e a mídia diante da opinião pública, movimentando-se sem qualquer contenção ao seu abuso de poder. Nesta terça-feira, a Ordem dos Advogados do Brasil anunciou que vai pedir ao Conselho Nacional do MP a investigação da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba após revelação de ligação da operação com o FBI. A demanda havia sido feita pelo presidente da entidade, Felipe Santa Cruz, e a ação foi oficializada em reunião virtual.
Ao longo de seis anos, o juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato projetaram poder sem qualquer tipo de freio por parte do Conselho Nacional do Ministério Público ou do Conselho Nacional de Justiça, que não puniram abusos e ilegalidades, à exceção da criação do fundo bilionário da Petrobras, que seria operado por uma organização privada escolhida pelos procuradores.
Erro bilionário
Sobre este episódio, candidamente, Dallagnol admitiu nesta terça-feira, pela primeira vez, que a tentativa de criar a fundação com dinheiro recuperado pela operação Laca Jato foi um erro. “Esse acordo [que criaria a fundação] não foi compreendido e gerou muitas críticas. Ainda que naquele momento tenha parecido a melhor solução, não foi boa. Quando a gente analisa com visão retrospectiva, pelo desenrolar dos fatos, aquela decisão pode não ter sido a melhor do ponto de vista de resultado”, disse ao UOL.
A intenção da força-tarefa seria usar R$ 2,5 bilhões recuperados pela operação. O dinheiro seria gerido por uma instituição privada cujos integrantes seriam designada pelos próprios procuradores. O caso foi parar no STF, que decretou nulo o acordo fechado pela Lava Jato com o Departamento de Justiça.
Apesar do equívoco confessado, outras violações cometidas pela Lava Jato foram deixadas de lado. É o caso do vazamento inconstitucional da conversa telefônica entre os ex-presidentes Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, em abril de 2015, autorizada de maneira ilegal por Sérgio Moro. A manobra provocou forte impacto na mídia e na opinião pública, incitando os conservadores a pressionarem o impeachment de Dilma.
Ilegalidades na mira do STF
O jogo combinado entre juiz e promotores também conteve inúmeras outras ilegalidades que precisam ser reexaminadas pelo Supremo e o Conselho Nacional do MP. Até setembro, a suspeita sobre a conduta de Moro será levada a julgamento pelo plenário do STF, a pedido de Lula. O advogado de defesa de Lula, Cristiano Zanin Martins, voltou a criticar nesta terça a Lava Jato. “Está provado que ação dos EUA na Lava Jato não era teoria da conspiração”, disse.
Não há precedentes na história para tantas arbitrariedades cometidas por operadores do Direito dentro do próprio Judiciário. Nunca procuradores exerceram poder de maneira tão afrontosa à lei e ao Supremo Tribunal Federal, violando os direitos de defesa e manipulando evidências e informações para formar juízo de valor contra adversários, como se comprovou na série de denúncias feitas por jornalistas do ‘The Intercept Brasil’ e outros veículos de comunicação ao longo de 2019, no que se convencionou chamar de Vaza Jato.
Ilegalidades flagradas pela ‘Vaza Jato’
Desnudaram-se ali dezenas de violações e manobras suspeitas cometidas pelos procuradores de Curitiba. Basta lembrar apenas 10 episódios, de uma longa lista de suspeitas e indícios de crimes cometidos por Moro e os procuradores da Lava Jato. Ei-las:
- Moro e Dallagnol mantiveram uma colaboração proibida pela lei orgânica da magistratura, combinando provas e elencando prioridades,
- Contra Lula, Moro sugeriu a procuradores uma nota oficial contra a defesa do ex-presidente, para pautar a imprensa irritado com o “showzinho” dos advogados do petista;
- Lava Jato tramou vazamento de delação para interferir na disputa política da Venezuela após sugestão de Moro;
- Dallagnol incentivou cerco da Lava Jato ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli;
- Lava Jato usava chats para pedir dados fiscais sigilosos sem autorização judicial a funcionário da Receita Federal, que depois assumiu a chefia do Coaf;
- Dallagnol vazou informações das investigações para a imprensa — às vezes para intimidar suspeitos e manipular delações;
- Moro autorizou devassa na vida de filha de investigado da Lava Jato para tentar prendê-lo;
- Lava Jato usou denúncia do sítio contra Lula para distrair público de crise com o presidente Michel Temer e então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e proteger os próprios colegas do MPF;
- Moro direcionava ações da PF na Lava Jato – delegados, sabendo que era errado, esconderam orientação do juiz; e
- Procuradores tramaram em segredo para impedir entrevista de Lula antes das eleições por medo de que ajudasse a ‘eleger o (candidato Fernando) Haddad’.
Acordo ilegal com FBI
Em março de 2020, a Vaza Jato mostrou ainda que procuradores do Ministério Público Federal revelam o funcionamento de uma colaboração secreta da operação com o Departamento de Justiça dos EUA. Os diálogos mostram que a equipe liderada por Dallagnol fez de tudo para facilitar a investigação dos americanos – a ponto de violar tratados legais internacionais e a lei brasileira.
Por fim, na semana passada, a Agência Pública revelou mais uma tramoia ilegal de Deltan Dallganol: o acordo ilegal fechado com o FBI, que permitiu aos policiais norte-americanos acesso às informações de investigações conduzidas pela força-tarefa da Lava Jato.
As mesmas investigações que Dallagnol se nega a compartilhar com o procurador-geral da República, como se a força-tarefa é que fosse responsável pelo sigilo das informações. “A Procuradoria Geral da República acessar dados da Lava Jato seria como banqueiro ver a conta de um cliente”, disse Dallagnol, na entrevista chapa-branca concedida à Folha. “Quando as informações são sigilosas, há regras para o acesso”.
Nas entrevistas concedidas ao UOL e à ‘Folha’, o procurador Dallagnol profere sentenças e faz ataques sem se manifestar sobre sua própria conduta. Como se não precisasse prestar esclarecimentos ou dar explicações nos episódios relatados acima. Dallagnol feriu a ética, violou a lei, manteve-se constantemente extrapolando suas atribuições como membro do MPF. Deu-se ao luxo de cometer arbitrariedades sem ser punido.
Jamais admitiu que atuou no caso da Lava Jato de maneira torpe e vil. Nem que feriu o princípio da impessoalidade, cometendo abuso de poder e autoridade ao manobrar os meios jurídicos para executar uma campanha de perseguição a Lula. A prática do ‘lawfare’ cometida por Dallagnol será examinada pelo CNMP em agosto. O encontro do justiceiro de Curitiba com a lei vai ocorrer.